BENEDITO NOGUEIRA BADARÓ - GUARDA-FIOS E CARTEIROS
OS GUARDA-FIOS E OS CARTEIROS
Os guarda-fios, assim como os carteiros,
trajavam uniformes de brim cáqui, com bonés e insígnias e eram eles tão
respeitados quanto os integrantes da polícia, outra instituição também
tradicional, onde os soldados rasos não eram muito confiáveis mas, mesmo assim
tinham, todos eles, lá na Vila do Fanado, muita atividade, enquanto que suas
funções estavam mais relacionadas a questões puramente militares e de
ordenanças, as quais, eventualmente, os expunham a situações antipáticas, às
vezes ridículas e vexatórias.
Quanto
aos servidores públicos do DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) eram
esses empregados os que recebiam as melhores remunerações, sendo figuras
populares e, devido ao seu direto e constante relacionamento com os moradores
de locais diferentes, a eles competia cumprir com muita regularidade as famosas
percorridas fiscalizando a rede telegráfica e dando manutenção aos equipamentos
de transmissão dos telégrafos, que se fazia através dos fios de cobre
sustentados, de 200 em 200 metros, pelos postes de ferro fundido, nos quais
ninguém podia nem tocar com as mãos, tão grande era o respeito e a preocupação
que todos tinham pela preservação, como sagrados, dos bens materiais que
pertenciam à administração pública.
Pelo menos no DCT, o trabalho, apesar de rotineiro,
era sagrado e bem executado, onde os abnegados e admiráveis empregados
federais, lotados naquele Departamento, além da atribuição de guardiões e
zeladores dos fios telegráficos e do transporte das malas postais em lombo dos
animais, serviam eles, também, de companhia segura para as pessoas que
eventualmente seguiam viagem pelos mesmos caminhos que seguiam a trilha de
postes, bem como se prestavam, como mensageiros, pelas intermediações de
assuntos particulares.
Cada um desses guarda-fios era encarregado por uma
linha, que geralmente interligava duas estações de telégrafos, por onde sempre
iam, a cavalo, semanalmente, para fazer as percorridas, devendo repor os
isoladores danificados, recompor os fios secionados, reerguer e reforçar os
postes derrubados pela ação de acidentes naturais, como ventos e raios ou,
eventualmente, pela força de algum animal desavisado, o que jamais acontecia em
razão de vandalismo, pois ninguém, por mais louco e irresponsável que fosse,
jamais se atreveria de incorrer-se em um ato dessa natureza.
A esses bravos funcionários dos Correios eram
confiados os estudantes que transitavam pelo trecho, no vai-e-vém que faziam
entre a Vila do Fanado e os educandários que existiam nas cidades mais adiantadas,
e eram eles, também, os portadores dos bilhetes confidenciais, dos mimos de
namorados, dos documentos importantes e das incumbências de todo tipo de
missão, inclusive a de leva e traz característica nas transações comerciais e
de serviços entre profissionais do serviço forense.
Dessa ativa participação na vida comunitária,
muitas são as passagens folclóricas que ficaram no imaginário popular
relacionadas com a contribuição dos guarda-fios.
Em Piedade, hoje a cidade de Turmalina, ficava uma
das melhores farmácias, a maior de toda a região, cujo proprietário era o
farmacêutico Lauro Machado, comerciante ativo e empreendedor de sucesso, que
também se preocupava muito com toda a população daquele lugar, sempre
considerado como verdadeiro líder, muito respeitado, sendo que um pedido dele
era uma ordem imediatamente acatada por todos.
Certa vez o caridoso comerciante solicitou ao
guarda-fios Benedito Badaró, que lhe fizesse o obséquio de informar-se na Santa
Casa de Minas Novas, qual seria o estado de saúde de uma mulher, dele
conhecida e freguesa de seu comércio, que na cidade estava internada, naquele
único nosocômio de toda a região, em tratamento de uma enfermidade, em
decorrência da qual ela estaria com o corpo bem alterado pelo inchaço provocado
por uma grave moléstia. Esqueceram-se, porém, de anotar ou de guardar o nome da
mulher que deveria ser visitada pelo prestimoso guarda-fios. Chegando à cidade,
o mensageiro imediatamente se dirigiu até à Santa Casa e ali ficou sabendo que
a referida doente já havia falecido. Para poder comunicar, sobre esse óbito, ao
amigo farmacêutico que ficou lá em Piedade esperando pela mensagem, passou o
Benedito na repartição do telégrafo e mandou o seguinte aviso cifrado,
observando, com o mais absoluto rigor, a economia de palavras que o meio de
comunicação sugeria naquele tempo:
Machado vg
A inchada foi-se pt
Saudações Benedaró
De outra vez, havendo o mesmo funcionário se
encantado com um animal de montaria, um burro de serviços que estava à venda,
exposto à porta do mercado daquela Vila, e após negociar com o dono o preço e
condição de entrega, ficou-se combinado que, tão logo ele chegasse a seu
destino, daria uma resposta ao vendedor, pelo telégrafo, o que só poderia
acontecer após pensar mais um pouco sobre as vantagens do negócio e também
sobre esta transação ele trocasse de ideia com sua esposa, a saudosa Dona Lourdes
César, a quem tinha obediência e canina fidelidade, pois nada fazia sem seu
prévio conhecimento e aquiescência.
Em casa, após as necessárias consultas, chegaram-se,
ambos, marido e mulher, à conclusão pelo acerto e da necessidade da compra, não
só daquela alimária, mas também dos arreios que a acompanhavam, e, lá se foi o
alegre guarda-fios, todo satisfeito, para comunicar a sua decisão, via do
importante, rápido, seguro e eficiente meio de comunicação ao comerciante Américo
Antunes que esperava pela resposta, lá em Turmalina:
Caro Américo
Resolvi ficar burro vg
Aceito cangalha pt
Saudações Benedaró
Era o Benedito uma figura legendária.
Diferentemente da tradição familiar, ele não se enveredou pela política, mas,
de certa forma, em muito contribuía nas campanhas eleitorais patrocinadas pelo
mano Dr. Chico. Naquele tempo folclórico as eleições se faziam através do
depósito, nas urnas de madeira, de envelopes rubricados nos quais o eleitor
colocava as cédulas individuais, de papel, onde havia o nome e o cargo em
disputa pelos candidatos.
Eram esses envelopes chamados de “marmitas”, pois já iam para a seção coletora
dos votos, devidamente preparados pelos chamados "cabos eleitorais".
Nesse tempo, quando o Benedito sabia que determinado cidadão não estava
convencido da obrigação de votar no candidato indicado pelo Dr. Badaró, ele se
aproximava do eleitor renitente e o pedia para votar num outro candidato de
nome Vulcão de Oliveira, que, na verdade era um nome inventado por ele mesmo,
um candidato que nem mesmo existia, sendo este um estratagema de que ele se
valia fazendo com que o voto do adversário resultasse nulo, nada prejudicando
ao pleito do irmão. E dessa forma ele podia, também, averiguar, no ato da
apuração, qual seria o número de eleitores perdidos, que eram os adversários do
velho Badaró, número que, geralmente, em grande número, ainda assim não lograva
o sucesso de chegarem a ser eleitos nem mesmo para cargos mais inferiores como
o de juiz de paz ou de vereador.
Benedito Badaró, que era filho de coronel, não
seguiu o exemplo dos demais irmãos, pois todos estes se encaminharam na vida
pública após se formarem como doutores: José de Nápoles, que era seu irmão mais
velho, era bacharel em direito, tendo-se formado na famosa escola do Largo de
São Francisco, onde depois se tornou brilhante professor e jamais voltou a
Minas Novas. Era, este Badaró, um crítico mordaz do coronelismo e detestava os
irmãos. Consta que, já estando há muito tempo morando em Campinas,
interior do Estado de São Paulo, ao ser comunicado da homenagem prestada a seu
pai, com a denominação de Francisco Badaró para o então distrito de Sucuriu,
ele teria afirmado, com ironia, que estavam tirando o nome de uma cobra
inofensiva e colocando no lugar o nome de uma cobra peçonhenta e perigosa.
Sobre a curiosidade de seu nome, José de Nápoles, dizia ser uma homenagem, de
sua mãe, Dona Sinhazinha Nogueira, à cidade em cujo porto ele nascera de um
parto apressado pelas atribulações de uma crise nervosa, de que ela foi
acometida, naquele estágio de último mês de sua difícil gravidez, quando, ao
chegar à Itália, teve ela um grande trauma ao tomar conhecimento sobre a
existência de Adelli Piambetta, esposa europeia de seu marido, que naquela
quadra respondia como Ministro Plenipotenciário junto ao Estado do Vaticano.
Logo que nasceu, imediatamente, sem mesmo apear do navio, toda a família se viu
obrigada a voltar ao Brasil, por força do rumoroso processo de bigamia que seu
pai estava respondendo, naquela capital italiana, o que resultou na expulsão do
diplomata, então considerado como "persona nom grata" decretada pelo
papa Leão X. E esse fato, em muito contribuía para o indisfarçável
constrangimento do Dr. José que preferiu partir para um lugar tão longínquo de
Minas Novas, onde era desconhecido esse fato histórico, evitando-se assim ser
indagado dessa vexatória situação familiar,.
Além do napolitano, havia outro irmão, o Dr.
Francisco Badaró Junior, que se formou em medicina, mas que tomou gosto mesmo
foi pela carreira de político e, além deles, havia duas irmãs que foram
dedicadas professoras, uma delas que foi a boníssima dona Corina, donzela
convicta e mestra famosa no Povoado de Santa Cruz da Chapada, onde é tida como
verdadeira santa; a outra, Dona Laura Badaró, muito bonita, mas que segundo o
Mané Rabicó não era lá tão santa como a Mestra, sua irmã.
O guarda Bené, que era uma pessoa simples, e muito
querida na cidade, não ligava muito pelo fato de ser um filho de família
ilustre, tendo, de forma inusitada, contrariado muito aos seus, não lhes
permitindo cumprir o desejo de vê-lo padre, como desejavam, e por decidir-se,
abandonando o seminário, casar-se com Dona Lourdes, uma das filhas do maior
adversário do pai, o coronel Demóstenes César, este que era também um homem
ilustre e não menos respeitado político, que até chegou a ocupar o cargo de
deputado provincial e de representante constituinte.
Todavia, o Bené gostava mesmo era de lidar com
animais bovinos e de carga. Seu sonho era a fazenda do Mirante e a saudade da
vida rural não lhe permitiu que continuasse no convento, lá em Mariana, onde
sua atenção nunca estava na missa, no breviário ou nas lições, mas lá na
Fazenda do Mirante, na Volta do Rio Fanado, onde ficavam a casa grande e o
engenho. E quando chovia ficava ele visivelmente desesperado e confessava aos
padres do internato que o seu desejo maior era o de voltar para Minas Novas,
abandonando os estudos, pois não tinha vocação sacerdotal. Toda noite sonhava
com o capim bem verdinho e, pela manhã, quando mirava o verde das montanhas lá
no vetusto educandário, dizia que tinha vontade era de voar e de ir apreciar a
maravilha do seu capim, lá nas pastagens da Fazenda da Volta do Fanado, o lindo
Mirante, que um dia fora a Fazenda do Cônego Peregrino Pacífico de Melo e
Silva. Retornou logo para sua terra, antes de terminar o primeiro ano de
estudo, arranjando emprego nos Correios, e logo depois se casando com Dona
Lourdes César, e no seu Mirante, cuidava dos inúmeros animais, tendo
preferência pela criação de jumentos de uma raça muito saudável e bastante
valorizada no meio rural.
O velho Benedito gostava tanto do antigo emprego de
guarda-fios, que mesmo depois de muito tempo, já na condição de
aposentado, continuou usando o tradicional fardamento do DCT e, todo o santo
dia, ficava na repartição a se intrometer em todos os assuntos administrativos e
a bisbilhotar o expediente, e o que por lá estava acontecendo, não por mera
curiosidade, mas para ficar ciente de tudo o que se passava na região e repassar
alguma informação importante que fosse útil para seu irmão Chico, o eterno
chefe político do lugar.