domingo, 17 de janeiro de 2016

MANDINGAS DE CURADOR E OUTRAS TREITAS DE UM RAIZEIRO DENGOSO



JOÃO SURUCO era um “nêgo toleteiro, das canelas finas e metido a curador” segundo as palavras de seu próprio tio José Alves, descendentes de africanos Cabindas, ambos que eram moradores no Macuco, frequentadores de quizumbas e que jamais perdiam fonções, terços cantados, incelências ou forrós onde, em qualquer lugar nas redondezas, fossem esses eventos realizados. Carregava consigo uma bruaca bem fornida de mezinhas, cheiros, raízes e patuás, além de levar bem agasalhada uma boa muda de roupas domingueiras para o caso de ter que se apresentar mais arrumado em algum baile da fina sociedade, o que fazia com muito gosto e durante toda a noite, sem faltar a um toque, fosse de sanfoneiro ou de outra boa orquestra. Era caboclo muito assíduo nas rodas de samba, sendo ele de passo dengoso e cheio de suas manhas, com as quais conseguia engambelar as donzelas mais cobiçadas do salão e, neste particular, atraia para si a inveja de muitos desafetos que lhe jurava vinganças traiçoeiras. Mas o tinhoso do João era tão safado, como o danado do famalial que ele mantinha preso numa garrafa, em seu alforje, na mesma medida em que também era sabido de curiosas treitas, que em razão dessas mandingas jamais se deixava cair nos laços que lhes armavam os invejosos. Ninguém, por mais que lhe fosse íntimo, jamais ficava sabendo de seu pouso, onde dormia e comia, vivendo ele de deu em deu, como um judeu errante, a quem se atribuíam poderes mirabolantes e malacafentos. Sua fama, como ele próprio, corria trechos que vinham deste a Moça Santa, atravessava a Mata e de lá seguia até a Bahia, passando pelo Sertão. A bem da verdade, suas benseções eram de fato famosas e surtiam efeitos curadores, frequentemente requisitadas pelos ricos criadores de gado vacum que desejavam a boa saúde de seus animais, inclusive os de montaria e outros serviços, eventualmente maltratados pelas moscas do chifre e outras macacoas perigosas que também atacam as pessoas em tempos insalubres, pelo que não regateiavam nos custos. Seus feitiços e encantamentos lhe permitiam, por exemplo, quando estivesse em apuros, fazer mascar as carabinas e pistolas, entortar a lâmina de punhal, transformar-se numa pedra ou num toco de pau, ficar invisível na beira do caminho, podendo ir de um lugar a outro distante, sem uso de transporte, apenas pela força de seu pensamento. E, quando queria, atravessava paredes, poço d’água sem molhar e se enfiava pelo buraco de qualquer fechadura, como se fosse uma chave ou uma suvela.  E era esse o ofício que lhe permitia alguma renda mais abundante, dando-se ao luxo de ser enrabixado com diversas teúdas e manteúdas que viviam nas imediações do Mata-Dois, Capivari, Ribeirão do Meio e Lajinha. E desse seu defeito de homem pouco cristão, muitas eram as queixas que chegavam ao ouvido do juiz de Minas Novas. Mas o dito magistrado, muito cioso de sua própria segurança e conforto de sua saúde, para não se indispor com um sujeito de má fama e com o qual não queria estabelecer animosidades, preferiu fazer chegar até ao conhecimento do biltre o seu desejo de manter com ele maiores conhecimentos acerca daquela arte que tanto encanto e admiração enchia de curiosidade a augusta Inteligência da autoridade da comarca. E que, diante desse desejo, solicitava do amigo jurisdicionado que lhe desse o prazer e a honra de uma visita, quando haveriam de trocar algumas considerações de mútuos interesses. O convite foi encaminhado através de um diligente oficial de justiça, com a recomendação de não deixar transparecer que ali havia qualquer aspecto coercitivo ou intimidatório, pois se tratava apenas de um gesto de amizade, com ardentes desejos no sentido de se estreitarem uma produtiva parceria. Em troca dos ensinamentos, ao referido magistrado, que muito queria aprender as famosas mandingas de que o João Suruco detinha poderes, recebeu de presente uma rural willys ano 1968 e, certo dia, depois de ter aprendido dirigir, recebendo aulas de motorista que lhe eram ministradas pela esposa do amigo juiz, com ela se escafedeu para as bandas de Sertãozinho onde foram passear e por lá ficaram, como dois pombinhos, enquanto que o pobre do doutor, desiludido, passou a ser congregado mariano e a escrever piedosos poemas sacros  inspirados na vida de São Cornélio.
 

sábado, 16 de janeiro de 2016

COMARCA DE MINAS COVAS – Onde até os defuntos votam e elegem seus candidatos.


Pela comarca de Minas Novas (criada em 1809) passaram grandes magistrados, depois do Dr. Bartolomeu José Vahia, de origem baiana e que foi o seu primeiro juiz togado, tendo como sucessor o Juiz de Fora Dr. Francisco Lourenço de Freitas, paulista da cidade de São Sebastião e que se formou em Direito pela Universidade de Coimbra, no ano de 1824, quando seguiu diretamente para a Vila do Fanado, onde permaneceu como juiz de 1825 a 1828 com a missão de implantar o Fórum do Sobradão, com a necessária Organização Judiciária do novo Termo. Além desses bacharéis, pioneiros, a Comarca de Minas Novas, uma das mais antigas de Minas Gerais, teve como magistrados figuras da mais alta importância no judiciário, a exemplo do Desembargador TITO FULGÊNCIO, natural do próprio município, além de figuras ilustres da magistratura mineira como Helvécio Rosemburgo, Lincoln Ferreira, Sidônio Paes e Thomaz dos Anjos e Maria Celeste Porto Teixeira, mais alguns que deixaram histórias nem sempre muito dignas do cargo que exerceram em nome da justiça.
São vários os “causos” do conhecimento popular e que ficaram no folclore, atribuídos a juízes que tiveram sua passagem pela comarca de Minas Novas, em períodos diferentes de sua história, muitos deles que eram dominados pela influência dos chefes políticos ou pelos interesses grupais ou de pessoas poderosas da região.
É famosa a questão dos primeiros votos femininos, os quais naquela época eram vedados por lei, mas que, contrariando a lei vigente, foram permitidos nesse termo judiciário, ainda no longínquo ano de 1910, pelo juiz Francisco Duarte Coelho Badaró, com o objetivo de facilitar a eleição do General Hermes da Fonseca, contra a candidatura de Ruy Barbosa ao cargo de presidente da república, aberração eleitoral que, somente muito tempo depois, quando já não teria qualquer efeito prático, veio a ser anulada. Tal episódio, que a nível nacional ficou conhecido como Hermistas e Civilistas. Em Minas Novas, neste mesmo embate, também foram chamados a votar um grande contingente de eleitores que, depois, ficou apurado, era de títulos de pessoas há muito falecidas, o que foi chamado de Saracura X Viuvinha. Todos esses desmandos evidenciaram uma velha rivalidade, mas que já vinha alimentando e acirrando antigas disputas locais entre os coronéis ligados a José Bento Nogueira (sogro do magistrado) e os padres (liderados pelo cônego José Barreiros da Cunha). Desse lamentável entrevero, que se estendeu por várias décadas, restou o sepultamento das últimas esperanças de se promover a paróquia à condição de Diocese de São Pedro do Fanado. O ato final dessa lamentável disputa foi a demolição da Igreja Matriz, templo majestoso que estava sendo construído para ser a Sé do referido bispado, projeto desenvolvido pela Missão Espanhola chefiada, desde 1856, pelo grande Cônego Pacífico Peregrino e Silva, que chegou a ser Senador da república, sendo amigo do liberal Teófilo Otoni e, ao mesmo tempo, do monarquista Duque de Caxias. Inviabilizada a instalação da Diocese na antiga Vila do Fanado, transferiu-se o projeto para a incipiente cidade de Araçuaí, por força dos interesses secretos da Diocese de Diamantina que deseja manter o controle sobre as minerações no Rio Jequitinhonha, colocando estrategicamente à frente da nova diocese o “laranja” Dom Serafim Gomes Jardim, ferrenho opositor de todos os cônegos de Minas Novas (Barreiros, Bernardino, Barral, Amaral e Monsenhor Mendes).

A questão política, aliás, sempre pautou todas as demais em curso na antiga Vila do Fanado e em todos os momentos da história do município de Minas Novas, desde a época colonial e, mais acentuadamente, com o advento da república, sob a influência dos coronéis de patente comprada da Guarda Nacional. Dessa forma, instalou-se um tempo que ficou conhecido como “carrancismo” e até bem pouco tempo nenhuma eleição ocorrida na Comarca de Minas Novas foi totalmente isenta de corrupção e outras irregularidades, principalmente para a escolha de prefeito municipal. Uma eleição municipal famosa foi a de 1946, entre o advogado Dr. Geraldo Magela Barbosa e o farmacêutico Lauro Machado, em que esse último candidato, que era morador do então distrito de Turmalina, onde militava na oposição aos interesses da família Badaró, apesar de ter recebido expressiva votação majoritária, teve seu nome derrotado em razão de manipulação dos votos durante uma apuração tumultuada e escandalosa que demorou várias semanas, comandada pelo juiz eleitoral Pedro Anísio Maia. No início da década de 1970 foi a vez do candidato Dário Magalhães ter sido derrotado por José Geraldo Camargos, para um mandato tampão, quando a eleição foi claramente feita sobre as mesas do antigo teatro municipal, sob o comando do juiz eleitoral corrupto vindo de Itamarandiba, exclusivamente com esta missão. Depois foi a vez do candidato José Evangelista Chagas (Zé Branco) um simples oficial de justiça que desafiou o chefe político local, se lançou candidato pela oposição (Arena-II) contra Altamiro Sena (Arena I) apoiado pelos Badarós, cuja apuração dos votos, também, foi flagrantemente alterada no Cartório Eleitoral, conforme, anos depois, a própria juíza que presidiu os trabalhos veio a admitir. Algum tempo depois foi a vez do candidato Felipe Mota que foi injustamente derrotado por Murilo Badaró, depois de uma vergonhosa campanha eleitoral em que ficaram comprovadas várias irregularidades e corrupção eleitoral como propaganda de rádio extemporânea, abuso de poder econômico e de compra deslavada de votos, tudo sob o comando de um jovem juiz devidamente amestrado e cooptado para viabilizar as eleições a favor do ex-senador biônico, em troca de uma promoção que logo depois veio a se confirmar.

A FAMOSA SAPUCAIEIRA DE MINAS NOVAS

  



RUA DAS PRETAS FORRAS

A Rua das Pretas Forras tem um único quarteirão, ou melhor, é uma rua bem curta que começa na Quintino Bocaiuva, desembocando-se na Praça Benedito Valadares, logradouro mais conhecido como Largo da Cadeia.

Esse logradouro tem pouco mais de uma dezena de casas baixas e muito antigas, onde moraram várias famílias de ex-escravos, como a da "sinhá" Etelvina do Mirante, que conheci já bem idosa nos anos cinquenta, a qual liderava uma casa cheia de filhas e netas, todas dedicadas aos trabalhos de fiadeiras, tecelãs, bordadeiras e, principalmente, a Antônia, de todas a melhor doceira que, pelas ruas da cidade, vendia merendês, ambrosias e o doce de leite pastoso dos quais nunca, além deles, provei  outros iguais em toda minha vida.

Lembro-me muito bem, passando por ali, da profusão de fusos, das rocas, das almofadas de bilros, dos imensos bastidores de crivo, dos teares de pedal e dos coloridos novelos de pavios que rolavam pelas calçadas, aguardando a vez de se transformarem em cobertas, mantas e tapetes.

Aquela rua, além do cenário de intensa atividade artesanal ali desenvolvida pelas moradoras, era também  a lúgubre passarela por onde, invariavelmente, aquelas moradores assistiam ao triste desfile dos presos, que escoltados, algemados ou amarrados que nem animais destinados ao corte, eram conduzidos para as prisões que ainda hoje existem na famosa cadeia da velha comarca.

E eram aquelas humildes e  boas mulheres, que moravam e trabalhavam nessa rua que, às vezes, se intercediam em socorro de algum infeliz, implorando a favor deles, pedindo, e até mesmo se arremessando contra os soldados, na tentativa de impedir torturas e espancamentos.

Também eram elas que se dirigiam, correndo aflitas às casas dos parentes, para informar aos inocentes familiares sobre a prisão de  algum ente querido, eventualmente envolvido em bebedeiras, em escaramuças, pândegas e outras enrascadas por eles cometidas durante à noite, lá na rua do Fogo ou num dos mocós da Mil e Quarenta.

A cadeia de Minas Novas era o único estabelecimento prisional, em toda região, que recebia presos, condenados ou não, oriundos de todas as comunidades do imenso termo judicial. E ali o regime era duro, onde os presos não tinham boa vida como hoje, sendo todos submetidos ao rigoroso regime em que eram obrigados a cuidar dos serviços de limpeza, não só das imundices daquele tugúrio, entre elas as de suas próprias celas, mas, também dos demais infelizes que ali eram recolhidos. E mesmo aqueles presos que não ofereciam periculosidade, durante o turno do dia, eram encaminhados, sob vigilância da escolta policial, para cuidarem dos logradores públicos, capinando ruas, recolhendo lixo e muitos deles, que se consideravam até privilegiados, para prestarem serviços gratuitos a particulares nos quintais das casas de famílias que os compensavam com sobras de comidas, restos de roupas, agasalhos e outros míseros benefícios.

Como na cidade não havia serviço de água canalizada e nem existia, mesmo na cadeia, qualquer vaso sanitário, diariamente aqueles presos mais perigosos, ou os fujões e os desobedientes, eram todos obrigados a seguirem a pé, sempre acorrentados uns aos outros, até à barra do Ribeirão Bonsucesso, conduzindo na cabeça os potes de barro, onde os companheiros, durante a noite, faziam suas necessidades fisiológicas e, depois da própria higienização corporal e da completa limpeza daquele fétido vasilhame, para nele trazerem água para o irrigamento da horta e do bem cuidado jardim que havia na referida praça Rio Branco.
 
Devido a esse rigor, nessa época o índice de criminalidade na comarca era relativamente baixo e, quase sempre, era com o maior pavor que se deparavam aqueles que, por alguma razão legal, para ali eram encaminhados.

Era terrível a fama da cadeia de Minas Novas onde, a exemplo do que sempre acontece, eram punidos os criminosos de origem humilde, pois o braço da Lei jamais alcançava os privilegiados da sociedade, protegidos pelos coronéis de patente comprada na Guarda Nacional.

E assim, mesmo os presos mais valentões, os mais irresponsáveis e os incautos, todos tremiam de medo principalmente quando, debatendo-se, ao passarem pela rua das Pretas Forras descortinavam lá do outro lado do largo o austero e temido casarão, em estilo clássico, tendo ao fundo a centenária e frondosa Sapucaieira.

Os moradores daquela rua já eram acostumados com as tétricas procissões, dos gritos de dor dos conduzidos e dos comoventes apelos de clemência de populares e familiares.

Um fato, porém, marca a lembrança, ainda hoje muito viva, principalmente de muitos como eu que presenciei uma parte de sua prisão: Surgiu na região do Setúbal um temido bandoleiro, atrevido e violento que desafiava a todos, desrespeitando às famílias e colocando em pânico a população, inquietando toda sociedade. A fama desse arruaceiro se espalhara e até mesmo os policiais já se sentiam amedrontados, tantas eram as notícias das aprontações e peripécias desse indivíduo. E foram várias as tentativas, em muitas diligências, com o objetivo de captura desse malandro, que já se gabava de ser ligeiro, liso, respeitado e perigoso.

O destacamento, então, era composto de sete policiais a pé, armados de fuzis e baionetas caladas, comandados pelo sargento José Leão, rigoroso militar que, de imediato, convocou a sua pequena tropa, reuniu-os no pátio da cadeia, quando distribuiu aos cinco soldados as armas e as munições, encarregando ao cabo Pedro de Cirilo que,  juntamente do carcereiro Antônio Domingos e do delegado "calças-curtas" Raul Marcolino, de se encarregarem da vigilância da cadeia e da segurança geral da cidade, e assim providenciado, partiu a diligência para a região do Rio Setúbal.

E seguiu, destemido, à frente dos seus soldados Zé de André, Joãozinho Preto, José de Figueiredo, João Moura e Serafim Abreu, todos muito apreensivos, sob a maior expectativa dos que ficaram, para cumprirem o mandado de prisão, lá no povoado de Baixa Quente, de onde deveriam, de qualquer forma, capturar o biltre que estava desafiando o poder judicial da comarca.

Chegando ao destino, lá pegaram o maganão, em flagrante, depois de um quebra-quebra que o bandido havia promovido na venda de Quincas Fogueteiro, este comerciante um homem pacato que teve de se refugiar no mato, lá na beira do Córrego do Ouro, durante toda a noite com sua família, todos ameaçados de morte e em completa polvorosa.

João Moura, jovem soldado que sempre foi muito corajoso e bem treinado, desde os tempos em que se ingressou nas fileiras do Exército, lá no seu estado natal da Paraíba, de onde veio, depois,  para se casar e que aqui em Minas Novas resolveu se alistar na gloriosa Polícia Militar, já sabendo manejar bem suas armas e principalamente o seu laço, conhecimentos que o permitiram dominar e prender o tal valentão, colocando-lhe uma peia e uma algema. 

E foi assim desta forma que, com a ajuda dos demais praças, apaziguaram-se as comunidades do Setúbal, Granjas e Crizomja e retornaram, naquele mesmo dia à sede conduzindo o delinquente  atrevido, já subjugado, devidamente amarrado como um boi bravo, levando-o em direção do presídio, quase que arrastado, tamanha era a sua resistência.

E seguia aquele comboio de policiais, pela estrada, tendo à frente o garboso sargento e o festejado praça João Moura, segurando a ponta da corda, este que passou a ser, a partir daquela data, a personificação do respeito, a garantia da ordem e o prestígio da segurança pública local.

Já, na cidade, as ruas desde a Gruta até à Barra, a agitação tomou conta, todos correndo de um lado para outro, para ver melhor o momento da chegada do preso. A multidão se acotovelava, próxima à cadeia, para assistir à chegada do temeroso bandido.

O cortejo tão esperado foi descendo rua abaixo, passando pelo Rosário, depois pela rua Direita, pelo Largo das Cavalhadas e, chegando no início das Pretas Forras, ali o preso endureceu e se empacou tão-logo viu, à sua frente, a tal cadeia e este, apavorado com o que lhe esperava,  agindo num ímpeto de fúria e de último esforço, mesmo todo amarrado e algemado, das peias se desvencilhou e se investiu sobre o soldado Zé de Figueiredo e conseguiu arrancar-lhe a baioneta, aplicando-a imediatamente em sua própria barriga, despejando naquelas ruas empoeiradas as suas entranhas e caindo sobre a poça formada com o sangue que jorrava aos borbotões daquela terrível sangria.

E o valentão do Brinco, esse era seu apelido, mais nunca brincou com a lei.

Não chegou a ser colocado na cadeia, como todos do município queriam vê-lo, tendo preferido ficar eternamente preso em uma cova rasa que lhe fora preparada na calçada, pelo lado de fora do cemitério da cidade, pois lá na Baixa-Quente os moradores não quiseram recebê-lo nem depois de morto.

E tudo voltou, na maior paz e calmaria, com a velha rotina da pacata cidade!

A velha sapucaiaeira sempre foi muito admirada, quando florida; mas, por várias oportunidades fez valer a fama de servir de sombra para as tenebrosas celas daquele prédio tão bonito por fora, mas tão lúgubre pelos seus corredores.

Fatos relacionados a esse lugar, me lembra de famosos presos, como o amigo DÉ CHINA, ainda de seu tempo de lambanças, carraspanas e esbórnias, lá em Minas Novas, é que quase todo final de semana ele era preso, recolhido ao SOLAR DA SAPUCAIEIRA. Certa vez ele chegou à sua cela costumeira e, logo que ele se instalou, imediatamente chamou o carcereiro e lhe deu a maior bronca, querendo saber quem é que estava ocupando o seu prego, lugar tradicional em que pendurava o seu boné, alegando usurpação de propriedade particular e de seus direitos adquiridos.

DOGA era outro preso "gente boa", cuja fama de bandoleiro decorria da esperteza de sua patroa, a saudosa "Dona Valça, como uma de suas estratégias na defesa de suas imensas glebas na região da Baixa Quente. Depois de preso e engaiolado debaixo da Sapucaia, o velho galo virou galinha e piava baixo perto de Mané Pepino.

Baltazar, negro, analfabeto, pobre e idoso, ficou preso, sem culpa formada, sem advogado e sem julgamento, por mais de 10 anos ocupando uma cela na Sapucaieira. Quando, enfim, levaram-no perante a MM. Juíza, Drª. Maria Celeste Porto Teixeira, ao ser  interrogado, na forma da lei mas em palavras que ele pudesse entender, lhe foi perguntado se tinha ciência sobre os fatos delituosos a ele imputados, ao que ele disse nada saber, mas que estava muito satisfeito no lugar onde estava arranchado e que os "mininos", referindo-se aos soldados, eram com ele muito bondosos. A magistrada, imediatamente certificou-se de que estava diante de uma dilemática situação e determinou que o colocassem em liberdade, pois o caso deveria ser resolvido pelas esferas da psiquiatria; O preso, porém, vendo-se livre indignou-se e passou a protestar pela sua volta ao presídio, querendo saber onde ele receberia, de graça, um prato de comida. E saiu do Fórum, sem escoltas, apresentando-se novamente ao carcereiro Antônio Domingos, a quem chamava de "padrinho", pedia a bênção e lhe beijava as mãos.

Quando aconteceu o TERCEIRO FESTIVALE, que foi organizado no Largo das Cavalhadas, em Minas Novas, os presos, lá da Sapucaieira, que fica próxima, puderam ouvir as canções classificadas; Entre os presos estava MANÉ PEPINO, que era o "cão chupando manga", mas um incrível repentista e violeiro. E este, que já havia conquistado a amizade do delegado, Dr. Potiguara, solicitou e foi atendido no seu desejo de se apresentar no palco do festival. E o sucesso foi tamanho que seu "show" quase que inviabilizou o julgamento final do certame, cujos jurados queriam premiá-lo, mesmo que não tivesse devidamente inscrito.

BATALZAR, que nunca concordou com a possibilidade de viver em  liberdade, longe da sua aprazível Sapucaieira, ali ele era muito querido pelos demais companheiros de prisão que o encarregavam pela  limpeza, de cozinhar, de dar recados e de fazer compras no comércio, missão que ele cumpria a rigor, ao ponto de, muitas das vezes, o próprio carcereiro deixar com ele as chaves da cadeia, quando era obrigado a permanecer naqueles locais mais agradáveis que eram as vendas e os botecos. Diariamente, depois de cumpridas suas “obrigações diárias”, o referido preso tomava seu banho, vestia um velho paletó escuro, calçava suas surradas botas e seguia, à tardezinha, para a Igreja do Amparo, onde assistia religiosamente a Missa do Padre Emiliano, quando também comungava e depois voltava para a Sapucaieira, onde jantava a sua marmita que ficava lhe aguardando. Nesse tempo, já não era mais a juíza Dr. Maria Celeste, mas o Dr. Alvanato Almeida que, sendo também fidelíssimo católico, também não perdia uma missa do Padre Emiliano, às vezes se assentando no mesmo banco e ao lado do Batalzar, com quem foi-se afeiçoando. 


Numa Festa de Santos Reis, o bondoso vigário estava pregando sobre os Três Reis Magos, BALTAZAR, GASPAR E MELCHIOR e lembrou aos fiéis que justamente o Baltazar, embora sua nobreza, era um cidadão negro, assim como ele próprio e também o delegado Dr. Portiguara, mas que o Menino Jesus, na sua inocência, eterna bondade e justiça, não fazia distinção de cor e de qualquer outra diferença entres as pessoas e, assim, foi discorrendo sobre muitas outras coisas bonitas que maravilharam as ideias do pobre do Batalzar. 

Terminada a missa e já saindo da igreja, o preso abordou o juiz e lhe disse que iria ao fórum para que lhe fosse nomeado um advogado dativo. O Dr. Alvanato, logo imaginou que, finalmente, o preso iria requerer sua soltura. Contudo, no dia seguinte, foi nomeado o Dr. Zezito Coelho que o chamou ao escritório para que pudessem fazer a petição, quando ficou sabendo que o desejo do preso não era ver-se liberto, mas, sim, com o nome devidamente corrigido, pois o Padre Emiliano assim o havia aconselhado. E ambos, advogado e cliente, dirigiram-se ao Cartório de Tião Barbosa para fazer o correto registro do nome de BATALZAR, que passou a assinar, com muita dificuldade, o nome de batismo que era BALTAZAR DOMINGO REIS, nascido em 06 de janeiro de 1916, o qual, se fosse vivo, teria completado 100 ANOS de idade.



 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

JOAQUIM QUEIMADO E NORINDA, NOIVOS ABENÇOADOS PELO SANTÍSSIMO SACRAMENTO



VIVA O AMOR... e abaixo a hipocrisia, a burocracia, as formalidades e as intransigências sociais!
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Antigamente, em Minas Novas, viviam dois “doidinhos de rua”, mansos e muito queridos, que eram eternos namorados, eram sempre vistos juntos, solícitos, alegres, como dois “pombinhos” e comparecendo em todos os locais, na igreja, nas reuniões festivas, cívicas e religiosas, de forma respeitosa e sem qualquer reparo por parte de beatos e beatas de plantão.

As famílias de ambos, as quais se diziam tradicionais, como “pessoas de bem” no meio da sociedade, faziam vistas grossas e levavam “numa boa” aquele idílio como algo pueril e sem grandes consequências, até o dia em que o dito casal resolveu que deveria procurar o padre para fazer-lhes o casamento, dentro do que preconizava o Código Canônico e os ensinamentos da Sacrossanta Mãe Igreja Católica. Foi, então, aquele “deus-nos-acuda”, como se estivesse chegando ao “juizo final”, pois isto seria uma coisa sem propósitos, algo impossível e que jamais as duas famílias haveriam de permitir tal absurdo.

Mas, os tais “doidinhos”, que de malucos tinham somente a aparência e a fama, insistiram nesse desiderato e certo dia santo dedicado a a “Corpus Cristhi”, estando exposto solenemente o Santíssimo Sacramento no altar principal da Igreja Matriz, depois da chegada da procissão, o circunspecto JOAQUIM QUEIMADO (muito bem vestido em um terno escuro e de chapéu na mão), tendo ao lado sua amada NORINDA (devidamente vestida de noiva, com véu, grinalda e etc), irromperam de mãos dadas pelo templo, adentro, sob o ar admirado de todos os presentes e, chegando ambos perante o sacrário, ajoelharam e em voz alta e em bom som, assim se declararam: “- Em nome de Deus e do Grande Amor que nos une e fortalece, consideramo-nos, a partir deste momento, devidamente casados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

E, sendo, assim, não havendo outro recurso, o jeito foi o Cônego Barreiro abençoar aquela maravilhosa união, a partir de quando os dois nubentes passaram a coabitar numa linda casinha à beira do Ribeirão Bom Sucesso, um verdadeiro lar onde viveram feliz por muitos e muitos felizes anos, sem perturbar quem quer que seja ou atentar contra a moral e os bons costumes da tradicional sociedade que não lhes queria permitir a felicidade tão sonhada.


A MODA SE REPETE:





ESFREGÃO OU ESCOVÃO DE LUSTRAR PISOS

O tempo passa, os costumes mudam, as utilidades domésticas ficam obsoletas mas algumas estão voltando ao cenário dos nossas lares, a exemplo da máquina de moer carne, da máquina de costura, das formas de misto quente para uso no fogão, do ferro a brasa para passar roupa, dos fogareiros a lenha e a gás para aquecer água e também desse antigo esfregão.

Não vai demorar muito para que voltemos a usar a tração animal e as montarias em cavalos e jumentos, em substituição aos caminhões e automóveis que utilizam o petróleo como combustível.

Quem mora na cidade e não tem um bom emprego já está economizando o almoço para poder comê-lo na janta e cada vez mais viaja de trem para economizar TV vendo a natureza pela janela.
 

O melhor é que podiam ser dispensados os halteres e outros equipamentos de atividade física. E o custo/benefício era enorme, quando fazia brilhar o piso e alegrar os olhos de nossas mães.

ESFREGÃO para lustrar assoalhos. É o precursor das enceradeiras, cujo extermínio de há muito foi decretado pelos pisos sintecados e pelos porcelanatos.

A crise energética e financeira é tão grande, no Brasil atual, que esse produto voltou a ser amplamente procurado e está sendo vendido até mesmo nos supermercados da classe A, em razão de seus diversos benefícios: ENCERA, sem gastar energia e possibilita a MALHAÇÃO sem despesas com a academia.


CONFIRA AQUI OS LIVROS DE MINHA BIBLIOTECA FÍSICA

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LIVROS RECOMENDADOS

  • ANÁLISES DE CONJUNTURA: Globalização e o Segundo Governo FHC - (José Eustáquio Diniz Alves /Fábio Faversani)
  • ARTE SACRA - BERÇO DA ARTE BRASILEIRA (EDUARDO ETZEL)
  • AS FORÇAS MORAIS - (José Ingenieros)
  • CONTOS - (Voltaire)
  • DICIONÁRIO DE FANADÊS - Carlos Mota
  • DOM QUIXOTE DE LA MANCHA - (Cervantes)
  • ESPLÊNDIDOS FRUTOS DE UMA BANDEIRA VENTUROSA - (Demósthenes César Jr./ Waldemar Cesar Santos)
  • EU E MARILYN MONROE & O OUTRO- CARLOS MOTA
  • FRAGMETOS - (Glac Coura)
  • HISTÓRIAS DA TERRA MINEIRA - (Prof. Carlos Góes)
  • http://www.strategosaristides.com/2010/12/cronicas-do-mato.html
  • IDAS E VINDAS - (Rosarinha Coelho)
  • MOSÁICO - (Glac Coura)
  • O CAMINHANTE - (José Transfiguração Figueirêdo)
  • O DIA EM QUE O CAPETA DESCEU NA CIDADE DE MINAS NOVAS - (João Grilo do Meio do Fanado)
  • O MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - (Celso Furtado)
  • O NOME DA ROSA - (Umberto Eco)
  • O PRÍNCIPE - (Maquiavel)
  • O SEGREDO É SER FELIZ - ROBERTO SHINYASHIKI

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