HISTÓRIA DRAMÁTICA: Depois de atender a dois rapazes baleados num bairro pobre, médico do SAMU chega à conclusão de que “estão roubando o sonho e a esperança de uma nação”


Ao atender esta semana, como médico do SAMU, dois jovens baleados em um bairro da periferia de nosso Brasil, fiquei muito triste e pensativo.
Enquanto a viatura se dirigia para a cena do crime fui tomado por um sentimento estranho que me fez repensar a nossa triste realidade brasileira, que tem como marcas principais a injustiça e o abandono social.
Uma mistura complexa de sentimentos e emoções vinham a minha cabeça à medida que adentrávamos pela periferia da cidade: a preocupação com minha segurança pessoal e a da equipe, como seríamos recepcionados pela população, qual seria a real gravidade dos feridos, eram perguntas que precisavam ser respondidas e fervilhavam em minha cabeça.
Casas humildes, cercadas por arames e outras vezes por restos de material de construção, misturadas a algumas casas relativamente bem construídas se misturavam no cenário que passava pela janela de nossa ambulância.
Após alguns minutos, chegamos a uma rua de terra muito estreita e cheia de buracos, onde havia um jovem de aproximadamente 16 anos estirado de bruços sobre o chão de terra batida, cercado por curiosos e familiares.
Seu coração já não batia.
Sua mãe sentada em uma cadeira, ao seu lado, chorava e lamentava a situação do filho que se encontrava morto frente ao seus olhos incrédulos e perguntava aos quatro ventos:
– Por quê, Senhor?
Após constatar o óbito desse adolescente, corremos para atender a outra vítima que estava em melhores condições, apesar dos tiros recebidos.
Enquanto atendíamos e imobilizávamos a vítima, não pude deixar de notar uma legião de adolescentes com o cabelo cortado estilo Neymar, alguns com correntes no pescoço à maneira de cantores de funk que rodeavam o amigo ferido, preocupados com o desfecho de uma história que poderia ter eles mesmos como atores principais.
Ao atender esse jovem baleado fiquei impressionado com sua atitude madura, respeitosa, tranquila que se assemelhava a um personagem desses filmes de guerra, em que o herói resistia bravamente aos ferimentos, ao ser atendido no campo de batalha pela equipe de socorristas.
Isso me chocou e ao mesmo tempo me entristeceu muito, ao ver um jovem cidadão brasileiro de valor, perdendo o seu futuro para o crime organizado.
Estamos perdendo nossa juventude para as drogas e para as instituições criminosas.
O roubo do sonho e da esperança de uma nação é pior que o roubo do tesouro material de um país, porque esse roubo se eterniza na miséria e na falta de expectativa de uma geração, comprometendo o futuro de nosso povo.
Imobilizamos o paciente e o colocamos na maca dentro da ambulância para ser transportados para o hospital. Neste meio tempo, chegou a polícia, repórteres sensacionalistas, outros moradores curiosos, o “rabecão do IML”.

Cena
de crime, após tiroteio, na periferia de Florianópolis, como tantas
semelhantes em outras cidades do país: “vergonha de ser
brasileiro” (Foto: Cristiano Estrela / Agência RBS)
Fiquei perplexo ao constatar, pessoalmente e naquele momento, que o problema é muito mais sério do que imaginamos.
Mais uma vez senti vergonha de ser brasileiro. Mais uma vez fiquei triste por não conseguir ignorar a dura realidade desse país. Sofreria menos.
A miséria toma conta de nossa nação. Estão roubando dos jovens brasileiros o seu sonho, a sua esperança, o seu futuro e a sua dignidade.
A falta de perspectiva e os maus exemplos dos políticos e dos criminosos impunes mandam uma mensagem clara e inequívoca aos nossos adolescentes: O CRIME COMPENSA.
Só esqueceram de dizer à eles que o CRIME DO COLARINHO BRANCO realizado por “homens poderosos” e que têm uma legião de comparsas e artifícios para protegê-los é diferente do crime do brasileiro comum, que tem todo o rigor da lei para puni-los.
E que o martelo do magistrado, que bate à favor dos corruptos e poderosos, é diferente do martelo que da a sentença ao cidadão comum brasileiro: geralmente esse tem um barulho mais alto, sai faísca e solta fogo.
Estamos perdidos. Não acredito em uma solução a curto prazo.
Quem poderia, hoje, resolver parcialmente esses problemas está preocupado em saquear o patrimônio público o mais rápido e de forma mais eficiente possível, esquecendo-se do real propósito e objetivo de sua missão:
CRIAR UM BRASIL COMPETITIVO, DIGNO E MAIS HUMANO.
Que Deus nos proteja.
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