Afif Domingos, agora ministro de Dilma, deveria ter a decência de renunciar ao cargo de vice-governador de São Paulo, para o qual foi eleito como oposicionista
Certas coisas só acontecem no Brasil: é absolutamente espantoso,
perto do inacreditável, em qualquer país normal, que o vice-governador
do Estado mais rico e importante, São Paulo, eleito por um partido de
oposição, permaneça no posto depois de bandear-se para um partido
governista e, depois, se torne MINISTRO do governo ao qual originalmente
se opunha — sem abandonar o cargo.
É o que está acontecendo com o vice-governador de São Paulo,
Guilherme Afif Domingos. Graças a uma aliança do PSDB com o DEM que
seguiu os passos do então presidente Fernando Henrique e remonta aos
tempos do governador Mario Covas (1995-2001), Afif foi eleito na chapa
do governador tucano Geraldo Alckmin nas eleições de 2010.
Mas, em março de 2011, com a oportunista fundação do PSD pelo então
prefeito (também ex-DEM) paulistano Gilberto Kassab — um partido que o
prefeito definiu como não sendo “nem de direita, nem de esquerda, nem de
centro”, mas cujo óbvio e declarado propósito era o de apoiar o governo
lulopetista –, Afif, para surpresa de muitos, aderiu à nova legenda.
Criou-se um brutal constrangimento no Palácio dos Bandeirantes, onde
Alckmin tem um outrora aliado hoje jogando no outro time. A isso se
acrescentou a kafkiana situação de Afif, agora, aceitar ser ministro da
Micro e Pequena Empresa a convite da presidente Dilma — sem, contudo,
deixar de ser o vice de um governador eleito pela oposição.
Um mínimo de correção e ética por parte de Afif deveria levá-lo à
renúncia ao cargo. A rigor, lá atrás, quando deixou o DEM. Muito mais
agora, quando acumula um posto no Palácio dos Bandeirantes com um cargo
de ministro.
Afif é um caso curioso de desperdício na política. Empresário de
grande sucesso, entrou na política pelas pouco recomendáveis mãos do
malufismo, mas logo criou espaço próprio com uma agenda moderna dentro
do hoje extinto PL: a favor do capitalismo como agente criador de
riquezas, contra o excesso de Estado, contra o excesso de impostos, pela
livre iniciativa, pelas privatizações, a favor dos investimentos
estrangeiros, pela democracia liberal etc etc.
Sendo desconhecido em nível nacional, teve competência para sair-se
airosamente da renhida, duríssima eleição presidencial de 1989, quando,
entre 22 candidatos, seu 6º lugar significou situar-se à frente de
figuras nacionais como o deputado Ulysses Guimarães, do PMDB, e o
ex-vice-presidente Aureliano Chaves, do então PFL.
Foi um dos deputados mais votados do Brasil à Constituinte, em 1986,
com mais de meio milhão de votos, e em 2006, com mais de 8 milhões de
votos, esteve a milímetros de derrotar o eterno Eduardo Suplicy, do PT,
na disputa pela vaga de São Paulo naquele ano pelo Senado.
Como presidente da Associação Comercial de São Paulo, criou o Impostômetro,
espécie de placar eletrônico afixado na sede da entidade que mede o
total do dinheiro que o governo arrancou da sociedade, segundo a
segundo.
Afif, por sua trajetória na livre iniciativa e na política, por sua
pregação de décadas em favor de ideias que são o oposto do que defende e
faz o lulopetismo, tinha tudo para encabeçar um partido de “direita
moderna”, liberal e democrático, que preencheria uma grande lacuna no
arco partidário do país.
Preferiu a mixaria de lançar suas ideias pela janela e ser ministro
do medíocre governo Dilma — um ministro a mais, num mar de 38 outros, a
maioria ilustres desconhecidos, que podem ser demitidos até por
telefone, ou se a presidente acordar de mau humor.
Arremessou pela mesma janela uma eleição praticamente certa para o Senado em 2014 se tivesse se mantido na aliança PSDB-DEM.
Demonstrando excepcional cinismo, o vice-governador se declara agora,
sendo ministro, como alguém que fará “um trabalho de cooperação” entre o
governo de São Paulo e o governo federal.
O que será isso? Ele, como o vice-governador Afif Domingos, manterá
reuniões com o ministro Afif Domingos para incrementar a micro e pequena
empresas paulistas, por exemplo?
Fazer um “trabalho de cooperação” é algo que Alckmin, que afinal de
contas é o governador, já pratica desde o começo de sua gestão, mantendo
o que diz serem “excelentes relações administrativas” com o governo da
presidente Dilma.
O que Afif deveria, mesmo, é ter a decência (vergonha na cara) de renunciar ao cargo de
vice-governador. Mas esperar isso é, com certeza, esperar demais.
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