terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A BANDA DE MÚSICA DO CENTRO ESPÍRITA





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Sendo pecador que acredita, pelo arrependimento alcançar um dia o perdão final, busco orientar-me pelo exemplo dos santos de minha devoção, não considero ser necessário aventurar-me em outras doutrinas e, por isto, nunca me interessei pelo estudo de filosofias pagãs, protestantes ou espíritas, mas também sou consciente de que delas não posso fazer qualquer avaliação, podendo afirmar, contudo, que admiro o comportamento dos adeptos de Alan Kardec, cujos princípios e atitudes são, a meu ver, bastante coerentes com a pregação dos Evangelhos de Jesus Cristo e os ensinamentos contidos no Novo Testamento. 
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Não sou muito chegado â leitura do Pentateuco e demais livros da Sagrada e antiga escritura, mas convivo democraticamente e ecumenicamente, dando-me perfeitamente bem e em paz com protestantes, crentes, judeus, muçulmanos, ateus, agnósticos, espíritas, maçons, mórmons e alguns macumbeiros. Sendo que, entre esse último grupamento de fieis, tenho um especial amigo, de longa data, que é pleno em idades, em experiências e em virtudes, inclusive a de nunca ter ingerido bebida alcoólica, mesmo que sempre esteja presente, entre nós, perfeitamente e conscientemente abstêmio, no meio de nossa turma de dezenas de beberrões, profanos e blasfemos, em frequentes e animadas rodas de samba e de cachaçada, sendo ele mesmo um ótimo garfo e também virtuoso violonista e invejável clarinetista. 
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Esse amigo, que também é meu vizinho de bairro, sempre me convida para participar da sua banda de música onde ele é o regente, assim como insiste que eu o acompanhe em suas idas ao Centro Espírita, lá em Santa Efigênia, onde ele é um dos dirigentes da “mesa”. Eu, como bom católico, cachaceiro e analfabeto na arte musical, arranjo alguma desculpa para não acompanhá-lo, mas sempre lhe agradeço pela gentileza do convite e nunca me dispus conhecer os dois locais para onde esse dito amigo, de volta e meia, insistentemente tem essa ideia de me levar, incentivando-me a comparecer e afirmando que tenho uma grande vocação, tanto para me tornar um bom maestro em seu grêmio ou para ser revelado como um poderoso médium em seu sagrado lugar de trabalhos espirituais. E sobre essa teima, eu nunca entendi a razão de ele avaliar, assim, os meus secretos pendores que ele afirma serem notórios, os quais para mim são simplesmente inexistentes, mas suponho que essa avaliação dele esteja associada a meu apreço por bandas de música e pela admiração que dedico, em relação à sua capacidade de conciliar tantos talentos, como o fino gosto musical, a vocação pedagógica e, principalmente, a virtuosidade na execução de chorinhos, polcas e dobrados, ainda conciliando todas estas virtudes à que reputo como a principal que é a sua piedosa missão de fazer o bem, sem nada exigir em troca, alcançando de seus “guias” os benefícios que várias pessoas lhe pedem para encaminhar, o que ele faz com toda dedicação, fé e confiança em obtê-las, através deles, todos com os bons resultados que se esperam obter com seus curiosos “despachos”com os poderes do além. 
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E sendo muitos os conhecidos, em nosso círculo de amizades, que encaminham seus pedidos aos “espíritos” de seu relacionamento, conseguindo deles, na maioria das vezes, desatar os nós que dizem estar precisando ser desatados, em questões as mais diversas, como as relacionadas a dinheiro, a problemas conjugais, às dificuldades de relacionamento em ambientes domésticos ou de trabalho, no futebol e até na política. 
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Apesar de tudo, sem demonstrar minha descrença ou fazer qualquer observação contra ou a favor desses “milagres”, vejo a alegria, o contentamento e a grande satisfação nele refletidas, sempre que alguém afirma ter alcançado a graça de algum problema resolvido, com os ditos encaminhamentos na fé espírita, sendo essas as oportunidades em que ele reforça, ainda com mais ênfase, seus repetidos esforços no sentido de me “converter”. 
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E foi numa dessas ocasiões de júbilo, em razão de algum bom resultado alcançado a favor de amigos, mesmo sem ter feito a ele qualquer pedido,  fiquei sabendo de que estaria empenhado, “mexendo com as  forças do além”, com o objetivo de curar-me da minha diabetes que em mim se manifestou já a bastante tempo, fato que, aliás, não é muito raro na maioria de nossos confrades, visto que todos são mais ou menos da mesma idade, cujas macacoas e perrenguiças estariam nos mesmos patamares e que são de todos nós bem conhecidas. 
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No meu caso, porém, forçado que fui a submeter-me a exames periódicos, passei a observar com mais atenção a evolução dos meus níveis glicêmicos, em cujos exames vinham confirmando estarem exigindo maior cuidado, no que fui orientado a rever minhas atitudes em relação ao sedentarismo, ao alcoolismo, às dietas extravagantes e muitos outros fatores que agravam nosso quadro de saúde. Nesse sentido, mesmo sem deixar de comparecer assiduamente aos agradáveis encontros vespertinos, adotei, já a algum tempo, sem muito alarde, um regime alimentar de baixas calorias, diminuindo gradativamente o consumo de bebidas alcoólicas, passando a praticar caminhadas com mais frequência e, principalmente, fazer uso de alguns medicamentos, os quais me foram prescritos por meu genro, que é médico, sendo que neste tratamento especial e personalizado de que estou me sentindo privilegiado, tenho me esforçado para seguir à risca o rigoroso acompanhamento de minha filha que, por sua vez, é enfermeira e faz absoluta questão de observar todos os resultados do tratamento, tão benéficos para minha saúde, que se revelam, também, como resultado do acerto e da eficiência dos procedimentos médicos adotados pelo seu esposo, cada vez mais entusiasmado com sua brilhante carreira, na qual ele se especializa com invejável afinco, com muitos estudos, pesquisas e experiências, para a alegria de todos nós que muito confiamos no seu trabalho e desejamos, cada vez mais, ver o seu sucesso profissional. 
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Como já afirmei, reduzi drasticamente o meu consumo etílico e gastronômico, mas não deixei de frequentar minha antiga turma, pois não abro mão de colocar em dia os assuntos relacionados à tradicional resenha de fofocas, esportes, política, artes, etc, essas coisas comuns entre inveterados butequeiros, que também têm a sua faceta benéfica, contribuindo positivamente no nosso relacionamento social e no combate ao estresse da vida diária. 
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Numa dessas rodadas de fim de tarde, indagado que fui pelos motivos de estar me apresentando mais “sarado”. “esbelto” e mais econômico em meus gastos, escancarei na mesa, como um verdadeiro troféu, o meu último boletim com o resultado dos exames laboratoriais onde os índices de glicemia e de HDL apontavam para uma grande melhoria de minha saúde, aproveitando para fazer, com certo orgulho, uma propagandazinha a favor dos serviços médicos de meu genro, despertando a curiosidade dos presentes que queriam maiores detalhes sobre o tratamento, de vez que, quase todos ali, mesmo que sem querer admitir, estavam necessitados de passar pelos mesmos cuidados. 
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Cada um dos presentes passou a fazer algum comentário sobre casos idênticos com pessoas conhecidas ou fazendo alguma observação, dando opiniões sobre métodos e sobre procedimentos, alguns afirmando que não acreditavam na medicina convencional, outros afirmando que a melhor solução seria a homeopatia, até que chegou a vez do meu amigo “espírita” que, demonstrando grande satisfação pelo meu progresso, afirmou que, na verdade, eram os espíritos por ele invocados que estavam agindo sobre minha pessoa, de vez que  há muito tempo vinha ele fazendo, silenciosamente, um trabalho junto a “seus guias espirituais” para que eu me livrasse do vício do álcool, o que, por consequência, possibilitou o sucesso do meu tratamento médico.
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Essa revelação bombástica causou um grande impacto entre os presentes que, a exemplo da maioria das pessoas simples, geralmente são muito crédulas e levadas a acreditarem nessas superstições e em trabalhos de curandeirismos. 
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Eu, particularmente, em razão de meu credo e formação católica, para não causar polêmica e render mais comentários, preferi não colocar em discussão o fato de quem seria o mérito pela melhoria daqueles meus índices glicêmicos, objeto da polêmica, e procurei desviar a conversa para outros rumos, pois julguei inconveniente contrariar o meu amigo, na sua boa-fé, pois de fato sensibiliza-me a sua bondosa atitude e até me sentia agradecido por aquele seu gesto de apreço por mim – mas logo depois cada um tomou seu rumo de casa, sem mais tratar de qualquer outro assunto. 
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Ao seguir para a minha casa, porém, notei que o meu amigo me acompanhava, o que sempre era de seu costume, quando seguíamos até um ponto onde ele tomava a sua condução, sendo que neste percurso, desta vez, ele o fazia de forma estranha, seguia cabisbaixo, como se estivesse com algum ressentimento, sem pronunciar uma só palavra, muito diferente do que era o seu jeito comum naquelas curtas caminhadas. 
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Já quase chegando ao ponto em que ele ficaria para esperar o seu ônibus, indaguei dele a razão daquele repentino mutismo e ele, arredio, confessou-se aborrecido comigo pelo fato de não ter percebido, de minha parte, qualquer sinal de entusiasmo, mais efusivo, pelo seu cuidado em curar-me do antigo vício de ingerir muita cerveja, como ele havia dito que estava empenhado. Eu, porém, para não deixá-lo magoado comigo, disse-lhe que estava sim, muito reconhecido pelo seu cuidado, mas não poderia deixar de creditar a meu genro e minha filha os méritos pelo sucesso de meu tratamento. E em razão desta minha sinceridade, a partir daquele dia iniciou-se entre nós um distanciamento e quase que mais não nos víamos, até porque, também, muito pouco eu passei a comparecer no referido bar onde antes frequentávamos. 
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Mas, já passado algum tempo, no último domingo, vindo da Feira da Afonso Pena, deparei-me assentado ao lado dele, dentro do ônibus, quando ele trazia um volumoso embrulho ao colo, no qual se podia notar que eram arranjos florais e de palmas artesanais, sobre os quais ele, iniciando uma conversa sem muito entusiasmo, disse-me, sem que eu lhe perguntasse, que era para fazer uma oferta à Santa Bárbara em reconhecimento de um milagre alcançado a favor de um “certo” amigo, não muito devoto nessas coisas sagradas da umbanda. 
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Pelo tom daquela conversa, logo percebi que se tratava aquela insinuação, que intimamente sabia estar por ele relacionada à suposta cura de minha enfermidade, que ele queria que eu reconhecesse como obra de seus “guias espirituais”. Fiz de conta que não entendi, que o assunto não tinha qualquer relação com o meu caso e assim seguimos em direção de nosso destino comum que era o bairro da Cidade Nova, aonde chegamos já desanuviado aquele estremecimento que até ali se instalara por alguns dias, apaziguando-nos naquilo que de certa forma muito me agradava, pois não me sentia bem continuando aquele boba indiferença, que de fato era sem propósito e injustificável diante de nossa antiga amizade, sempre muito sincera e agradável. 
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Descemos do ônibus naquele mesmo ponto em que se iniciou o tal aborrecimento, afinal desfeito, e ali aproveitamos para retomarmos o curso de nossos causos e colocar em dia os antigos assuntos que preenchiam nossas tardes. E como não podia deixar de ser, veio o meu amigo com aquela velha conversa sobre a mediunidade que ele afirmava existir latente em mim e mais uma vez eu não lhe dei muita atenção e, como sempre o fazia nessas ocasiões, procurei desviar a conversa em direção de outros temas mais proveitosos ou agradáveis para mim. 
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Foi então que ele passou a falar-me sobre os problemas pelos quais estava enfrentando no comando de sua banda de música, no que talvez eu pudesse auxiliá-lo na busca de alguma solução, de vez que ele me considerava uma pessoa de algum prestígio, de bom relacionamento no meio político, onde de fato tenho algumas amizades e contatos, pelo que me prontifiquei colaborar, na medida de minhas possibilidades, mesmo confessando não confiar em promessas de políticos, não sendo de meu feitio imiscuir-me nessas aventuras de busca por mecenas, mas concordei em participar, naquele mesmo dia, à tarde, de uma reunião com os demais músicos, a qual já estava agendada a pauta dos assuntos que deveriam ser tratados. Nessa reunião, onde fui apresentado e não havia qualquer pessoa conhecida, além daquele meu amigo, fiquei atento ao relatório dos problemas que estavam afetando o bom funcionamento daquele grêmio, sendo que um dos músicos, naquela oportunidade, levantou como uma das causas do definhamento da banda a questão relacionada à quantidade e à qualidade do acervo que, segundo sua afirmação, não era suficiente para atender à necessidade da agremiação, sendo necessário que se fizesse, a princípio, um levantamento dos instrumentos musicais disponíveis no depósito e daqueles que eventualmente pudessem estar em poder de antigos associados, o que resultaria num inventário geral em que fossem identificados os possíveis desvios e também como ponto de referência para as necessárias correções e buscas de soluções, inclusive com a possibilidade de resgate daqueles bens que estivessem indevidamente em poder de terceiros. De fato, na avaliação de todos, esta seria uma boa medida e imediatamente se instalou, acerca do assunto, uma animada discussão tendo-se em vista iniciar-se um trabalho com o objetivo proposto, como a melhor maneira de se reorganizar, novamente, aquela desafinada filarmônica.  
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Estava evidente que aquela era a questão a afetar o bom funcionamento da banda e cada um passou a oferecer uma ideia que fosse eficaz na busca das correções que se faziam necessárias. 
O meu amigo, que se trata de uma pessoa já bastante idosa e que naquele dia demonstrava estar cansado depois de um dia agitado na citada feira, estava assentado na bancada em volta da mesa principal, onde cochilava e não parecia estar atento ao assunto em discussão. De repente, ele se levantou, desperto e com os olhos esbugalhados, com a voz embargada de emoção, completamente diferente daquela sua maneira mansa de dizer as coisas, como se fosse ele uma outra pessoa que estivesse falando pela sua boca, dirigindo-se à plateia, gesticulando e conclamando aos colegas músicos que devolvessem imediatamente os instrumentos desviados, pois aquela era a terrível causa dos males que estavam afetando o bom funcionamento do grêmio, a exemplo do que também estava acontecendo  com outras bandas, que vinha padecendo de idênticos problemas, levando-as à desorganização e ao encerramento de suas atividades, o que estaria ocorrendo com a Banda de Música Euterpe Conceição, da cidade de Minas Novas, uma das mais antigas do Estado de Minas Gerais, que tem sofrido seguidas baixas pela falta de responsabilidade de seus membros que não cuidam bem do acervo musical daquela centenária corporação, sendo que ele próprio, nesse sentido, tem uma lista com os nomes de vários músicos, os quais conservam guardados em suas casas, ou já venderam para terceiros, como se fossem seus, alguns preciosos instrumentos para músicos de outras localidades, sendo esta, de fato, uma situação que, para ser corrigida, precisa ser levada ao conhecimento das autoridades para que sejam tomadas as devidas providências legais. E também que ele próprio estaria disposto de “dar nomes aos bois”, referindo-se aos culpados pelos desvios denunciados. 
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Diante daquela revelação grave e inusitada, que pareceu fora de propósitos para a maioria dos ouvintes, sobre as quais nem mesmo deram muito crédito, a mim me causou espanto, pois nunca soube que aquele meu amigo tivesse qualquer ligação com a história e os fatos relacionados à Minas Novas e neste particular tenho absoluta certeza de que nunca tratei com ele deste ou de qualquer outro assunto relacionado à minha cidade, ou melhor, ele nem mesmo nunca me perguntou, ou eu em algum momento já lhe tenha dito o lugar de onde sou natural. E muito mais intrigado fiquei, depois de lhe perguntar sobre aquele assunto que ele se referiu, ao que ele, estando já em seu estado normal, livre daquele repentino transe por mim presenciado, afirmou nada saber e que nada podia informar, pois não se lembrava de ter feito aquelas revelações que eu, assim como todos os demais presentes à dita reunião, tínhamos acabado de vê-lo denunciar em alto e bom som, afirmando, ainda, que não sabe nem mesmo para que bandas ou onde fica essa tal cidade de Minas Novas, muito menos já ter ouvido dizer sobre a Banda de Música Euterpe Conceição. 
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Neste mesmo domingo, já à noite, quando seguia em direção de minha casa, pensando nesses curiosos acontecimentos, estando passando pelo bairro da Sagrada Família, no final da Rua Conselheiro Lafaiete, antes de chegar ao cruzamento com a Av. José Cândido, vislumbrei a figura de uma pessoa que seguia rende à vegetação que ali é abundante. E sob a claridade do farol do meu carro, vi nitidamente tratar-se de uma pessoa de baixa estatura, vestindo um terno de brim bege, bem amarrotado,  e levando debaixo de um dos braços um trombone e no outro ou maço de partituras, como se estivesse vindo, também, de alguma reunião. Passei por ele, mas não pude reconhecer-lhe o semblante, que me pareceu ser de uma pessoa negra ou bem escura. Segui adiante, em boa velocidade, tocado pelo repentino medo e por conta de uma sensação de estar vendo assombração, no que procurei me controlar. Eis que, já chegando perto de meu endereço, ao dobrar a esquina de minha rua, vejo novamente aquele mesma figura, agora me parecendo mais sinistra, que passou à minha frente e tomou a direção da passarela sobre a Av. Cristiano Machado, seguindo para as banda da Vila Ozanam.
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Tudo isto passou num breve instante e sobressaltado, deixei o carro na vaga da garagem de meu prédio e subi pelo elevador com um certo receio de me deparar com aquele figura fantasmagórica, que me parecia ser de alguém conhecido, mas do qual não pude reconhecer a fisionomia. Nada comentei com os familiares e, depois de um bom banho frio, fiquei matutando sobre o ocorrido, com medo de estar passando por uma crise de nervos ou algo parecido, em razão da abstinência prolongada. 
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Lembrei-me de vários casos que presenciei, quando morava em Minas Novas, de inveterados cachaceiros que sofreram com problemas de “delirium tremens” mas, ao mesmo tempo, sentindo que, em relação a meu caso, era nula aquela possibilidade, pois havia passado mais de três meses que estava sem beber sequer um copo de cerveja e em todo esse tempo não me ocorrera qualquer sintoma de algum descontrole emocional que afetasse qualquer comportamento. Fui para a cama sem poder me livrar dessas lembranças, mas enfim consegui dormir e durante o sono não tive qualquer pesadelo. 
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Nos dias que se seguiram esqueci-me, quase que por completo, de toda aquela curiosa novela, até que mais recentemente, encontrei-me de novo com o tal amigo espírita, quando este me perguntou se conhecia alguém com o nome de Noé, ótimo músico, que tenha morado em minha cidade natal, pelo que lhe respondi que sim, lembrando-me de que, na minha infância e juventude, havia em Minas Novas um dentista prático, com esse nome, que também era clarinetista dos bons, esclarecendo, ainda, que o mesmo, depois de se mudar com a família para a cidade de Araçuaí, voltava sempre a Minas Novas, em ocasião de festas tradicionais, sendo que a última vez que o vi foi durante o carnaval de 1980, quando fez parte da banda que animou os festejos de momo daquele ano, na antiga Escola Normal Dr. Badaró Júnior, inaugurada no espaço que era o Campinho de Futebol da Rua do Pequi. Pouco tempo depois, soube de seu falecimento. Contudo, a minha informação não satisfez a curiosidade da pergunta, quando meu interlocutor me disse que não se tratava deste referido músico, mas de outra pessoa, com o mesmo nome, mas que não era o clarinetista e sim outro músico que tocava trombone e, eventualmente, baixo-tuba na banda da minha cidade, dando-me outros detalhes que o identificava,  como a baixa estatura, a cor bem escura da pele, a calvície e as pernas tortas. 
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Não tive dúvidas: tratava-se de Noé Camargos e, imediatamente o associei àquela descrição a minha lembrança, em relação a essa pessoa, na figura sinistra de que me referi ter por ela passado, indo em direção da Vila Ozanam. Esclareci-lhe que se tratava, sim, do meu conterrâneo Noé, de quem tenho clara na memória todas as lembranças como uma pessoa um pouco mais jovem do que eu, com o qual convivi, na minha infância, como aprendiz de música com o “maestro” Zezinho Oliveira, quando ele, diferentemente de mim, mostrava-se muito mais vocacionado para a arte musical, no que logo se destacou no meio de toda a turma do Grêmio Lítero Musical Dr. Pedro Anísio Maia. Ultimamente esteve ele residindo na comunidade de Baixa Quente, onde veio a falecer, de forma repentina, ali deixando familiares. Diante dessa conversa, indaguei a razão da curiosidade, ao que ele, sorrindo, para minha surpresa, revelou-me que era esta a pessoa de Minas Novas que, lá na mesa de seu “centro”, como um de seus “guias”, lhe dava informações acerca de como deveria conduzir os trabalhos de regência e de organização da sua banda de música.
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Tenho voltado, mais amiúde,  às reuniões do Grêmio de Santa Efigênia, onde já foi completamente sanado o problema dos desvios de acervo e onde o meu velho e dileto amigo continua muito empenhado em fazer de mim um novo músico, mesmo com a idade que hoje já não me permite mais firmar uma boa embocadura, condição extremamente necessária à execução do trompete, instrumento de minha predileção. Mesmo assim, reconheço que as lições do maestro José Sebastião de Oliveira continuam claras na minha memória, cujo método e também a cartilha de rudimentos musicais são as mesmas. Tem sido muito gratificante, para mim, recordar o solfejo de velhos dobrados e valsas e sempre minhas lembranças se voltam para as procissões e para os demais eventos festivos de minha infância. Revejo, nestas oportunidades, as saudosas figuras de antigos conterrâneos e os vejo como se estivessem vivos, saudáveis e brilhantes em seus postos, cada um com seu reluzente instrumento, formando uma imensa corporação, na qual se irmanam músicos de várias gerações, sob o comando de vários mestres como Vovô Domingos Mota, com seu ofclides, tio João Lídio com sua batuta, maestro João Benedito e seu filho Gentil Fernandes, na execução majestosa de seus ébanos, o velho Manoel Alecrim no contrabaixo de campânula;  Adão de Zé Branco, Dim da Caixa, Noé Orsine, Zé Remendo, Banu e Neco Alecrim com seus clarinetes, Artur Quirino e Nininho nas requintas, Zé Moreira, Noé Camargos, Mauricinho, Lourival César, Agenor Santos, Joel de Odília e Sebastião Domingues nos trombones, João Batista e o padre Júlio nos bombardinos, Zé de Odília, Levizinho, Sargento Wagner, Valtinho Teles, Odilon e Zé de Maria Loura nos seus respectivos e estridentes trompetes, tio Gabriel Borges, João de Caju, Zé Alberto, Carlos Adão e o Sargento Zé Leão nos saxofones, Militão, Zé de Bulé e Fernando de Tião Ourives com seus imensos baixos-tuba; os saudosos Zé de Santa, meu avô Durval, os tios Rodolfo Gomes e Lucas Evangelista, juntos de mais alguns, marcando o "centro" harmonioso com seus luzidios saxhornes, ao lado de Zé Maria de Roxo, Ladinho, Tião de Angelino e Justino Martins brandindo compassadamente seus pratos; Vicentinho, Lilico, Caroço e Luquinhas repicando seus taróis, mais uma meninada imensa de quem não recordo o nome de cada um, mas deles me lembro de como eram musicais e entusiasmados nessa belíssima e alegre arte que, a cada dia, por falta de incentivos e de boa vontade das autoridades locais, vai ficando esquecida, desprestigiada, marginalizada ou levados seus membros a atitudes arredias, preconceituosas e de menosprezo, entre si, como se fossem profissionais ou artistas menores dentro de uma sociedade que não mais se identifica com suas tradições, com sua própria história e com a memória de sua gente. 
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E tudo isto, sendo um cenário de saudosismo, configura-se como uma visão espírita, como se fosse um chamado ou uma advertência, levando-me a refletir sobre esses fenômenos sobrenaturais em que não encontramos qualquer explicação lógica, mas que nos traz sentimento de dor e de tristeza. É lamentável que, em nossos dias, até os espíritos de “desencarnados” estejam incomodados e justamente decepcionados com o que se vê, não somente em relação às bandas de música, que são sociedades com um acervo de instrumentos musicais e coleções de partituras, mas de resto com toda a sociedade, de uma maneira em geral, que deveria funcionar como um instrumento coletivo de realizações sociais, artísticas, culturais, produtivas de bens e de serviços necessários para a afirmação cidadã, pelas características de serem organizações onde os valores individuais não podem ser  atribuídos, mas simplesmente adquiridos em razão de méritos e qualidades que em cada um explodem de forma natural, a partir da vocação, do dom pessoal e particular, da habilidade, do interesse, do esforço e da virtuosidade que fazem de cada artista um ser especial, diferente e único em sua arte ou em seu ofício.
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A honestidade, os bons costumes, o gosto pelas artes, o respeito às famílias, a religiosidade, o cuidado com as tradições, a solidariedade, o reconhecimento das verdadeiras lideranças e o apreço pela história, pelo patriotismo, pelo civismo, são todos esses valores inalienáveis, que não podem extinguir-se e que precisam ser reavivados constantemente em cada pessoa de bem, por mais simples que seja esse indivíduo dentro de seu contexto, pois do contrário perde-se, até mesmo, o entusiasmo pela vida comunitária, obrigando o cidadão a buscar outros rumos, para encontrar paragens e ambientes mais propícios, mais  amenos e salutares para suas relações mais afetivas, afazeres mais prazerosos e gratificantes, no meio onde será reconhecido o seu valor como pessoa, na sua necessária realização como ente social. Esta, entretanto, tem sido, infelizmente, a opção de muitos artistas de nossa terra, sejam eles músicos, operários, oficiais ou profissionais dedicados a diferentes afazeres, muitos deles desmotivados em suas origens, que se revelam grandiosos, produtivos e admirados em terras estranhas para onde se transferiram. 
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Continuo muito católico, mas depois daquela experiência no Grêmio de Santa Efigênia, sempre que estou no meio da banda, onde militam vários colegas que são confessadamente espíritas, fico atento para descobrir, no meio deles, algum que já tenha participado, em encarnações passadas, das antigas bandas de minha terra natal. 
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E, às vezes, como se eu estivesse voltando às origens, sou sacudido com os primorosos acordes de um antigo dobrado, idêntico em cada partitura, com alguma daquelas famosas peças musicais do acervo da saudosa Euterpe Conceição, de onde foram espalhadas cópias para as demais corporações que surgiram em várias novas cidade, muitas sem qualquer tradição ou história, mas que através de músicos remanescentes daquela antiga matriz, hoje se afirmam como marca de desenvolvimento cultural e de organização social de novas e pujantes comunidades.   
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Uma banda de música, uma orquestra filarmônica, um grêmio musical, um conjunto de baile ou uma simples batucada de escola de samba, tem em comum a necessidade de inspiração, de comando, de harmonia, de ritmo e de compasso, sem os quais não há sinfonia e muito menos haverá o alcance maior da melodia que é o embevecimento poético e o encantamento mágico da alma como atributo divino.  
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Não é à toa que os músicos têm consciência de que sua arte tem características poderosas e místicas, de enlevo saudável e de engrandecimento espiritual. Esse é um poder que não pode ser negado à arte musical. E em qualquer comunidade, mesmo nas mais primitivas, a primeira demonstração de sua realização social se dá pela manifestação artística, no formato do ritmo, de sons, de palmas, batuques, danças, gritos, cânticos, louvores e outras maneiras de se externar sentimentos, contentamentos, prazeres e também reações de aprovação ou de protestos. 
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Destarte, é a própria ciência que nos indica, desde as mais antigas sociedades, que sempre se tem notícia dessas manifestações, e ainda nos dias atuais, não há a ocorrência de qualquer solenidade, por mais desimportante ou de reconhecida efeméride, em que seja dispensada a participação de um músico, de um bom artista, de uma banda famosa ou uma orquestra de reconhecimento internacional no fechamento apoteótico que precisa ser marcado com o simbolismo dessa arte maior e insuperável que é a MÚSICA. 
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Sendo assim, louvados sejam os bons espíritos que nos inspiram e, em louvor maior à Divina Sabedoria, guiados pelo insondável  poder e na glória de Deus, sejamos todos contemplados com os dons que fazem de cada um de nós um instrumento humano de alegria, de paz e de felicidade. 
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E que assim seja, neste Reino de Deus, para a saúde de nosso corpo, para a salvação de nossas almas e para o engrandecimento, na prosperidade em todos os sentidos, de todos aqueles que desejam bem afinadas suas orquestras, harmoniosas suas famílias e apaziguadas todas as suas comunidades...
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Amém! 
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O Dom Supremo




"Deixe suas esperanças, e não seus ferimentos, moldarem seu futuro."
(Robert H. Schuller)


LIBERDADE DE EXPRESSÃO





E termina 2014. Um ano bastante difícil para a liberdade de expressão. Ano passado, ao escrever a retrospectiva 2013, já previa essa realidade para a área de comunicação no Brasil, especialmente por conta das eleições, mas não imaginava as inúmeras violações democráticas que nos aguardava.
Tivemos inúmeros vilões neste ano, mas sem dúvida alguma o Estado foi quem mais cometeu ilegalidades contra a palavra, a expressão e o direito que tem a impressa de exercer o que lhe foi garantido pela constituição.

Não podemos esquecer que, para o exercício da liberdade de expressão, o Brasil acolheu a teoria libertária, que pressupõe a não intervenção estatal na produção de conteúdo jornalístico, ou seja, é defeso ao Estado ditar o que deve e o que não deve ser dito pelos veículos de comunicação. 

No entanto, o ano de 2014 foi bastante pródigo nas intervenções estatais, seja pela atuação política dos governos, seja ainda pela compreensão equivocada que a Justiça brasileira tem feito do exercício jornalístico desenvolvido pelos veículos de comunicação, especialmente em períodos de eleição.

Não obstante uma disputa eleitoral que há muito o Brasil não presenciava, a imprensa teve contra si toda sorte de violação. Primeiro pelo fato de a Justiça eleitoral brasileira ainda defender que material jornalístico constitui propaganda eleitoral e, por conta disso, determinar a edição de texto, a retirada de circulação ou veiculação de conteúdo ou mesmo determinar a publicação de resposta para texto jornalístico absolutamente crítico ou revelador de fatos de interesse da sociedade. Assistimos a isso atônitos no período eleitoral. 

Alguns dos mais renomados veículos de comunicação do Brasil tiveram contra si decisões que determinavam edições e retiradas de texto, bem como a imediata publicação de resposta, sob o argumento de que constituíam propaganda eleitoral.

Além de conteúdo jornalístico nem mesmo se assemelhar a propaganda eleitoral, impossível de essa Justiça Especializada, que necessariamente emprega um procedimento célere, sem a possibilidade de uma fase instrutória, avaliar se um material jornalístico falseia a verdade e, a partir daí, condenar como propaganda todo trabalho de campo e de redação jornalísticos.

Também a merecer destaque negativo em 2014, tivemos o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral que impediu a publicidade de importante revista nacional, simplesmente pelo fato de esse periódico ter estampado na capa a imagem de um candidato que era objeto de reportagem pertinente, confundindo mais uma vez propaganda com material jornalístico; publicidade de um produto com publicidade eleitoral.

O ano foi marcado, mais uma vez, pelas liminares contra a liberdade de expressão. E não foram poucas. Para não citar todas, lembremos de que esta revista eletrônica foi objeto de uma canetada contra esse valor constitucional (4ª Vara Cível de Santana, São Paulo, processo nº 0007919.86.2013.8.26.00010). Ao comentar que havia uma disputa judicial que estava a impedir a apresentação da peça Edifício London, uma ficção que tinha como estímulo inicial o crime cometido contra a criança Isabella, teve contra si o comando legal da censura, tendo sido obrigada a imediatamente retirar de veiculação a matéria jornalística que publicara.

Também outro ato de censura durante o ano de 2014 teve como alvo a publicação IstoÉ, que pouco antes do início das eleições veiculou material jornalístico a respeito da operação lava-jato e dos nomes que eram citados pelo delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. A revista noticiou que o governador do Ceará, Cid Gomes, teria sido citado pelo delator em depoimento prestado nos autos da operação Lava-Jato. Isso foi o suficiente para que determinada juíza, em plantão judicial, determinasse o recolhimento imediato de todos os exemplares da revista IstoÉ, sem antes determinar que os autos estavam em segredo de justiça (2ª Vara Cível de Fortaleza, CE, processo nº 0785847-93.2014.8.06.0001).

Como esquecer que um dos brilhantes jogador de futebol nacional e internacional buscou censurar a revista Playboy simplesmente porque estava estampado na capa o nome Neymar, tendo sido acolhido seu pedido no juízo singular e logo reformado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (1058064-89.2014.8.26.0100, 3ª V. C. Central, SP).

Para terminar os exemplos de verdadeira censura contra a imprensa cometidos em 2014, citamos que tem sido recorrente decisões que determinam a alteração, a supressão ou mesmo o acréscimo de palavras, orações, frases a conteúdo jornalístico veiculado na mídia digital. Trata-se de verdadeira edição do conteúdo jornalístico, como se o Estado pudesse ser coautor de texto e escolhesse o assunto e a forma de sua apresentação. Isso é tão grave quanto a retirada de conteúdo impresso das bancas de jornais ou mesmo a retirada de material jornalístico da radiodifusão. A facilidade de alteração, de supressão e de acréscimos que a mídia digital proporciona em hipótese alguma modifica o direito constitucional de liberdade e o impedimento de intervenção do Estado. Se há erro no texto jornalístico digital, as tutelas jurídicas e seus procedimentos estão presentes para serem utilizados pelos que se sentirem atingidos, e nenhum dos provimentos jurisdicionais permite a edição pelo Estado de material jornalístico, como uma agência reguladora ou um órgão censor.

Em todos os casos acima, tivemos no Supremo Tribunal Federal a correção da direção do direito, com decisões que revelam a correta interpretação normativa a ser seguida em instância inferiores, constituindo profundos magistérios a respeito do valor democrático que é a liberdade de expressão, podendo ser citados dois excertos retirados de duas grandes decisões da Corte Suprema:

“As liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões. Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado” (Luís Roberto Barroso, RCL 18.638).

“Preocupa-me o fato de o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha culminado por transformar-se em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão. (...) o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!” (Celso de Mello, RCL 18.836)

Mas como dito, o ano foi pródigo nas violações democráticas e, nos estertores de 2014, acabamos de presenciar outra violação à democracia do país. A justiça federal de São Paulo determinou a quebra do sigilo telefônico do jornalista Allan de Abreu e do Diário da Região, publicação da cidade de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A determinação da quebra se deu pelo fato de o jornalista, em depoimento à procuradoria federal, não ter revelado o nome de suas fontes. Esqueceram, procuradores e juízes, que uma imprensa livre é condição imanente de um Estado Democrático e que uma imprensa livre tem como condição manter em segredo suas fontes. Não há liberdade de expressão sem a garantia, como valor fundamental de um Estado Democrático, de preservação das fontes. O que o Poder Judiciário Federal está a fazer é, não só ignorar a Constituição Federal brasileira, mas desconsiderar o Estado brasileiro como um Estado que optou em seu regime político pela democracia.

Também a radiodifusão, por força de uma má interpretação da lei eleitoral, acabou sendo tolhida em seu direito de criticar assunto de interesse e emitir opinião de interesse da sociedade, simplesmente pelo fato de estarmos num ano de eleição. Há um contrassenso de valores, pois quando mais a sociedade necessita de uma imprensa livre (escrita, digital e radiodifusão), mais caminhamos para um controle das palavras. No Paraná e na Bahia, por exemplo, a imprensa, em determinado momento, por determinação judicial, ficou impedida de abordar alguns assuntos que eram públicos inclusive.
Ora, seria de bom tom revisitar a legislação brasileira eleitoral e permitir a atividade de comunicação plena, sobretudo nesse período em que a sociedade clama por informação crítica. Tratamos os direitos constitucionais nesse período como se a nação passasse por um período de sítio, em que o Estado tem a permissão de sobrestar direitos fundamentais.

Ainda sobre esse assunto, vi com bons olhos as empresas de radiodifusão buscando inovar, dentro das possibilidades que a lei permite, os debates eleitorais entre os candidatos. A Rede Bandeirantes, a Globo e o SBT buscaram alternativas para tornar os debates mais dinâmicos. A Band em diversas praças buscou um confronto de ideias diretas entre os candidatos, permitindo que durante todo o debate fossem feitas perguntas entre os candidatos, bem como que pudesse haver alguns candidatos respondendo mais do que outros.

A Globo por sua vez inovou no palco e contribuiu para que candidatos estivessem efetivamente frente a frente quando, por exemplo, os que perguntavam e respondiam tinham de ocupar bancadas posicionadas uma para a outra. O SBT trouxe uma boa mudança nos horários de apresentação dos debates, talvez democratizando o acesso do público a esse momento jornalístico.

No campo legislativo há projetos que tiveram andamento no Congresso e cujo conteúdo interferirá sobremaneira na liberdade de expressão. O primeiro, tramitando nas casas legislativas há muito tempo, teve sua redação aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda votação no plenário desde abril de 2014. Trata-se do PL 6446/2013 – originalmente PL 141/2006 – que busca disciplinar o Direito de Resposta em material jornalístico divulgado por qualquer veículo de comunicação social. Em artigo próprio já tivemos a oportunidade de descer a detalhes desse instituto, inclusive trazendo o que é praticado nas democracias de outros países.

Para efeito dessa retrospectiva, fica o registro de que a boa intenção do Senador Aloysio Nunes em restringir a causa de pedir do direito de resposta aos fatos objetivos de uma matéria jornalística, ratificado pela Comissão de Comunicação Social do Congresso Nacional, exatamente igual ao que aqui por mim foi defendido em artigo publicado em 16.04.2013 (.http://www.conjur.com.br/2013-abr-16/alexandre-fidalgo-direito-resposta-busca-recomposicao-verdade), não teve aprovação no CCJ. O Congresso aprovou requerimento de tramitação urgentíssima na Câmara dos Deputados, aguardando, portanto, votação do plenário desta Casa.

Não cabe nesse espaço retornar ao debate, mas há de se fazer a advertência de que a amplitude que o projeto de lei confere ao direito de resposta, além de absolutamente incoerente, acaba por propiciar uma espécie de sufocamento dos debates públicos. O instituto do direito de resposta que tem por objetivo enriquecer o confronto de ideias, com o projeto acaba por restringi-lo, tornando-se mais um limitador da liberdade de expressão no país.

Outro projeto que tramita na Casa Legislativa e que também constitui em mais um freio à liberdade de expressão no Brasil é o de nº 7881/14, que torna obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados. Entraremos na discussão subjetiva do que é irrelevante e defasado, para aí censurarmos os veículos de comunicação social que cumpriram seu dever legal de noticiar fatos. O tempo, como já tive a oportunidade de escrever, não transforma o legal no ilegal, tampouco pode ser reescrito. A memória dos fatos, com todas as circunstâncias dele, deve ser preservada. Não é só o ambiente da internet que pereniza informações honoráveis e aviltantes.

A propósito do tema do direito ao esquecimento, o Supremo Tribunal Federal declarou a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário 833248, que discute a possibilidade de se impedir a divulgação de material jornalístico de fatos passados, bem como discutirá se cabe uma compensação material a título de dano moral na hipótese de considerar legal o direito ao esquecimento.
Por fim, na vontade de a cada ano se pretender ter uma imprensa mais previsível, fica o registro da existência de outro projeto, na verdade um desejo de projeto. Trata-se da ideia da Regulação de Mídia no Brasil, bandeira defendida pelo Governo Federal e, sobretudo, pela sigla partidária que ocupa o cargo. Segundo a presidente eleita, Dilma Rousseff, em seus discursos de campanha e imediatamente posterior à eleição, a ideia defendida é de regulamentar o artigo 220, § 5º, da CF, que veda a possibilidade de oligopólio e monopólio dos veículos de comunicação social. Também se discute a proibição de propriedade cruzada dos meios de comunicação (por exemplo, impedir que um mesmo grupo de comunicação explore mais de um serviço de comunicação no mesmo local).

Até o presente momento tem-se descartada a ideia de controle de conteúdo, mas em se tratando de inúmeras violações à liberdade de expressão cometidas pelo Estado, bem como do histórico recente das incontáveis tentativas de controle de conteúdo deste governo federal, não seria improvável que se buscasse, também dessa forma, cercear esse valor democrático.

A FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), entidade que congrega militantes por uma mudança na regulação do setor, formulou um projeto de lei de iniciativa popular e está a arrecadar assinaturas. Pelo que foi revelado no site da BBC, o projeto é flagrantemente inconstitucional.
Ainda sobre o assunto, mas já no campo do poder executivo, temos a notícia de que o sucessor de Paulo Bernardo no ministério das Comunicações acumulará também a pasta da Secretaria de Comunicação e terá como missão a regulamentação da “mídia” brasileira, ficando também com a atribuição de direcionamento das verbas publicitárias aos veículos de comunicação, evidentemente um artifício para, de alguma forma, tentar conter as críticas ao governo.

Parece-nos que o ano de 2014 nos revelou um apetite desmensurado de se controlar a palavra, o conteúdo jornalístico, na tentativa de manter os fatos de interesse da sociedade escondidos, a fim de que não ganhassem publicidade, permitindo-se assim manipular as informações oficiais de renda, de desmatamento, de crise hídrica, de crise energética, de desmandos, de corrupção, tal como em países vizinhos tem acontecido.

E nesse fim, de texto e de ano, face a tudo o que aconteceu em 2014 e as propostas declaradas do governo, fiquemos com o pensamento de Rui Barbosa como uma espécie de luz celestial a iluminar a perspectiva do ano de 2015:

Não há justiça sem imprensa. A publicidade é o princípio, que preserva a justiça de corromper-se. Todo o poder, que se oculta, perverte-se.

Consultor Jurídico


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