Publicado, originalmente, neste mesmo blog. na quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009:
AS "LOUCURAS" DO DR. FUNCHO
Dr.
 Agostinho da Silva Silveira era um médico, clínico geral que se dizia 
sanitarista. Gostava de morar sozinho e às vezes se isolar em seu sítio,
 mas não era um misantropo, sendo, isto sim, extravagante e muito cheio 
de manias. Residia só, em seu 
sobrado na Rua Direita, debaixo do qual, ao rés-do-chão ficavam o seu 
consultório e, ao lado, a Farmácia São Jorge, comandada pelo jovem Neném
 de Agenor. Além do Posto de Saúde, do Ginásio Minas Novas e do CRAMN, 
dedicava-se com paixão ao sítio do Funchal onde cuidava de galinhas, 
flores, pomar e de uma imensa horta. Trajava sempre, durante o dia o seu
 jaleco característico, impecavelmente branco, sobre um terno de linho 
pérola, tudo muito bem engomado e, à noite, preferia ternos 
azuis-marinho com gravatas vermelhas, das quais tinha uma coleção e, 
aquelas de cores variadas, as compartilhava com os amigos que 
freqüentavam o seu clube. 
Tudo em sua casa era disposto em seus devidos lugares e as pessoas que o serviam, como empregados, desdobravam-se para cumprir à risca as suas ordens, mas eram por ele valorizadas ao extremo, apesar do rigor de sua disciplina. Toda manhã, dirigindo seu jeep 1951, verde-madrepérola e equipadíssimo, que somente ele dirigia, saia distribuindo de graça as suas hortaliças, entregando-as nas casas que ele escolhia aleatoriamente. Gostava de música e, apesar de não saber tocar nem pandeiro, tinha em casa uma completa orquestra com banjo, cavaquinho, violão elétrico, trombone, saxofones, clarinetas, pistons, acordeons, guitarras, além de uma parafernália de bateria com todos os instrumentos de percussão necessários a uma boa escola de samba. Era aficcionado por dobrados, dolentes valsas, pelas gravações do Glenn Müller e se extasiava ouvindo as baladas de Billy Vaughn (Richard “Billy” Vaughn -12 de abril de 1919 - 26 de setembro de 1991- foi um cantor e multi-instrumentista, e orquestra líder) cujos hits os colocava no ar, invariavelmente a todo volume, fazendo-se escutar por toda a cidade através de seu potente serviço de auto-falantes, cujas cornetas ficavam sobre a cumeeira do sobrado, isto a qualquer hora do dia ou da noite, pelo tempo que lhe desse na telha.
Mandava seus recados, às vezes atrevidos, pelo microfone e diariamente, às 18 horas ele anunciava a "hora do ângelus" quando rezava a ave-maria, mas adaptando essa tradicional oração de forma a denunciar algum fato, para reclamar de alguma situação ou criticar o que ele achava que estava errado. Desta forma, por exemplo, que ele, às vezes indignado com a má atuação de algum jogador de seu time de futebol – o "Giminesc" – era assim que ele rezava;
Tudo em sua casa era disposto em seus devidos lugares e as pessoas que o serviam, como empregados, desdobravam-se para cumprir à risca as suas ordens, mas eram por ele valorizadas ao extremo, apesar do rigor de sua disciplina. Toda manhã, dirigindo seu jeep 1951, verde-madrepérola e equipadíssimo, que somente ele dirigia, saia distribuindo de graça as suas hortaliças, entregando-as nas casas que ele escolhia aleatoriamente. Gostava de música e, apesar de não saber tocar nem pandeiro, tinha em casa uma completa orquestra com banjo, cavaquinho, violão elétrico, trombone, saxofones, clarinetas, pistons, acordeons, guitarras, além de uma parafernália de bateria com todos os instrumentos de percussão necessários a uma boa escola de samba. Era aficcionado por dobrados, dolentes valsas, pelas gravações do Glenn Müller e se extasiava ouvindo as baladas de Billy Vaughn (Richard “Billy” Vaughn -12 de abril de 1919 - 26 de setembro de 1991- foi um cantor e multi-instrumentista, e orquestra líder) cujos hits os colocava no ar, invariavelmente a todo volume, fazendo-se escutar por toda a cidade através de seu potente serviço de auto-falantes, cujas cornetas ficavam sobre a cumeeira do sobrado, isto a qualquer hora do dia ou da noite, pelo tempo que lhe desse na telha.
Mandava seus recados, às vezes atrevidos, pelo microfone e diariamente, às 18 horas ele anunciava a "hora do ângelus" quando rezava a ave-maria, mas adaptando essa tradicional oração de forma a denunciar algum fato, para reclamar de alguma situação ou criticar o que ele achava que estava errado. Desta forma, por exemplo, que ele, às vezes indignado com a má atuação de algum jogador de seu time de futebol – o "Giminesc" – era assim que ele rezava;
-"Ave-Maria ... Ave-Maria cheia de ... cheia de que nada ... eu
 é que estou cheio desses incompetentes, desses pernas-de-pau que só 
sabem ficar na esbórnea durante a semana para depois poder fazer o 
papelão igual ao que fez o molecote JADIR no jogo de ontem, enterrando o
 nosso time. Isto é um absurdo...
 Ave Maria desses ingratos... Me perdoe, Nossa Senhora, Mãe de Jesus ...
 mas Ave Maria, digo eu, de esperar alguma coisa dessa gentinha... Ave 
Maria, minha doce Mãe, de certas amizades. Ave Maria dessas marias-vão-com-as-outras que existem aqui em Minas
 Novas ... Ave Maria dessas marias-sem-vergonhas que já saem da igreja 
futricando e falando mal das ouras Marias... Ave Maria, digo eu, dessa 
tropa de Marias que não têm o que fazer e ficam na porta da rua falando 
da vida alheia ... Ave Maria .... Ave Maria ... Arre...
 Arre... amém... amém... ai meu Deus .. tenha dó, ó Badaró.. vou acabar é
 indo pra Maceió ou então pro xilindró ... é funcho puro! É funcho puro 
...ó, ó, ó ... amém e cruz-credo, meu caro amigo "seu" Dodó...
"Vamos agora ouvir "Luar de Vila Sônia" e depois,
 ouviremos "La Paloma" com "bi-li-von-angue" ou bilivougue ou 
"bil-li-vau gui-ú ou do jeito que vocês quiserem pronunciar, mas o disco
 é meu, comprei com meu dinheiro, pronuncio do jeito que eu quiser, pois
 ninguém tem nada a ver com a minha vida, obrigado e boa noite. E 
alô-alô Manoelzinho do Bar, que daqui vejo fazendo seus picolés, 
deixando os copos sem lavar e no balcão uma colher, mande-me trazer aqui
 uma Malzebier bem gelada pois o Dr. Vicente aqui acabou de chegar. Em 
nossos estúdios a agradável figura do mestre, professor, doutor Vicente 
Mário Silva, nosso maior matemático de todos os tempos. Depois eu passo 
aí, Mané Porreta, para poder lhe pagar, pois não gosto de ficar devendo 
ninguém mais pobre do que eu ..."
"Hoje
 estamos comemorando o aniversário de Sebastião Martins, o nosso querido
 seresteiro "Tião Gato", oh meu Deus, prezado Gato, você já está na hora
 de arrumar uma noiva e se casar... Olhe que o tempo passa e o seu pai 
vai acabar é ficando sem um neto. Tome vergonha na cara, arrume a noiva 
que o terno você já tem e eu lhe empresto a gravata ..."
"Alô,
 alô, dona Aurora, lá na Rua do Pequi, cuide aí do nosso campinho de 
futebol mas não se esqueça de que estou esperando minhas camisas muito 
bem engomadinhas como somente a senhora sabe delas cuidar. Daqui a pouco
 vou aí na sua casa buscar minha roupa e poder tomar, com a senhora e a 
Sinhá, o nosso gostoso chá..."
Minas
 Novas, naquele tempo, era muito mais carente do que é hoje e o Dr. 
Agostinho era o único médico, de poucos aparelhos e nenhum recurso 
técnico, para atender toda a população. Além de não cobrar consultas, o 
que aliás de nada adiantaria, pois quase ninguém teria dinheiro para 
pagar, esse médico ainda se via na obrigação de comprar o remédio que 
ele próprio receitava, "pendurando" a conta na farmácia ao lado – que 
também era a única da cidade – efetuando o pagamento da conta somente 
quando conseguia receber sua remuneração de médico na prefeitura. Para 
economizar, e até mesmo para não correr risco de receitar calmantes e 
outros remédios controlados, ele prescrevia xaropes e remédios caseiros 
como banhos e chás, fornecendo ele mesmo as folhas de plantas que ele 
tinha em sua horta ou de raízes e sementes cujo efeito curativo ele 
conhecia e dos quais ele mantinha reserva em casa, coletadas no mato da 
região por ele ou pelos diversos fornecedores, como o popular 
doido-de-rua de nome Modesto. Dizia o Dr. Funcho que a maior parte da 
nossa população era constituída de doidos mansos, desparafusados, 
desmiolados, lelés da cuca, fracos da idéia e, muitos desajustados por 
conveniência, inclusive ele próprio. E por isto mesmo é que incentivava a
 todos consumir a infusão de erva-doce ou de capim cidreira, como chá 
sem a adição de açúcar, no lugar de tomar café e, da mesma forma, 
mandava servir aos pacientes e às visitas, bem como receitava e 
recomendava esta bebida para todos os que iam a seu consultório. Era de 
tal ordem a sua fé neste tratamento que, quando encontrava qualquer 
dificuldade ou então se via em alguma situação de aperto ou desagrado, 
ele ficava repetindo, nervosamente, "funcho puro, é funcho puro... é funcho puro .. me trás ai mais funcho.", daí a origem do apelido que lhe colocaram os desafetos.
  
Quanta falta inda faz o Dr. Agostinho em nossa Minas Novas!  
Ah, se houvessem muitos e muitos doidos como ele, que tanta coisa de boa fez por nossa pobre gente...
Ah, se houvessem muitos e muitos doidos como ele, que tanta coisa de boa fez por nossa pobre gente...
Que
 neste carnaval, recordemos daquele saudoso médico, de seu "galo 
colorido", batendo suas asas de latão, abrindo o bico e acendendo suas 
luzinhas ou, então, do garboso rei-momo que, durante os dias 
carnavalescos saiam pelas ruas animando o povo e chamando os foliões 
para dançarem no salão do CRAMN (Clube Recreativo da Amizade 
Minas-Novense) naquelas agradáveis folias em que todos eram iguais e 
podiam, em clima de harmonia e muita animação, brincar, cantar e pular 
descontraidamente e ao som de seu maravilhoso conjunto musical (vide
 foto, onde faltam as figuras de Gentil Fernandes, Du de Agenor, Tio 
Rodolfo, Sargento Leão, Sargento Wagner. Militão, Valtinho de Dona 
Elisiária Teles e tantos outros bons´músicos que encantavam nossos 
carnavais de antigamente!...) sem essas baixarias que hoje inundaram o carnaval e, de resto, toda a nossa velha e tão maltrada Cidade do Fanado. 
Na
 foto: Dr. Agostinho, Eugênio Coelho, Eduardo Correia, Dailson 
Fernandes, João Batista Alecrim, Gabriel Borges, Álvaro Freire e, ao fundo, o caminhoneiro Antônio
 Luzia Ferreira (Tótó).
 
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário