CUBA, O INFERNO NO PARAISO -
O JORNALISTA JUREMIR MACHADO SILVA FEZ PARTE DA COMITIVA DO GOVERNADOR TARSO GENRO A CUBA, NO MÊS DE OUTUBRO DE 2013, PARA OFERECER MÁQUINAS AGRÍCOLAS FABRICADAS NO RIO GRANDE DO SUL, FINANCIADAS PELO BNDES.
JUREMIR É COLUNISTA DO JORNAL CORREIO DO POVO, DE PORTO ALEGRE, E ESCRITOR.
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CUBA, O INFERNO NO PARAÍSO .
Correio do Povo, Porto Alegre (RS)
Na crônica da semana passada, tentei, pela milésima vez, aderir ao Comunismo.
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Usei todos os chavões que conhecia, para justificar o projeto cubano. Não deu certo.
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Depois de 11 dias na ilha de Fidel Castro, entreguei, de novo, os pontos.
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O problema do socialismo é, sempre, o real. Está certo que as utopias são virtuais; o lugar, não. Mas, tanto problema com a realidade inviabiliza qualquer adesão.
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Volto chocado: Cuba é uma favela no paraíso caribenho.
Não fiquei trancado no mundo cinco estrelas do hotel Habana Libre. Fui para a rua. Vi, ouvi e me estarreci. Em 42 anos, Fidel construiu o inferno ao alcance de todos.
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Em Cuba, até, os médicos são miseráveis. Ninguém pode queixar-se de discriminação. É, ainda, pior.
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Os cubanos gostam de uma fórmula cristalina: 'Cuba tem 11 milhões de habitantes e 5 milhões de policiais'. Um policial pode ganhar, até, quatro vezes maisdo que um médico, cujo salário anda em torno de 15 dólares, mensais.
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José, professor de História e Marcela, sua companheira, moram num cortiço, no Centro de Havana, com mais dez pessoas (em outros, chega a trinta). Não há mais água encanada. Calorosos e necessitados de tudo, querem ser ouvidos.
José tem o dom da síntese: 'Cuba é uma prisão, um cárcere especial. Aqui, já se nasce prisioneiro. E a pena é perpétua. Não podemos viajar e somos vigiados, em permanência. Tenho uma vida tripla: nas aulas, minto para os alunos. Faço a apologia da revolução. Fora, sei que vivo um pesadelo. Alívio é arranjar dólares com turistas'.
José e Marcela, Ariel e Julia, Paco e Adelaida, entre tantos com quem falamos, pedem tudo: sabão, roupas, livros, dinheiro, papel higiênico, absorventes. Como não podem entrar, sozinhos, nos hotéis de luxo que dominam Havana, quando convidados por turistas, não perdem tempo: enchem os bolsos de envelopes de açúcar.
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O sistema de livreta, pelo qual os cubanos recebem do governo uma espécie de cesta básica, garante comida, para uma semana. Depois, cada um que se vire. Carne é um produto impensável.
José e Marcela, ainda assim, quiseram mostrar a casa e servir um almoço de domingo: arroz, feijão e alguns pedaços de fígado de boi. Uma festa.
Culpa do embargo norte-americano? Resultado da queda do Leste Europeu? José não vacila: 'Para quem tem dólares, não há embargo. A crise do Leste trouxe um agravamento da situação econômica. Mas, se Cuba é uma ditadura, isso nada tem a ver com o bloqueio'.
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Cuba tem quatro classes sociais: os altos funcionários do Estado, confortavelmente instalados em Miramar; os militares e os policiais; os empregados de hotel (que recebem gorjetas em dólar); e o povo.
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'Para ter um emprego num hotel, é preciso ser filho de papai, ser protegido de um grande, ter influência', explica Ricardo, engenheiro que virou mecânico e gostaria de ser mensageiro nos hotéis luxuosos de redes internacionais.
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Certa noite, numa roda de novos amigos, brinco que quando visito um país problemático, o regime cai, logo depois da minha saída. Respondem em uníssono:
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'Vamos te expulsar daqui agora mesmo'.
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Pergunto: por que não se rebelam, não protestam, não matam Fidel? Explicam que foram educados para o medo, vivem num Estado totalitário, não têm um líder de oposição e não saberiam atacar com pedras, à moda palestina.
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Prometem, no embalo das piadas, substituir todas as fotos de Che Guevara espalhadas pela ilha, por uma minha, se eu assassinar Fidel para eles.
Quero explicações, definições, mais luz. Resumem: 'Cuba é uma ditadura'. Peço demonstrações. 'Aqui, não existem eleições. A democracia participativa, direta, popular, é um fachada para a manipulação. Não temos campanhas eleitorais, só temos um partido, um jornal, dois canais de televisão, de propaganda, e, se fizéssemos um discurso, em praça pública para criticar o governo, seríamos presos, na hora'.
Ricardo Alarcón aparece, na televisão, para dizer que o sistema eleitoral de Cuba é o mais democrático do mundo. Os telespectadores riem: 'É o braço direito da ditadura. O partido indica o candidato a delegado de um distrito; cabe aos moradores do lugar confirmá-lo; a partir daí, o povo não interfere em mais nada. Os delegados confirmam os deputados; estes, o Conselho de Estado; que consagra Fidel'.
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Mas, e a educação e a saúde para todos? Ariel explica: 'Temos alfabetização e profissionalização, para todos; não, educação. Somos formados, para ler a versão oficial; não, para a liberdade. A educação só existe, para a consciência crítica, à qual não temos direito. O sistema de saúde é bom e garante que vivamos mais tempo para a submissão'.
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José mostra-me as prostitutas, dá os preços e diz que ninguém as condena: 'Estão ajudando as famílias a sobreviver'. Por uma de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares.
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-Quatro velhas negras olham uma televisão em preto e branco, cuja imagem não se fixa. Tentam ver 'Força de um Desejo'.
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Uma delas justifica: 'Só temos a macumba (santería) e as novelas, como alento. Fidel já nos tirou tudo. Tomara que nos deixe as novelas brasileiras'.
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Antes da partida, José exige que eu me comprometa a ter coragem de, ao chegar ao Brasil, contar a verdade que me ensinaram: em Cuba só há 'rumvoltados'.
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E ainda existem brasileiros que defendem isso, que desejam isso para o Brasil!
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- DICIONÁRIO DE FANADÊS - Carlos Mota
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- IDAS E VINDAS - (Rosarinha Coelho)
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