sábado, 26 de agosto de 2017

CABINDAS, BANTOS e NAGÔS: NEGROS DE CANELA FINA


"Avuou, avuou, Bentevi:
quem não sabe dançar
sai daqui..."


NAGÔS E TOLETEIROS

    
Sabiá cantou, no galho da laranjeira
Moça donzela  toma banho na tina
           Nagô não come no dia de sexta-feira
Cabinda na sexta só bebe pinga

Nêgo toleteiro que tem canela fina
não trabalha de renda nem de ferreiro
Se é nagô é oficial ruim na carapina

Nêgo jornaleiro que gosta de marruá
Nagô rodopia no terreiro
em noite clara de luar.


* * * * * * * * * * * * * * * * *

NOMES DE PESSOAS E DAS FAMÍLIAS DA VILA DO FANADO

A Vila do Fanado, em seus tempos áureos, chegou a ser uma verdadeira "caquende", que intermediava todo o comércio que se fazia entre as Províncias de Minas com o Sul da Bahia. Dessa condição, por ela passavam as tropas que chegavam do Arraial do Tejuco (hoje Diamantina) e aquelas que demandavam o Sertão Baiano cuja capital era a cidade Jacobina, onde morava o Bispo Diocesano.  

Em decorrência dessa situação, era sua população formada por elementos de todas as raças, vindos de todas as demais regiões. Eram garimpeiros, mineradores, comerciantes, ciganos, mascates, tropeiros, ferradores, sangradores, feiticeiros e gente de todos os ofícios e artes que ali permaneciam por algum tempo ou que iam ficando e constituindo suas famílias. Era, então, “uma freguezia de marranos e marrucos, gregos e troianos”, no dizer do Cônego Peregrino.

As raízes fanadeiras, desta forma, estão firmadas nas diversas regiões, não só do Brasil, mas de todo o mundo, havendo muitos descendentes de índios, de escravos, de judeus, de ciganos, de indianos (Goa), de espanhóis e, principalmente, de portugueses.

Dizem que a família Sena, da qual nossa família descende, através de nossa bisavó Idalina Sena (a nossa saudosa Sá Dalina) e segundo ela própria afirmava, tem sua origem em Goa, de vez que o pai dela "Antonico Sena"  se dizia filho de um piloto (engenheiro prático) que chegou à Vila, ainda muito jovem, para participar da elaboração de cartas geográficas (mapas), a serviço da Província da Bahia, sendo que ele trouxera de lá daquela região a sua esposa, quando viajava na condição de marinheiro e sua experiência como aprendiz desse seu ofício de cartógrafo. 

Também o irmão dela, de nome  Júlio Sena, tendo aprendido alguma coisa dessa arte com o velho avô deles, na arte de topografia, chegou também a exercer funções de mestre de obras para a abertura de estradas pela região.

Assim como o pioneiro  de sobrenome "Sena", também Juvenato Coelho, pai do Vovô Durval Coelho - que tinha parentes próximos em Capelinha da Graça, Chapada do Norte e Berilo, teria sua origem na região de Ubá, de onde se ramificou a família "Coelho" passando por Itabira e depois  pela região de São Miguel das Almas (Peçanha, Guanhães, Sabinópolis, etc.) os quais se espalharam pela região como comerciantes, mineradores, oficiais da guarda nacional, como agentes dos correios e como tropeiros, sendo muitos os "coelhos" que ainda vivem, além dessas cidades, mas também em Governador Valadares, Guanhães, Virginópolis, Malacacheta, Itambacuri e  e Nanuque.

Valentins, Bernardinos, Clementes, Ribeiros, Brandãos, Lajes, Lares, Caminhas, Morais, Melo, Neves, Maciel, Camargos, Torres, Figueiredo, Figueiró, Fróis, Freire, Casais, Carvalhais, Borges, Alcântara, Matos, Oliveira, Pereira, Ferreira, Vieira, Gonçalves, Silva, Carvalho, Nogueira, Souza, Moreira, Medeiros, Barbosa, Machado, Pinheiro, Pinto, Peixoto, Correia, Barbosa, Matos, Alecrim, Azevedo, Mendes, Fernandes, Marques, Sá, Pimenta, Cardoso, Novais, Pais, Dias, Amaral, Barral, Nunes, Alvarenga, Rocha, Sena, Lemos, Guedes, Simões, Otoni, Reis, Mota, Vieira, Luz, Araújo, Antunes, Esteves, Diniz, Niz, Neiva, Neres, Nunes, Pires e que tenha adotado a profissão ou o nome de árvores e animais, como apelido de suas gentes, - segundo avaliação do Vovô Domingos Mota– são sobrenomes dos descendentes de cristãos-novos, que chegaram à antiga Vila do Fanado como garimpeiros, como mascates, como ourives ou lapidários, ou mesmo em busca de outras aventuras.  
Já os que têm sobrenome de Santos, Cruz, Jesus, Sacramento, Cristianismo, Evangelista,  Cordeiros, Paixão, Batista, Bispo, Bento, Chagas, Luz, Torres, etc., têm, muitos deles, origem sacerdotal, ou seja, filhos bastardos, com parideiras escravas,  já  alforriadas, de pardos, filhos que os religiosos recebiam como adotivos e afilhados, os que eram depositados pelas mães-solteiras nas rodas das igrejas ou mesmo aqueles que foram gerados nas sacristias e casas paroquiais.




TAMBUZEIROS


Vamos todos juntos,
Oberah!
Ver a Mãe de Deus,
Oberah!
Vamos todos juntos,
Oberah!
Ver a Mãe de Deus,
Oberah!

Óia o tolete, calunga!

Viva o Povo de Ingoma?
-Viva!

Viva o Rei Novo?
-Viva!

Viva a Rainha Nova?
-Viva!

Viva Nossa Mãe, A Senhora do Rosário?
-Viva!

Viva o Rei Velho?
Viva!

Viva a Rainha Velha?
Viva!

Viva o Povo de Candonga?
Viva!

Viva os Candongueiros?
Viva!

Viva todos aqui presentes?
Viva!

E nós, bebe ou num bebe?
Ê, ê, á...





O TATU DO TAMBU



- O tatu trepa pau?
É mentira moleque.

- O tatu trepa pau?
- É mentira moleque.

E eu, bebo ou num bebo?
Êh, êh, êh...

Viva a Rainha Velha?
Viva!
Viva o Rei Velho?
Viva!

DITO COTÔCO: O DITO BILAU E OS FIGOS, AS MANGAS E AS MARAVILHAS DE SEU QUINTAL


"DITO COTÔCO OU DITO BILAU:
OS FIGOS, AS MANGAS E SEU QUINTAL".


Seria ele o Benedito? Lembro-me de que era ele um curioso velhinho de baixa estatura e que morava sozinho numa humilde casa localizada próxima à Igreja do Rosário.

Aliás, não vivia ele totalmente só, pois tinha por companheiro constante um cachorro peludo de cor amarelada com mesclas escurecidas. Ninguém o visitava e seu casebre estava sempre com portas e janelas fechadas. O quintal caprichosamente cercado por fortificada cerca de varas buscadas no mato, e por ele mesmo construída, era inexpugnável até mesmo para o mais ousado dos meninos de toda a região, pois ficava essa área sempre sob a vigilância do dono ou, na ausência deste, pelo fiel "lobo-guará".

Além das figueiras, cujos frutos ele fornecia com rigorosa exclusividade para minha bisavó Idalina Sena, com os quais ela preparava as mais lindas e deliciosas compoteiras, sucesso absoluto nas mesas de leilões de todas as festas, havia também, dois imensos pés de manga-rosa que lá no alto, eram seus galhos o paraíso dos sanhaços, sofrês e nuvens de jandaias e periquitos que ali encontravam o mais farto e predileto banquete.

O velho, a quem todos conhecíamos como "Dito Cotôco", vivia completamente isolado e a ninguém incomodava nem mesmo para pedir o menor favor a qualquer um de seus vizinhos. A sua casa, sempre escura, tinha seu interior bisbilhotado por algum curioso somente quando o Velho entreabria uma das folhas da porta principal, ao sair para o mato ou ao rio em cujas oportunidades se podia notar a completa ausência de móveis e a predominância das teias de aranha entre os diversos feixes de lenha e de garranchos que ele buscava nas chapadas, tudo ali armazenado, precavidamente para serem usadas durante o tempo das chuvas ou senão, eventualmente serem barganhados por algum alimento ou por algum utensílio de que necessitasse.

A casa de Dito Cotôco era um verdadeiro zoológico, o paraíso das aranhas, ratos, lagartixas, calangos e camaleões. Gatos não havia, pois o "Lobo", sempre vigilante, não os perdoava.

As árvores do quintal eram habitadas pelos sanhaços, fleuras, sabiás, sofrês e rolinhas em profusão, as quais, nas nossas travessuras, capturávamos como troféus, em nossas arapucas, ou que, nos guisados que fazíamos, juntos de nossas amadas “comadres”, transformávamos em deliciosas farofas.

Muito se especulava sobre o comportamento estanho daquele misantropo e suas manias, inclusive, se ele, realmente, alimentava-se de carne daqueles gatos incautos que dali se aproximavam e, a bem da verdade, era até de se suspeitar disso, como suposta verdade, diante da constatação de que a população bichana, naquelas imediações, de fato, por coincidência ou não, revelava-se cada vez mais diminuída, sempre  minguada e reduzida se comparada ao recenseamento que se fizesse nas demais ruas da cidade.

Dito Cotôco, ao que parece, em razão de seus hábitos alimentares sofria, sim, era de escorbuto, pois tinha lábios e pálpebras bastante vermelhos o que lhe emprestavam um aspecto lúgubre e assustador, parecendo ser um dos lobisomens descritos nos causos de Zé Egídio, e talvez estivesse aí a razão de viver às escuras e distante das pessoas, procurando não se aproximar delas ou esconder-se sempre.

Era, pois, além de um solitário com hábitos tão extravagantes, uma figura exótica que despertava as mais diversas curiosidades no imaginário dos vizinhos e principalmente na especulação da meninada que tanto apreciava os mistérios e as aventuras.

A casa em que morávamos ficava bem próxima à do Dito Cotôco, o que nos permitia, do alto da varanda que existia pelos fundos, acompanhar suas movimentações, quando cuidava das plantas, aguando as roseiras, colhendo os figos e as mangas caídas pelo chão e que eram recolhidas nos balaios de bambu para depois serem destinadas aos porcos do vizinho Antônio Domingos, antigo carcereiro, uma das pouquíssimas pessoas com o qual ele se comunicava, através da dita cerca de varas, sobre a qual passava o cesto contendo as frutas. Antônio Carcereiro, por seu turno, uma pessoa popular e bondosa, sem que o Dito Cotôco o percebesse, separava boa parte das belíssimas mangas para serem distribuídas ao batalhão de meninos que freqüentava a porta de sua casa, destinando aos porcos somente aquelas bastante maduras e amassadas. A não ser assim, ninguém, além dos passarinhos e dos porcos, teria o prazer de saboreá-las, o que seria uma grande injustiça, na nossa avaliação de meninos que não deixavam em paz todos os outros quintais, mas àquele paraíso, por morrermos de medo do dono, tínhamos que nos contentar apenas de apreciar de longe, atraindo com chamas e com pios, a cobiçada passarada.

Esse grande medo, que todos nós tínhamos, sem exceção, além da cerca e do cachorro, constituía-se a principal razão de ser aquele o único quintal sempre preservado pelos meninos aventureiros da vizinhança.

O fato é que muitos afirmavam já ter visto o morador daquela casa transformado em lobisomem, isto durante noites de lua-cheia quando, junto de seu "lobo-guará", ficavam ambos, horas e horas, uivando lugubremente como se estivessem enfeitiçados pelo brilhante e romântico satélite da terra.

Outro fato que também era motivo de muita curiosidade e que impunha pavor na criançada. era que ele encantava serpentes para delas também se servir como alimento, razão pela qual tinha os lábios e os olhos avermelhados.

Hoje se tornou moderno e chique o hábito de se comer rãs, prato muito apreciado em badalados restaurantes, iguaria que nós chamávamos de jia. Mas, já naquela época, o velho Dito Biláu não perdoava nem mesmo as rãs e as pererecas, que eram abundantes durante as chuvas, quando ele as recolhia, nos balaios, e as levava para dentro de casa. Também as tanajuras, os grilos e gafanhotos eram por ele apreciados em sua exótica dieta.

Afora essas excentricidades, era ele pacato e alheio a tudo e a todos e também não se incomodava com a condição de desprezo a que ele próprio se submetia.

Certa vez minha bisavó estava de passagem em nossa casa e pediu-me para acompanhá-la até à casa do estranho vizinho para comprar-lhes os citados figos, pois precisava de alguém para auxiliá-la, levando alguns objetos e também por estar com medo do cachorro que existia ali. Para mim, apesar dos temores, era uma boa oportunidade de satisfazer às minhas antigas curiosidades em relação aqueles segredos que a meninada toda almeja descobrir.

Foi assim que nós seguimos até à casa, onde minha bisavó, depois de empurrar a porta que estava apenas encerrada, segurou-me pela mão e fomos caminhando, com certo receio, por um escuro corredor, entre as pilhas de lenha em feixes, até chegarmos à cozinha onde ele já estava esperando, já com os figos numa cesta, a qual foi imediatamente entregue a ela, silenciosamente, sem qualquer gesto de cumprimento ou palavras, tendo minha bisavó ordenado que eu deixasse sobre um traste de móvel o bornal de lona em que eu trazia, conforme eu fiquei sabendo depois, alimentos como farinha de milho, toucinho, carne-seca, café torrado, rapadura, além de rapé, fumo de rolo e uma garrafinha de cachaça, o que me esclareceu a razão de tanto peso daquele volume, cujo conteúdo só fiquei sabendo através da minha mãe, que o preparava sempre, sendo que, a partir de então, ficou em boa parte esclarecida a origem do sustento daquele pobre vizinho, e também, a mim, possibilitou-se que eu passasse freqüentar sem receio àquele local que antes era proibitivo e tão temido, quando toda a molecada passou a ficar curiosa e espantada em razão daquela minha repentina "coragem" de assim proceder.

Passaram-se tempos e Dito Cotôco, que comigo passou a se mostrar amistoso e simpático, ia-me revelando seus segredos, inclusive o de que era ele próprio que incentivava aos amigos Antônio Domingos e Zé Egídio, que muito gostavam de patacoadas, pilhérias e brincadeiras, aos quais ele mesmo solicitava como um favor, o de divulgar a fama que lhe era atribuída para assim permanecer temido, bem longe de todos como era de seu gosto e desejo, alheio dos olhares curiosos daqueles que o temiam.

E assim continuou, não para mim que já sabia de tudo, até o dia em que fora localizado morto, dentro do mato próximo ao campinho de futebol, no final da rua do Pequi, aonde ele ia diariamente recolher a lenha que se amontoava por toda a sua casa.

Perdi um amigo bissexto e minha bisavó perdeu seu predileto fornecedor de figos, na condição de exclusivo, que na verdade, era apenas um sublime pretexto encontrado para que ela tivesse acesso a ele, como meio de se minimizarem as carências daquele pobre ser humano, genioso e neurastênico sim, mas tão frágil e esquecido que não poderia continuar abandonado por todos. E era assim, o formato de uma solidariedade silenciosa e benfazeja que existia no coração daquela anciã cujo capricho era incentivado por outros dois corações bondosos: os de meus pais, que de certa forma já me envolviam e se utilizavam dessa estratégia para me ingressar na trilha de participação em tantos outros gestos de filantropia que praticavam, sem qualquer alarde ou publicidade, exemplo no qual, ainda hoje, procuro orientar com os impulsos de meu coração, este frágil órgão que reluto em não deixar contaminar-se pela dura realidade, mas que tende a deixar-se levar pelo mundo tão repleto de mazelas e tão carente de soluções para tantos outros Ditos, os quais existem por aí, sem qualquer chance de viver ou de morrer com dignidade e respeito, mesmo na vigência de leis como o "Estatuto do Idoso" que há pouco fora homologado pelo Governo Federal mas que carece de ser observado, difundido e respeitado.
    
Quiçá, doravante, seja este importante instrumento de defesa social devidamente usado em nossas pobres comunidades, onde os idosos são considerados como estorvos, como pesos mortos, como  peças descartáveis que não merecerem qualquer cuidado

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