BLOG DE GERALDO MOTA (O BLOG DO LALAU) tem como objetivo divulgar a arte, o folclore, as notícias do cotidiano e as pontencialidades econômicas de toda região fanadeira. ESTA FOTO ACIMA É UMA HOMENAGEM A "ZÉ DE DURVAL", meu pai, que muito se orgulhava de ter sido "Rei do Rosário" e que me ensinou a valorizar o trabalho honesto, as tradições, o folclore, o artesanato, como verdadeiro exemplo de cidadania e de amor à cidade histórica de Minas Novas.
sábado, 20 de fevereiro de 2021
LENDAS DA VETUSTA CIDADE DE MINAS NOVAS
ZÉ DO GRÓ
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Zé do Gró era um menino muito levado e malvado que não obedecia a sua
mãe, desrespeitava os mais velhos, não ia à missa e naquele tempo já era viciado
em uma droga que ele mesmo sabia como extrair do carapiá nativo da beira do
ribeirão Bonsucesso. Vivia ele atirando pedras nos teiús e preás, armando laços
e arapucas, no seu intuído malévolo de pegar andorinhas e corujas, espalhando
paris malvados, arapucas e alçapões tinhosos para apanhar traíras e piabanhas,
mesmo nas épocas das piracemas: era um terrível, inimigo da natureza, terror das
famílias e das lavadeiras que viviam reclamando de suas malasartes e estripulias
nas beiras de rio. Tendo ele, certa vez, desmanchado o ninho de uma inofensiva
garricha, esta lhe jogou pragas pelo mau que estava causando a seus inocentes
filhotes e, como todos sabem, “praga de mãe”, mesmo que seja de uma inofensiva
passarinha, pega fogo que nem faísca de raio em candeia seca. Dias depois deste
fato, quando o biltre, mais uma vez, roubava os ovos no ninho da coruja,
tradicional moradora da torre esquerda da igreja do Rosário, o mocho que ali se
posicionava de plantão, aplicou-lhe uma forte bicada no cocuruto da cabeça, o
que lhe causou repentina cegueira, da qual mais nunca se recuperou. E, destarte,
cego e desorientado, resultou em sua triste sorte de perambular de porta em
porta, passando a depender da caridade pública e se sujeitar ao tormento das
pilhérias e aprontações que lhe faziam os antigos companheiros de malvadezas,
isto até que certo dia, sentindo-se desprezado e só, desapareceu da cidade e não
foi mais visto andando em lugar algum. Passaram-se anos e anos, quando – certo
dia - os zeladores da igreja do Rosário resolveram reformar a torre do relógio,
encontrando no vão do forro de madeira e do telhado, um corpo já bem seco, em
completa decomposição, - pele e ossos - do cadáver daquele endiabrado que não se
sabe como, ali foi parar, talvez para fugir de si mesmo, na dor de sua
consciência, para purgar de seus tantos pecados. Retiraram daquele local o corpo
esquelético do finado Zé do Gró, aquela ossada inconveniente mais parecida a um
quiabo chocho ou a um sapo seco e, como ninguém quisesse enterrá-lo,
colocaram-no provisoriamente em um esquife, posicionado de pé, perto da grande
caixa do relógio, e ali ficou ele "esquecido" durante muitos anos, talvez para
dar exemplo aos meninos maus da cidade, até que um dia seus restos foram,
finalmente, levados ao cemitério pelas mãos caridosas de Corinto e Joaquim
Camargos, dois dos zeladores daquele templo, tendo assim a Igreja do Rosário
ficado livre daquele incômodo esqueleto e a igreja, também, dos voos acrobáticos
dos morcegos que tanto a empestavam.
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SÃO BENEDITO DOS NEGROS DE MINAS NOVAS LENDAS E CAUSOS ANTIGOS DE MINAS NOVAS
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“O’ SÃO BENEDITO, OLHA LÁ, OCÊ ANDA
COMIGO DEVAGAR”...!
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“Oia o tolete, o’ calunga...” As lendas e os “causos” fazem
parte da lembrança de um povo, principalmente quando se trata de uma cidade tão
antiga, como é o caso de Minas Novas, onde a oralidade ainda presta um grande
serviço à memória, possibilitando que os valores tradicionais sejam renovados e
que jamais se perca o fio condutor de nossa cultura, a qual vem lá da remota era
da mineração que, antes dos bandeirantes de origem paulista, aqui já era uma
atividade amplamente exercida pelos nossos antepassados sefarditas, que
mineravam o ouro em parceria com os escravos fugidos que na Vila do Fanado e na
Vila de Santa Cruz buscavam abrigo e proteção contra os feitores e capitães do
mato. E será, exatamente, dessa tradição judaica que, no decorrer dos tempos, de
forma indelével resultou algum ranço que desde aquele tempo alimentava a
“pirraça” entre cristãos e os “hereges” que somente muito tempo depois vieram a
se converter ao catolicismo, pela força das circunstâncias e pelo temor que
produzia a fogueira da “Santa Inquisição”. Ouvi e guardei em meus registros
muitos desses causos e lendas, que me foram contados pelas pessoas mais idosas
de nossa cidade, com os quais eu convivi no meu tempo de criança, como meu
bisavô Domingos Mota, minha bisavó Idalina Sena, além de meus tios José de
Araújo, Aristides Cristianismo (casado com minha Tia Ritinha Barreiros Chagas),
meu avô Durval Coelho e também primos de meu pai, como Zé de Aristides, Zé
Branco e outros, todos que vinham de antiga linhagem de grandes figuras como o
famoso Jacinto Acarajé, Ana Cirina, Cônego Barreiros, Padre Joaquim do Espírito
Santo e outras figuras da maior importância em nosso passado fanadeiro, com os
quais muitos deles foram contemporâneos. São casos e lendas, a meu ver
fabulosos, mas que eram contados como verídicos e que causavam (e ainda causam)
grande curiosidade e, em certas situações, levam-nos a reflexões sobre sua
procedência e se na realidade contêm alguma verdade, tamanho o significado e a
expressividade do conteúdo daquelas narrativas. São muitos os casos de milagres,
de benções, de acontecimentos maravilhosos e ternos, mas também muitos de
assombrações, de “visões e miragens” e, enfim, até de terríveis pragas, castigos
com destruição, raios, ventanias, trovões, tempestades, enchentes, inundações,
doenças, desastres e muitas mortes. Contaram-me, certa vez, que lá pelos idos do
final dos anos 1800, havia em nossa cidade um rico fazendeiro, de origem judaica
(sefardita), que guardava no porão de seu sobrado um verdadeiro tesouro que
vinha desde o tempo das minerações, o que lhe permitia uma vida de nababo,
vivendo da usura, como agiota, e com o tráfico dos ex-escravos, que ele atraia
para seu serviço de mineração, escravizava-os novamente e os revendia de forma
sórdida e covarde. O sobrado que servia de residência da família ficava próxima
à antiga Igreja Matriz de São Pedro, cujo campanário era composto de estridentes
sinos e estes, durante a celebração em honra a São Benedito, ao ser bimbalhado
para saudar a procissão que passava, fez afugentar a sua mula predileta de
montaria, quando chegava de uma viagem, quando foi arremessado ao chão, de onde
se levantou encolerizado e se arremeteu contra o andor que vinha pela rua,
dirigindo impropérios e gestos acusatórios ao santo, provocando verdadeiro
tumulto junto à multidão de fieis, de vez que era um coronel temido, chegando ao
cúmulo da falta de respeito de propor ao cônego Pacífico Peregrino de Melo e
Silva, que era o sacerdote que realizava a festa, que lhe vendesse, como
escravo, “aquele negro arrogante que estava sendo venerado por um bando de
desocupados”. Naturalmente que aquele saudoso vigário de nossa paróquia, um dos
religiosos mais prestigiados de toda a Diocese, reagiu indignado com aquela
demonstração de heresia e o ameaçou com o castigo da excomunhão, pelo que o dito
cujo nem se preocupou e ainda desafiou o poder da igreja, afirmando que tudo
faria no sentido de que aquele templo fosse colocado ao chão. E, de fato, com
seu poder econômico liderou o tal coronel, herege e vingativo, uma acirrada
perseguição aos padres, daquela época, o que culminou com a derrocada do projeto
que o cônego Pacífico acalentava de promover a paróquia em diocese, conforme
estava tudo em andamento, obrigando que fossem espalhados pelas demais igrejas
da cidade a vasta coleção de santos e alfaias. Consta, porém, que toda a fortuna
do dito nababo logo veio a sofrer a ruína, o que foi atribuído como um castigo
divino, pois sua riqueza, antes composta de muitos imóveis, fazendas, numeroso
plantel de animais de carga e montaria, uma das maiores tropas de toda região,
tudo foi eliminado, não sobrando sequer uma cabeça de gado, nem colheitas das
lavouras, que ficaram improdutivas. O fazendeiro, vendo assim que o “feitiço
estava voltando contra o feiticeiro”, arrependeu-se, embora tardiamente, e para
aplacar a maldição e propôs doar a São Benedito todos os seus escravos – que
eram mais de uma centena deles – mas o bom vigário, aceitando a oferta,
condicionou que os cativos fossem imediatamente libertos (alforriados) e também
admitidos como membros livres da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, isto
ainda no ano de 1862, portanto 26 anos antes de ser promulgada a Lei Áurea, pela
Princesa Izabel. Eis aí, portanto, uma das origens da bicentenária Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas, da qual o milagroso
SÃO BENEDITO é um dos mais festejados padroeiros. Pelas referidas narrativas,
deduz-se que essa lenda tem ligações que fatos reais relacionados aos
“entreveros” entre os ditos religiosos e o coronel Sérgio Reis, ao qual é
atribuído o “crime” da demolição da Igreja de São Pedro, fato histórico que,
segundo os descendentes do coronel Zebentão, com este não tem qualquer relação,
apesar da fama ter ficado, na memória popular, na conta do referido morubixaba.
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A LENDA DE SÃO BENEDITO
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Na belíssima igreja do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas, além dos altares, das pinturas existentes no teto e das
joias que enfeitam as imagens nos dias de festa, chama atenção a beleza barroca
de vários santos esculpidos em madeira, do tamanho normal de uma pessoa. A
imagem de Nossa Senhora do Rosário, com o "Deus Menino" nos braços, nu e
gracioso, tem um olhar penetrante como se estivesse nos fitando e vasculhando
dentro de nossa alma. No dia da sua festa é ela transportada em andor pelas
ladeiras da cidade, carregado nos ombros dos irmãos de opa, que se revezam
piedosos, alheios ao peso imenso que lhes aliviam os pecados, seguindo, durante
aquela penitência tão piedosa e tão concorrida, andando descalços pelo sinuoso
percurso da procissão que faz lembrar, com seus altos e baixos, o próprio curso
irregular e pedregoso de suas pecadoras vidas. Nessa cerimônia, secular e
comovente, seguem solenes, também, os andores levando as imagens de São João
Batista, o precursor de Jesus, Santo Antônio de Lisboa, lembrando a devoção dos
brancos portugueses, e as imagens negras de Santa Rita, Santa Ifigênia e São
Benedito, padroeiros, respectivamente, dos bantos, nagôs e cabindas (os povos de
origem da maioria dos membros daquela grande irmandade). Pela tradição, São
Benedito, que teria sido cozinheiro de nobres, é o santo que inspira, no profano
da irmandade, os banquetes e as guloseimas que se consomem durante todos os dias
daquela centenária comemoração festiva que dura, praticamente, todo o mês de
junho de cada ano. A imagem de São Benedito, em seus trajes de frade
franciscano, também tem olhos impressionantemente vivazes, num rosto negro
perfeito que contrasta com a alvura do Menino Jesus que ele carrega em seus
braços como o símbolo de sua dedicação e apreço pelas crianças abandonadas, das
quais é considerado como o eterno padrinho. Consta a lenda que, certa vez, um
antigo e malvado zelador da igreja, às escondidas, aproveitando-se de que os
altares estavam passando por reformas, torrou no cobre a imagem de São Benedito,
vendendo-a para o antiquário Salomão com o qual combinou de esperá-lo, com a
encomenda, na vizinha vila de Piedade. Segundo o que afirmam as pessoas mais
velhas do lugar, na calada da noite ia o zelador, soturno ladrão, carregando a
imagem imensa e pesada, enrolada e camuflada em uma coberta de algodão,
levando-a pelos caminhos tortuosos da Vila da Piedade, enquanto se ouvia, lá
dentro do mato, a cantoria dos caboclos - os espíritos dos africanos - batendo
em seus tambores: “Oi, São Benedito, óia lá, Quem anda comigo, Vai devagar...
“Oi, São Benedito, óia lá, Quem anda comigo, Vai devagar... Chegando à vizinha
cidade de Turmalina, o larápio ali não se encontrou – como fora combinado - com
o tal antiquário comprador, por mais que o procurasse por todos os cantos
daquele lugar, pois talvez tenha-se escafedido em razão de ter sido alertado
sobre o risco que corria, e assim, ali ficou ressabiado, perambulando pelas
ruas, ensandecido, desorientado e sem rumo e mais nunca voltou para a Vila do
Fanado, tendo assim desaparecido e jamais dando qualquer de suas notícias. A
imagem de São Benedito, misteriosamente, já pela manhã, reapareceu na porta
principal da Igreja do Rosário, na cidade de Minas Novas, todo vestido e
paramentado como se fosse um sacerdote pronto para a hora de celebrar uma missa!
Da mesma maneira que acontecera com a imagem de São Benedito, esta que seria tão
difícil de se esconder dado o seu imenso tamanho, ao contrário as imagens de
Santa Rita e Santa Ifigênia que, são bastante diminutas, parecem não ter tido
tanta importância como objeto de arte, embora se saiba que, na realidade, são
essas imagens bastante valorizadas não só pelo falto de merecerem grande
veneração por parte de seus fieis, como pela preciosidade que de fato são
consideradas no mercado negro da arte sacra, razão pela qual, também, são muito
cobiçadas pelos facínoras e, por este motivo, até já foram vítimas de roubos em
seus respectivos altares, muito embora nesses eventos, logo-logo os referidos
furtos fossem imediatamente desvendados e descobertos com seus paradeiros
devidamente localizados e os ladrões presos e punidos os quais, por
consequência, passavam a serem – misteriosamente - acometidos de terríveis
provações, enquanto estavam de posse daqueles objetos sacros roubados, retirados
dos altares, sofrendo eles de estranhas vibrações, como doloridos castigos que
eram sentidos pelos próprios ladrões, reduzidos a mequetrefes - pulhas e
abomináveis, cujos comportamentos se revelavam cada vez mais desprezíveis e
indignos, pelos quais se viam obrigados a devolverem-nos, imediatamente, ao
local de origem. E era assim que, de acordo com depoimento de João de Deus,
velho guardião da irmandade que faleceu com idade de 101 anos no ano de 2001,
quando ocupava o cargo de "general" da Guarda do Rosário, desde o tempo de seu
pai que se chamava Rufino e que a ele lhe passara o comando da Irmandade, ele,
quando ainda eram menino, naquela oportunidade ele mesmo assistiu à "consumição"
em que, numa situação idêntica, ficara um triste e pobre rapaz que tentou roubar
uma dessas imagens, tendo o tal do endiabrado sofrido com tamanhas e fortes
convulsões e inexplicáveis cãibras de sangue, até o momento em que se viu
obrigado a clamar perdão e ser obrigado à devolução do objeto roubado. Essa
misteriosa simpatia, que tem protegido o patrimônio material da Irmandade do
Rosário - e que já foi comprovada como da maior eficiência – contudo não elimina
a preocupação que os membros da irmandade têm tido na disposição de vigiá-la,
seja através da maior atenção e zelo da própria Guarda, bem assim através da
existência de um catálogo minucioso de todas as peças, da boa administração e da
preocupação atual de se instalar modernos equipamentos eletrônicos destinados a
sua constante proteção contra qualquer tipo de sinistro. O fato é que, das
igrejas da cidade, graças talvez a essa simpatia, a mais segura e que de fato
tem sido bem preservada é a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, a
única que tem intacto o seu rico patrimônio, ao contrário das demais que já
foram saqueadas até mesmo por bandidos já identificados como pessoas do meio
eclesiástico, mas que – infelizmente - continuam impunes. A MULA-SEM-CABEÇA
Afirmava Vicente Nicho, antigo acendedor dos lampiões da antiga iluminação
pública, que certa vez ele próprio teria visto, de bem perto, a figura da
terrível Mula. Segundo sua narração, estava ele abastecendo de carbureto um dos
lampiões que se localizavam próximos à Casa da Câmara, os únicos que tinham de
permanecer acesos durante toda a noite. Já era "mortas as horas" e o restante da
cidade já se encontrava totalmente às escuras e em absoluto silêncio. Os outros
lampiões, já apagados, eram abastecidos com querosene. O carbureto, naquele
horário, tinha como razão o fato de produzir uma claridade mais intensa -
necessária à melhor proteção do local – contudo com o inconveniente do cheiro
forte e desagradável que dó não perturbava a saúde dos moradores, porque as
casas de residências ficavam mais afastadas daquele local. De repente, notou o
funcionário foguista que a chama das lâmpadas iam aumentando, num crescendo
descomunal, em direção ao animal - ali surgido como por encanto - e que o
monstro possuía, no lugar da cabeça, um grande cadinho, para o qual o enorme
bicho sugava, para dentro de si, toda a luminosidade emanada do carbureto, como
se este fosse o seu combustível. Depois de sorvida toda a luz que emanava dos
lampiões a gás de carbureto, a mula sem cabeça, com sua imensa tocha flamejante
como se fosse um maçarico andante, saiu veloz e trotando pela Rua Direita,
tirando fogo na calçada, quando aplicou um violento coice na altura da última
janela do Sobradão, derrubando-lhe um pedaço do beiral do telhado, seguindo em
direção do largo das Cavalhadas e, no que ele pôde perceber, a fantasmagórica
figura, como se conhece muito bem o caminho, buscou seu refúgio e alojamento na
estrebaria da antiga Pousada, cuja porteira já estava aberta como se a esperasse
e para a acolher. Segundo o antigo funcionário municipal, naquela mesma data e
no exato momento da estranha visita, acabava de falecer, na cidade, uma senhora
"de boa família", que as más línguas diziam ter sido "mulher do padre", ou seja,
camareira piedosa do antigo vigário. Assim, ficou esclarecida a origem da
aterrorizadora personagem que ainda hoje, nas sextas-feiras sem lua, apavora e
amedronta a população de Minas Novas.
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DE COMO A IGREJA DE SÃO FRANCISCO FICOU SEM AS DUAS TORRES E O PORQUÊ DA CIDADE ESTAR, ATÉ HOJE, MAL
ASSOMBRADA ---
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Em minha terra natal, a gloriosa cidade de Minas Novas, empoleirada
sobre um dos bucólicos e hospitaleiros espigões do espoliado Vale do
Jequitinhonha foi ali que, no início do século passado, sucedeu uma das mais
reais e espetaculares incursões de Belzebu. Tudo aconteceu em virtude de um
antigo trato que naquela altura, certamente, transcorria esquecido pela parte
devedora e então cobrada. A insólita façanha se deu pelo fato de que o Coronel
Zebentão, então conhecido pela alcunha de Ferrabraz, desgastado chefe político
que ainda sonhava com os tempos da monarquia, haver-se empenhado corpo e alma
com Mefistófeles, em troca de poderes e riquezas. E assim, nos termos do
combinado, e já transcorrido e expirado o prazo que pactuaram, eis que em pleno
meio-dia o tempo se azedou, justamente quando uma forte ventania vinha lá das
bandas canhotas, com violentos raios, repetidos trovões e um lúgubre redemoinho,
quando apareceu o horripilante tinhoso surrupiando o ilustre defunto que já se
encontrava bem ataviado para o seu solene sepultamento, conforme programado. O
“dito cujo”, o “imundo”, o “coiso”, voou levando consigo o defunto,
desaparecendo dentro duma nuvem negra e impregnada de enxofre, carregando pelos
ares o presunto daquele que era o objeto da referida negociata e no lugar do
corpo escafedido, os seus familiares colocaram um boneco confeccionado de tronco
de bananeira devidamente complementado e encimado com uma oportuna caveira de
jumento, que acharam no quintal, recheando o féretro e ultimando assim, para
contornar o vexame, os preparativos do cortejo fúnebre até ao local dos enterros
que, segundo os costumes daquela época, era realizado nos porões da igreja que
hoje é a atual matriz de São Francisco de Assis, naquele tempo chamada Igreja da
Ordem Terceira de Nossa Senhora da Conceição do Bom Sucesso. Transcorrendo-se as
exéquias e no exato momento em que um dos prelados ali presentes aspergia o
ataúde, houve um pavoroso estrondo e o sol abruptamente se escondeu
irrompendo-se uma nova tempestade cujos raios, violentos, ceifaram as duas
torres que até então guarneciam aquele templo. Naquele prodigioso momento a
multidão, em desespero, procurou ganhar o Largo de São Francisco donde vinham
levantadas diversas vacas assustadas que ali se recolhiam devido ao repentino
escurecimento do dia, levando pessoas e padres nos chifres e a outros pisoteando
pelo caminho, causando uma azáfama sem precedente. Contou-me o ocorrido uma
velha tia-avó, que a tudo presenciou naquele fatídico dia de sua juventude,
quando ela própria sofreu sérios ferimentos, quebrando pernas e ficando aleijada
dos quadris pois foi arremessada aos ares por uma chifrada jamais esquecida,
tendo vivido apavorada e capenga, até há pouco tempo quando veio a falecer com
mais de cem anos de idade e tendo muitas outras revelações de passagens que
pontificaram a história de nossa cidade e de nossa gente, casos que procurei
registrar com bastante fidelidade, pelos quais tenho algum receio em divulgá-los
somente para não constranger os parentes das personagens envolvidas. O presente
caso, de qualquer forma, poderia ter sua autenticidade confirmada por um
acadêmico famoso, que se diz natural daquela antiga e mal assombrada comuna e
onde ainda existem bodes fantasmas, lobisomens, mulas-sem-cabeça e a fama de que
ali nada vai pra frente por causa do enterro de uma queixada de burro no lugar
de um defunto que fora excomungado até sua última geração. E para quem não
acredita em almas penadas e em outras entidades do mal é só visitarem a cidade
de Minas Novas onde se pode identificar, com bastante clareza, que ali estão
reavivadas as pegadas deixadas pela ação malévola daqueles que sempre carregam a
praga do atraso e do abandono, onde tudo hoje tem a chancela e a orientação no
sentido de uma derrocada sempre crescente, onde o clamor do povo e seu murmúrio
de forma inequívoca, dão a certeza de ter sido ele ludibriado e duramente
infelicitado com o resultado da união daquilo que sempre fora ruim com a outra
parte, também da pior escória, oriunda dos cafundós tenebrosos de onde só
poderiam ter vindo mais bagagem de rancores, dores e sofrimentos. E isso não é
brincadeira, não ... Nota Dizem que o castigo deu-se em virtude de que o coronel
José Bento Nogueira (Zé Bentão), declaradamente ateu e contrário à instalação do
bispado na Vila do Fanado, foi um grande perseguidor do Cônego Barreiros, tendo
ainda promovido a ruína e a demolição da Igreja Matriz de São Pedro, lindíssimo
e amplo templo que foi construído para ser a Catedral Sé da nova diocese. Como o
mesmo foi excomungado até à sua quinta geração e não podia ser enterrado em
terreno sagrado (dentro de uma igreja) tiveram que levar o ataúde, o seu caixão
contendo o arranjo que colocaram no lugar do corpo, para o terreno onde depois
foi construído o atual cemitério, cujo mausoléu ainda existe e fica do lado
esquerdo da capelinha atualmente desativada (Lá dentro da carneira, porém, se
forem desenterra-lo, haverá de ser encontrada a famosa caveira de um burro
velho.
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A VIOLA DE JOVELINO --
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“Oi, Jovelino, eu vim aqui pra passear, Oi, Jovelino,
eu vim aqui pra passear.”
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“o melhor da galinha é o ovo e a miséria do mundo é o
povo!”
"- Eu é quem não sabia que a ave sabiá era assim tão sábia...)"
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Jovelino, o caipira que verseja a sua filosofia de roceiro simples e analfabeto,
além de carapina - dos melhores que já vi e conheci - era um pensador que
matutava sobre tudo e que, para tudo que havia em riba da terra, tinha ele uma
sábia resposta.
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Às vezes, no meio da labuta de um desengrosso, ele largava a
tora de pau bruto, deixando-a ali de lado, assuntava o tempo, matutava na sua
cachola, chamava Rosa para junto de si, pedia-lhe um gole de café agarrava-se à
viola e ali ficava matutando, como se tivesse enfiando nas cordas os pensamentos
que tinha, estes que, como os circuitos de relâmpagos distantes, sem trovão,
estavam de repente ali traduzidos, como em transe a lhe atormentar, um banzo lhe
cutucando a lembrança, a cisma, a vontade de "num sei o quê" ou aquele
formigamento íntimo que ele não sabia de onde vinha, sem explicar o porquê de
ali estar, e que, dentro dele - um preto e pobre analfabeto - tinha de ficar ali
parado, remoendo na cabeça o que queria sair, mas que tinha dificuldade de
entender, querendo saltar pra fora, como se ele é que devesse de ter a sina de
adivinhar, de ser o portador de mensagens esquisitas e descabidas, mas que, logo
logo, ia clareando e permitindo-lhe começar, com os dedos, a traduzir em
ponteados e sonoridades, no formato de canções que faziam calar até o barulho do
tempo e que tudo, em sua volta, quedava-se para admirar o recado que nascia
daquele rústico instrumento que ele mesmo, um dia, fabricou a partir de um
pedaço de cedro.
-
“Oi, Jovelino, eu vim aqui pra passear, Oi, Jovelino, eu vim
aqui pra passear.”
-
Mas Jovelino vivia mesmo era de seu serrotão traçador, com a
sua velha e afiada enxó, com os formões, trados e toda aquela traia antiga que
se constituía em sua tenda(*). Fazia portas, janelas, travamentos, pilão, canga
de boi, roda de carro, moendas de descaroçar cana, algodão ou mamona,
almanjarras de engenhos, trempes, teares, coronhas de trabucos e polveiras,
pilão de gangorra, caixotão de purgar açúcar, esteios e soalhos, barrotes de
casas e de pontilhões, tábuas para fazer esquife de defunto e, com a sobra das
madeiras, fazia violas, rebecas, tambores e reco-recos. Mesas, camas, cadeiras,
armários e guarda-louças ele até que sabia fazer e às vezes fazia, mas não
gostava de fazer, não porque era arte difícil, mas porque isso era coisa pra
gente de luxo, freguês que gostava de dar palpite na arte, coisa para qual a
paciência dele era pouca. Escolhia o pau, lá dentro da mata, e ele mesmo o
derrubava, se a fase da lua assim o permitisse, arrastando sozinho levava o
tronco para a tripeça que ele armava ali perto, e o desfiava com o traçador, na
medida exata da encomenda, naquele vai-e-vem do seu velho, bem untado e
entre-travado serrotão que há mais de quarenta anos era a fonte de ganha-pão de
toda sua imensa e unida família. Contudo, como um legitimo ‘panta’(*), toda vez
que se dirigia à mata, para buscar uma tora de madeira, antes ele alisava o
tronco daquela árvore escolhida, ficava ali por muito tempo acariciando-a, a
admirar-lhe o porte, como se estivesse conversando com a arvore, justificando-se
perante a natureza, para dela receber a autorização de ser o encarregado daquele
sacrifício, e , segundo o que ele mesmo confessava, era para ele uma dor imensa
quando ele ouvia o som da árvore, ao ser derrubada ao solo. E, com o coração aos
pedaços, reunia mais forças para pedir o perdão, também aos passarinhos
desalojados, e recomendar-lhe, e também às sementes, para não se esquecerem de
cuidar da sombra para o descanso dos viajantes e que jamais se negassem de
servir-se como a fonte do calor, no inverno, e como fornecedores de flores e de
frutos para alegrar e para nutrir o homem, o filho mais amado de Deus, para o
qual todos os outros seres foram criados apenas para servir. --
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“Ai, que saudades dos violeiros
Lá do meu tempo de menino,
Já não existem mais carpinteiros
como o nosso saudoso Jovelino!.”
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A perfeição milimétrica das esquadrias, os encaixes, os cachimbos, as espigas e
os alongamentos que ele produzia na peça de madeira, era algo de causar espanto,
principalmente quando se tinha em conta que, além da precariedade dos recursos que
ele dispunha, e também a ausência dos cálculos, das planilhas e das escalas, das quais,
geralmente fazem uso os engenheiros e construtores, aquele trabalhador, além de analfabeto,
faltava-lhe as forças de um dos braços, atrofiado que era esse seu membro superior, que mal lhe permitia
segurar o garfo para comer ou o para firmar, contra o ombro, a sua viola na hora
de executá-la os ponteios. Como ele se arranjava, disto não se sabe, e nem ele
próprio explicava, esquivando-se até quanto às indagações da origem daqueles
seus conhecimentos.
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A casa onde morava Jovelino e sua família, lá na COMUNIDADE QUILOMBOLA DO MACURI, era sempre cheia de parentes e de
amigos que ali iam para buscar o calor de sua amizade, de vez que era esta a
única coisa que sobrava para dar, pois as bocas eram muitas e iam sempre
aumentando, na medida em que ali todos eram acolhidos da melhor forma possível.
Por lá, passei diversas vezes, vindo da Bandeira Grande, no tempo de meu avô
Durval.
-
E hoje em dia, fico eu cá com meus botões, matutando e avaliando sobre
tudo aquilo, e logo me convenço de que, após tanto tempo, foram-se com Jovelino
os segredos que naquele bom tempo continham essas suas reflexões, no que ele, na
sua natural sabedoria, queria repassar através daquelas cantorias dolentes e
cifradas, em línguas esquisitas que poucos entendiam e somente os moradores do
lugar às vezes assimilavam, ali do Macuco, pois eram evidentes o entendimento
que transmitia, das quais me foi impossível guardar qualquer registro.
-
Tenho, contudo, na minha lembrança, laivos de como que era emocionante de se ver, sob o
luar soturno do Macuco, talvez ali na reminiscência de um velho quilombo, a ação
involuntária de um simples carpinteiro, acompanhado de sua esposa Rosa, sempre
movido pelo seu instinto de calunga, nagô ou de cabinda convidando aos presentes
para acompanhá-lo, na improvisada e repentina “dança dos nove”, quando,
recitando seus versos, onde dizia da labuta diária, da vida de sua gente, da
sina de seu povo, ele se esmerava na sonoridade de sua viola, de uma forma tão
dolente e maviosa, linda se vê e ouvir, buscando antigos enlevos não mais
possíveis de serem encontrados nas folias de agora, quando não se transmitem os
sentimento de tanta beleza do passado, um cenário empobrecido e cada vez mais
sem perspectiva e sempre diminuído em razão de uma cultura que se vê apequenada
e menos civilizada.
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“OI JOVELINO, EU VIM AQUI PRA PASSEAR,
OI JOVELINO, EU VIM AQUI PRA TI LOUVAR.”
“OI JOVELINO, EU VIM AQUI PRA PASSEAR, PARA VÊ-LO COM A
ROSA NESSE BELO MANGANGÁ”
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LENDA TRISTE DO BOI QUILEU E DO PRIMO QUINÃO-O-ENTENDEU:
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PASCHOAL:
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“ - Passaqui paçoca, boi kalunga, Bicho alado, mau e mal bolado, Malungo do velho boi-mideu”...
Ocê foi pro baile, estropiado, como um boi-de-manta, no conhecido bailado de boi erado na buscada da Santa? Um
famoso boi, este não era o seu Mas de João Lelé ou de Canjola, De Chico-Panta ou
de Zé de Quileu?
Mas vamos dançar este boi?
Pois bem: em festa de Jacu, boi errado não entra,
E, quando entra, é oito ou oitenta,
Vira vaca ou se espaventa.
Triste sina deste boi fraco,
Que caiu no samba desse balé de um boy que sempre foi atoleimado...
Pois foi lá qu'ele, de um boi ralado comeu Ou, se ralou para
comer do dito boi, Que caiu n'água, afogou-se e morreu.
Coitado desse boi que se foi Tão cedo assim, ou se foi assado, que se atoleimou quando a tabuleta não
leu.
Foi-se a força do boi, como um boi doido que o chifrou e doeu. Como foi
qu'ele que ralou um boi de mamão, Sem ser sanhaço e mesmo assim sofreu? E foi-se
como um boi de mamão Que se deu uma demão em seu quibebe, Quando, lá, daquela
água babenta, Tanta baba de boi bebeu... E como não comeu do quibebe e do mamão,
se foi como uma demão de boi ralado, Tudo assim como o que se deu...
Pois foi lá na dita manga, onde se comia, junto do boi de Quileu, E ali, nem uma vaca ,
ainda se ralou só, se nem Si, nem Ré, nem Lá, sem Dó e nem Mi, Consigo, lá não
se ralaram? E quando foi que o boi Calado, Engalanado como o Veludinho de
Canjola, Foi-se enganado lá para o Brejo E lá se atolou, como uma vaca
atoleimada? Justo no Buraco do Córrego da Telena?
E por lá foi ficando Berola, Saindo fumaça pelas ventas, Sempre um boi do mugido amofinado,
Amorfo e mal falado? Um boi fugido e mal pago, Um boi Rufino, mufino e mal fadado Espoliado e
destinado a ser rifado ou Rufiado A ficar perdido na boca do povo Como um
lambe-sola ou rolabosta?...
Mesmo sem ser boi novo, um boi-do-cu-branco, Perdido
e agora achado nas barrancas do Fanado Continuará marido de uma vaca de
presépio, Amasiada com o touro que lhe enfeitou a testa com um par de cornos
acesos de vela e duas velas acesas no olho do Caracu, No dia do mastro, antes da
Festa de Jacu? (ou seria um cabresto, um látego, uma espora, ou as botas
perdidas de Judas com suas precatas sujas lhe enfiadas nas fuças?) Mas, afinal,
quem dançou o nove, Será o Mundinho que foi no dobrado da Banda de Taquara com o
Boi Careta Em dia de linda retreta Requebrando o trote pelas Pinguelas de Maria
Gorda, o estafeta? Ou foi o Zé do Gró, quem roubou o rosário de Nossa Senhora,
Uma ladainha comprida, Ou um cordão onde foi dado um nó? Ou se foi o Pontão, ou
foi o Zezão, Ou foi Pascoal, ou foi Tiago com o tição, na Rua da Pepeta,
sobrinha de Cesária? Todos, que naquela ora, Estavam dançando no salão de molas
Enquanto que Zé Goteira de opas Recolhia no balaio as esmolas? Ninguém viu e
agora chora. Aonde foi o boi-da-cara-preta, ao som do sino do Beleléu Que ao
sinal da sineta de finada Maria do Sininho, Pensou ser dia de Natal, sonhando
com a Vaca de Linda-Teta?
E quem, como rainha encostada, vem toda enfeitada de fita de seda pra ver a Festa de Junho Brincar no meio desta lenda, não seria uma
peta? Para que saborear do quentão com gengibre e canela Para que comer do
sobrecu do rei, Da galinha de cabidela, Se assim Tou Fraco ou capote? Se há sete
chaves guardando a senhora rainha, No meio do angu de caroço do Boi-Fubá do
Congado ou do boi-bumbá? Boi fugido quase na hora do doce e do frege, Levando na
cacunda o pote da comida da quinta-feira do angu Deixando pra trás, no cofre, o
seu dote? E não ficando nem aí, como se estivesse no ar, O eterno roedor de
pequi, carregador de defunto Que morreu lá nos cafundós do Gravatá Do Mata Dois,
do Macuco ou do Tamanduá?
Seria ele um boi sonso e insano, voador a sonhar, como
alma penada, Pobre sina a do Primo, vizinho de João Pio e Zé Louro, aquele que
ficou perrengue do juízo, e com pouco siso, ou de defluxo, sem nunca d'antes
conhecer luxo, virou o caboclo do beira-mar, Pois ficou sonso com uma bomba nas
mãos e os zóios acesos até embasbacar olhando o palácio do provedor da
Irmandade, em dias de girândola, que acabou de pipocar? (Ou seria essas bombas
acrobáticas Aquelas mesmas de Elias Piolho, a riscar? Ou uma Catirina de
Marcianinho, ou de Chico Fogueteiro a lhe purpurinar?
Ou essa artilharia não seria, Obra prima de Nego Tiné, a estoirar? Mas para quê teria ele, no meio de
seu proibido mister, Com um toco de braço e um pedaço de pé, Em arriscado
Espetáculo Pirotécnico cercado pelo círculo do Centauro, Tocado na cornija de
seu Migué, Rezando e tomando rapé? Mesmo não sendo um bravo boi, Ia ele de
janeiro a dezembro, Como um minotauro Sem fogos de artifício, Lançando-se ao
precipício? Quando o correto, o certo, o justo, o acertado, foi, é e sempre será
o eterno Boi-Mideu... de pé duro, treteiro, Magrinho, Sem carnes, Mateiro, Sem
terra, Sem dono, Sem dinheiro? Ser sempre um boi fino, Firme, fiel e todo seu?
Mas, agora, Óia o tulete, CALUNGA: Parangolé!!! Não seja sapo ou jacaré: Boi bom
é o que não baba Que sabe entrar na roda Que dança até rastapé.
Quem não é panda, nem ornintorrinco de eucalipto ou formigueiro, Não será um Boi doido, um boi sem
tino, Sem destino e em desatino, Poi sendo Boi Fanadeiro, Nunca si-fu, como se
foi... Mas, o fogo-apagou O carvão queimou Viu-se todo mato queimar. O Primo
endoideceu e feneceu!
Afogado, o Primo não morreu: Mesmo atoleimado, cismado, Foi pro céu: prá lá se arremeteu...
Geraldo mota. Minas Novas, sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
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BUMBA-MEU-BOI MIDEU
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Boi veludinho Eh! Boi de Sinhá. Ocê dança direitinho, Ou é mió num dançá ...
Boi veludinho, O’ véio gangá Cê vá rapidinho Pro brejo moiá.
Boi veludinho. Ô neguinho marruá: Ocê fica aí mansinho Ou nós vamu te assá!
Menininha bonitinha. Me dê cá seu cafuné Não entra aqui nesta dança,
Que não é coisa pra muié.
Minininha bonitinha. Dê-me aqui o meu boné, Não caia aqui nesta linha
Que não é festa prá muié.
Fui mexer lá na fogueira Tição rolou, queimou meu pé...
Dê um pulo na chaleira Traz pra mim um bom café.
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SHOTTING
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Aprendi dançar vilão Aprendi dançar vilão ... Não foi nesta terra, não
(bis) Aprendi com a alemoa (bis) Lá na terra do alemão BOI DE CANJOLA Boi
Veludinho Rabo de sola Boi bonitinho Boi de Canjola. Xô, xô, xô meu passarinho
Dia de Natal, branco e preto Tem que ir ver! Xô, xô, xô um passarinho Dia de
Natal, branco e preto Tem que viver! (Cantiga que acompanha a dança cadenciada e
ligeira que caracteriza o retorno dos candongueiros à Igreja dos Pretos, onde
vão recolher seus tambores após terem realizado suas "embaixadas" durante os
reinados e reisados). O BOI ME-DEU Boi, boi, boi Boi da coisa preta Dia de
Natal, Branco e preto Tem que vê Boi, boi, boi Boi da coisa preta Dia de Natal,
Branco ou preto Tem que vê.
O BODE DA MAÇONARIA –
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Com a transferência do “Dr. Magalhães”, levando para o Mucuri o seu estabelecimento comercial, sua banca de
advogado e sua loja maçônica, iniciou-se uma verdadeira corrida que culminou,
pouco tempo depois, com o completo esvaziamento da cidade de Minas Novas e o
consequente “inchaço” do distrito de Filadélfia, para onde se mudaram, também,
os principais comerciantes, fazendeiros, artesãos, oficiais e profissionais
liberais. Segundo a crônica popular, a antiga Vila do Fanado ficou como uma
cidade fantasma onde perambulavam os mendigos e os loucos que ficaram
abandonados, além de muitos dos animais que se negaram a acompanhar os antigos
proprietários, rumo à “terra prometida” de Todos os Santos e do Mucuri.
Dentre os animais, ficou da “arribada” um imenso bodogô, que por muitos anos foi o
mascote dos maçons, como era de costume haver um, daquela espécie, para os ritos
da Fraternidade, o qual não se deixou levar, de forma alguma, para o novo
endereço e tendo ficado ele, solto pelas cercanias do Fanado, onde passou a
imperar como requisitado reprodutor. Passando-se o tempo, o velho bode já não
contava com o vigor necessário para atender a imensa população caprina, que
passou a assediá-lo de forma mais intensa. Vendo-se acuado, certo dia, diante de
uma enorme fila de fêmeas que aguardavam sua vez, ele se apavorou e, procurando
fugir daquele aperto, subiu no telhado da Fazenda do Mirante e, dali,, alcançou
a torre da igreja, tendo sempre no seu encalço a multidão de cabras no cio, não
lhe sobrando outra alternativa senão a de se precipitar sobre os lajedos do
Córrego Manoel Luiz, onde teve morte trágica. Daí a fama, ainda hoje, do
histórico “Bode de Minas Novas”.
* * * *
(Fontes> Rubens Leite, Olympia Araújo, João Elisiário, Miné Cristianismo,
Monsenhor Otaviano, Manoel Magalhães, Lilia Mideldorff, Panjiru e Victor Nery.)
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O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA
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Somente durante a tradicional Festa do Rosário, que em Minas Novas anualmente se realiza durante
todo o mês de junho, principalmente nos dias 23, 24 e 25, quando a irmandade
está reunida, é que se retiram dos cofres as joias de Nossa Senhora, um razoável
acervo de medalhas, moedas, broches, cordões, brincos, diademas e coroas, de
prata, ouro e pedrarias, que fica depositada em custódia especial do Banco. De
todas as joias, entretanto, a mais valiosa e digna de admiração é o maravilhoso
rosário todo confeccionado com pedrarias encastoadas de ouro. Este rosário foi
um dos presentes ofertados à irmandade pela Princesa Isabel, bem antes da
abolição da escravatura, pois também foram presentes da Família Imperial, muitos
dos objetos de prata de lei que compõem o acervo, como pálios, tocheiros,
ostensórios e ambulas que durante as cerimônias sacras são utilizadas
solenemente. O vistoso rosário por um bom tempo ficou desaparecido, fazendo
recair em várias pessoas a suspeita de roubo, causando grande sofrimento não só
às famílias dos acusados, mas em toda a irmandade que congregava, praticamente,
toda a população da cidade, naquela época. A cada festa sentia-se aquele
constrangimento geral com o extravio da importante peça. Os festejos já nem eram
comemorados com tanta pompa e entusiasmo. As investigações não cessavam e certa
vez, resolveram apertar um dos suspeitos levando-o até a delegacia onde ele, aos
prantos e jurando sua inocência, pediu clemência a Nossa Senhora do Rosário
rogando-lhe que apontasse de alguma forma o verdadeiro culpado. Como estava
muito velho e doente, deixaram-no solto e ele retornou a sua casa, onde já
acamado e delirante, afirmava que o larápio seria encontrado, a qualquer
momento, morto e seco junto do precioso objeto desaparecido. Passado algum tempo
e aproximando-se o dia da festa, quando a irmandade, segundo os costumes se
reúne para a Lavação da Igreja, ao mandarem corrigir uma goteira encontraram um
ninho de coruja na cumeeira do telhado e entre velhos ovos não eclodidos a
ossada e as penas da ave, reluziam as lindas contas de brilhantes. Correram
todos à casa do principal suspeito para dar-lhes a boa nova: Encontraram-no já
agonizando, mas sorridente e com a expressão serena e calma das pessoas de bom
coração e de consciência tranquila, tendo sobre si uma velha bandeira azul e
vermelha com a qual durante muitos anos fazia na zona rural o "giro" da Folia de
Nossa Senhora do Rosário, um rito antigo que os padres ainda teimam em proibir
por julgá-los profano, encontrando nele laivos do candomblé, motivo da injusta
perseguição por parte das autoridades, utilizando-se dele como "bode expiatório"
naquela triste situação.
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PRAGA DE PADRE
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As pessoas mais antigas já diziam: “cuidado com o que o padre fala, pois praga de
padre é coisa muito perigosa”.
E, de fato, nas cidadezinhas do interior, quando os padres se manifestavam e demonstravam sua inconformidade ou contrariedade em
relação a fatos daquela época, era porque alguma coisa de errado, e muito séria,
estava ocorrendo. E, invariavelmente, não se passava muito tempo para que se
aflorassem os motivos daqueles posicionamentos que eram considerados, no
entendimento dos coronéis, como intransigentes, implicantes e retrógrados pelas
partes contestadas por aqueles religiosos. E sobre essas “pragas”, o que o povo
simples não entendia, é que se tratava do óbvio: os padres, por serem pessoas
dedicadas aos estudos, sendo cultos, experientes e observadores, eram mais
previdentes e podiam ver ao longe, sabiam analisar e calcular, estavam mais
preparados para avaliar, para aconselhar, orientar e opinar sobre atitudes e
antever, com clarividência, os resultados a partir de ações em que eram
importantes a observância dos fatores de risco e a lógica do planejamento
estratégico. Não se tratava, pois, de futurologia, de poder sobrenatural, dom de
adivinhação, de sortilégios ou outras crendices iguais a muitas em que ainda
hoje muitos, por serem ignorantes e cabeças duras, continuam acreditando. A
manutenção da miséria e a manipulação da ignorância do povo simples sempre
constituíram em poderosa condição habilmente utilizada pelos políticos
corruptos, de todos os tempos, com o objetivo de se perpetuarem no poder. E
qualquer liderança mais equilibrada, responsável e bondosa, dotada de visão e de
inteligência para enxergar criteriosamente a realidade, suas consequências e
seus desdobramentos futuros, era imediatamente taxada como pessoa visionária,
como agente perigoso e, portanto, combatido como feiticeiro, bruxo e inimigo. -
Nesse sentido, são muitos os exemplos de antigos padres tidos como “milagreiros”
que passaram para a história como verdadeiros profetas. No Vale do Jequitinhonha
tivemos vários deles, que foram combatidos pelos coronéis, perseguidos
ferrenhamente pelos fazendeiros e políticos que viam naqueles sacerdotes grandes
opositores de seus regimes de opressão e de exploração do povo sofredor e
ignorante. - Em Chapada do Norte (a vetusta e histórica Vila de Santa Cruz da
Chapada, que fica a menos de 3 léguas de nossa cidade) tivemos o exemplo do
Monsenhor Mendes, cuja vida de contestação a seus próprios parentes, é um triste
episódio da igreja católica em nossa região, pelas injustiças que foram
cometidas contra aquele grande benfeitor, cuja vida foi de sacrifícios,
tormentos e privações, como descreve em seu livro uma de suas sobrinhas que se
tornou famosa em razão de ser a primeira mulher mineira a se formar em medicina.
- Em Francisco Badaró, (a aprazível vila de Sucuriu, que fica logo depois de
Chapada do Norte), é venerada a memória do Cônego Bernardino, que em razão de
sua ferrenha defesa dos interesses de seu povo e de sua gente, foi sacrificado
em toda sua existência, passando por perseguições políticas e religiosas de toda
espécie. - Em Minas Novas tivemos, no final do século XIX e início do século XX,
a figura benfazeja do Cônego José Barreiros da Cunha que passou por atentado
contra sua vida, quando lançaram, do alto do Sobradão, um imenso bloco de
granito que perfurou o teto da casa e esmagou o catre em que ele sempre dormia,
mas que, por milagre, naquela noite o religioso tinha preferido ficar
contemplando seu breviário, orando em frente de seu crucifixo, na pequenina sala
de sua residência que ficava ao lado daquele antigo prédio. E toda sua vida,
como pároco dessa cidade, foi uma sucessão de calúnias e de perseguições, de
toda natureza, que, inclusive, inviabilizaram seu acalentado projeto de
transformar a paróquia em Diocese de São Pedro do Fanado, culminando com a
criminosa demolição da magnífica Igreja Matriz dedicada ao Príncipe dos
Apóstolos, em que os iconoclastas se valeram até do poder de dinamites para
derrubar as paredes daquele templo, como forma de eliminar qualquer
possibilidade de que fosse retomado o ambicioso plano. Consta da tradição que
aquele vigário, indignado com o posicionamento passivo do povo, a favor dos
políticos de então, vaticinou o crescente atraso que se abateria sobre a região,
pelo menos enquanto durasse o poder e o mando daqueles que o perseguiram. E aí
estão os resultados, que todos podemos ver e sentir, refletidos nos baixos
índices de desenvolvimento humano, números vergonhosos se comparados com os
apresentados até mesmo por cidades vizinhas. Seriam pragas? Evidentemente que
não, pois se trata, tão somente, do resultado de ações passadas, da somatória
dos efeitos perniciosos que ao longo de décadas vem produzindo os antigos males
do tradicional costume de dominação, desde aquela época do carrancismo, quando
os mandões só sabiam enganar e explorar a boa-fé da população, distribuindo
migalhas em troca de votos e de bajulações. E para conseguirem perpetuar esse
domínio, reproduzido pelos seus sucessores e seguidores jamais permitem o
desenvolvimento cultural, a melhoria das condições de educação e de ensino, no
esforço contínuo e determinado para que todos continuassem, ainda como hoje, na
ignorância, na dependência e na miséria, esperando pelos empreguinhos, pelas
sinecuras e pelos favores.
-
Nas décadas de 1950-1960 e 1970 tivemos a valente atuação do Padre WILHEMUS JOHANNES LELILEVEL, o saudoso PADRE VILLY, sempre
lutando contra a exploração política do povo, principalmente das comunidades
localizadas ao longo da Chapada de São Domingos e Rodovia da Definitiva, desde o
município de Carbonita, até Virgem da Lapa, abrangendo toda a região dos atuais
municípios de Turmalina, Leme do Prado, Minas Novas, José Gonçalves de Minas,
Chapada do Norte e Berilo, passando pelas localidades de Acauã, Posses,
Mandassaia e Leliveldia. Esse religioso jamais concordou com a ideia de se
entregar essas chapadas, através da Ruralminas, para que nelas fossem
implantados os projetos de reflorestamento, o que só vem acontecendo depois da
sua morte, o que aconteceu a menos de 10 anos, pois enquanto ele teve vida e
forças ele sempre desafiou o poder das autoridades regionais, denunciou a ação
coordenada dos políticos, grileiros, advogados de reflorestadoras, juízes e
donos de cartórios, que durante décadas montaram uma verdadeira quadrilha para
transformar em devolutas todas as terras da região e entregá-las a preço vil às
grandes empresas do Eucalipto, muitas que ainda atuam na degradação ambiental,
sob frequentes mudanças de titularidade, com a condescendência, a anuência e a
conivência das prefeituras e das lideranças que nada fazem a favor da população.
-
O padre Villy, em razão de seu trabalho em defesa dos sertanejos, dos groteiros,
dos migrantes e dos menos favorecidos pela lei, ele foi perseguido por políticos
de grande influência em todo o Vale do Jequitinhonha, foi suspenso de sua ordem
religiosa e proibido pelo bispo de Araçuaí de exercer suas funções sacerdotais.
-
Por várias vezes teve que comparecer ao Fórum de Minas Novas, onde era humilhado
e ameaçado. Contudo, jamais se deu por vencido e dizia sempre que a implantação
do eucalipto era a maior miséria que poderia acontecer em todo o Vale do
Jequitinhonha. Seu desejo maior era que o governo construísse diversas barragens
(como Irapé), para a geração de energia e implantação de pequenos projetos de
lavouras irrigadas, o que poderia transformar toda a Chapada de São Domingos
numa região de grande produção de alimentos (grãos e de frutas), a exemplo da
região do Jaíba.
-
O mesmo processo de perseguição foi orquestrado contra os
saudosos Padres JUSTINO e JOSÉ LÁVIA, cujos falecimentos prematuros têm
características que levam à evidentes suposições de terem eles sofrido
constrangimentos psicológicos e traumas de várias naturezas que resultaram em
doenças graves e irreversíveis. E também ambos deixaram documentos escritos em
que revelam suas indignações, ao tempo que conclamam o povo para melhor refletir
sobre esses males que entravam o progresso e o desenvolvimento de nossa região.
- Nunca houve, de fato, qualquer “praga de padre”. - Houve, sim, em grande
quantidade, muita imprevidência e falta de Inteligência por parte da população.
-
E tudo o que ocorreu, depois, não foi por falta de boa orientação e de alertas, por parte daqueles mesmos
padres, os quais foram simplesmente ignorados.
- E um dos principais alertas, que ferem nossos ouvidos e doem em nossa alma - nos dias atuais - é contra a nossa absurda
impotência de reagir contra os desmandos e o pior, o de nada podermos fazer para
obrigar a SÃO PEDRO nos trazer bastante chuva para revitalizar nossos rios,
riachos, córregos e lagoas, de vez que, Infelizmente não temos direito nem
credibilidade, junto ao Santo Padroeiro de nossa Paróquia, justamente porque
preferimos, no passado, ultrajá-lo e deixar que nossas antigas lideranças
colocassem abaixo a sua gloriosa Igreja Matriz. Essa, sim, talvez seja uma
vingança ou uma praga, mais que justa e verdadeira, da qual só o Bom Deus, quem
sabe um dia, poderá nos livrar, a todos, de seus terríveis efeitos. Lalau Mota
terça-feira, 8 de dezembro de 2015 MINAS NOVAS – UM EXEMPLAR RARO DE GEMA
MINERALÓGICA Minas Novas - pedra rara, talvez um diamante de tamanho impar, de
beleza insuperável e de valor incalculável. Na literatura mineralógica ha a
referencia do termo “minas novas” como uma espécie de gema desaparecida, isto é,
variedade mineral exaurida e extinta no meio natural. Os exemplares raros -- dos
quais se tem vagas noticias -- possivelmente estão entesourados, não catalogados
ou ainda guardados a sete chaves em poder de colecionadores e museus. O termo se
refere, também, aos novos descobertos de veios auríferos na região do rio Fanado
(Tamboá), cujas ocorrências se verificaram no século XVIII, logo após a
decadência das “lavras velhas” ou “minas velhas”, referência às regiões de Ouro
Preto, Mariana, Sabará, Raposos, Caeté, Congonhas, Santa Barbara e outras. As
pedrarias sempre foram muito valorizadas, no entanto era o ouro o mineral mais
cobiçado pelos colonizadores, pois ate mesmo os diamantes eram desconhecidos no
Brasil, ate quando foram reconhecidos, acidentalmente, no antigo arraial do
Tijuco (hoje Diamantina) onde as referidas pedras eram utilizadas apenas como
tentos para marcar jogos de gamão.
-
O antigo município de Minas Novas (Vila do Fanado), que compreende o território onde se localizam todos os municípios do
Vale do Mucuri e a maioria dos municípios do Vale do Jequitinhonha, é
considerado como uma das maiores províncias minerais do mundo, com uma enorme
variedade de elementos raros e valiosos, dentre eles alguns muito pouco
conhecidos como o urânio, o lítio, o wolfrand, o silício, o tungstênio e o
antimônio, além do diamante (minas novas?), ouro e pedras coradas de grande
importância econômica e cientifica, na indústria bélica, de instrumentos
ópticos, de aparelhos de precisão e na joalharia. Está comprovada a ocorrência,
na região do Ribeirão do Meio, Forquilha e do Bonsucesso, onde permite-se
exploração econômica ainda não viabilizada, de calcita (caulim), florita e talco
(minerais largamente utilizados na indústria farmacêutica e de cosméticos), de
barita (bário, utilizado em material fotográfico), na região de Jacu, Rubim e
Debaixo da Lapa, monazitas (bório, ítrio, etc) nas Mangabeiras, Pimenteiras e
Ribeirão da Folha, rochas de itabirito (ferro) na região do Cansanção e
Capivari,, de quartzos (para cerâmica branca e vidros) em quase todo o
município) e silicato de berilio (crisoberilo “olho de gato”, safiras escuras,
esmeraldas, malacacheta, etc.) na região do Gonçalo – Caieiras - Olaria –
Córrego das Almas.
A MULA SEM CABEÇA
A MULA-SEM-CABEÇA
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Afirmava Vicente Nicho, que era o encarregado de acender os
lampiões da antiga iluminação pública, que certa vez ele próprio teria visto de
bem perto a figura assombrosa e terrível da famosa Mula. Segundo sua narração,
estava ele abastecendo de carbureto um dos lampiões que se localizavam próximos
à Casa da Câmara, os únicos que tinham de permanecer acesos durante toda a
noite, quando tudo, de repente, ocorrera e daquela visão ele nunca se esqueceu.
Já eram "mortas as horas" e o restante da cidade já se encontrava totalmente às
escuras e em absoluto silêncio. Os outros lampiões, já apagados, eram
abastecidos com querosene. O carbureto, naquele horário, tinha como razão o fato
de produzir uma claridade mais intensa - necessária à melhor proteção do local -
com o inconveniente do cheiro forte e desagradável que não só não perturbava a
saúde dos moradores, porque as casas de residências ficavam mais afastadas
daquele local. De repente, notou o funcionário foguista que a chama das lâmpadas
iam aumentando, num crescendo descomunal, em direção ao animal - ali surgido
como por encanto - e que o monstro possuía, no lugar da cabeça, um grande
cadinho, para o qual o enorme bicho sugava, para dentro de si, toda a
luminosidade emanada do carbureto, como se este fosse o seu combustível. Depois
de sorvida toda a luz que emanava dos lampiões a gás de carbureto, a mula sem
cabeça, com sua imensa tocha flamejante como se fosse um maçarico andante, saiu
veloz e trotando pela Rua Direita, tirando fogo na calçada, quando aplicou um
violento coice na altura da última janela do Sobradão, derrubando-lhe um pedaço
do beiral do telhado, seguindo em direção do largo das Cavalhadas e, no que ele
pôde perceber, a fantasmagórica figura, como se conhece muito bem o caminho,
buscou seu refúgio e alojamento na estrebaria da antiga Pousada, cuja porteira
já estava aberta como se a esperasse e para acolher. Segundo o antigo
funcionário municipal, naquela mesma data e no exato momento da estranha visita,
acabava de falecer, na cidade, uma senhora "de boa família", que as más línguas
diziam ter sido "mulher do padre", ou seja, camareira piedosa do antigo vigário.
Assim, ficou esclarecida a origem da aterrorizadora personagem que ainda hoje,
nas sextas-feiras sem lua, apavora e amedronta a população de Minas Novas. * * *
* *
EVOCAÇÕES HISTÓRICAS
EVOCAÇÕES HISTÓRICAS
VICTOR FIGUEIRA DE FREITAS
EVOCAÇÕES HISTÓRICAS
(Victor Figueira de Freitas)
No ano de 1969 o autor acima lançou, pela EMIL- Editora Mimeográfica Ltda, o livro EVOCAÇÕES HISTÓRICAS, a meu ver uma publicação interessante, sui generis, - datilografada e mimeografada – (talvez uma pequena tiragem) - que contém preciosos relatos de um engenheiro de estradas que demonstra, além do zelo em pesquisar a história de seus antepassados, uma admirável capacidade de conduzir o seu texto com a qualidade vista apenas na redação dos bons escritores, dando-nos a melhor impressão de sua cultura e sensibilidade. É de se admirar, também, o seu grande esforço no sentido de pesquisar, com todo cuidado, paciência e segurança, todas as informações de que precisava para montar a sua “árvore genealógica”, percorrendo os lugares mais distantes onde viveram e trabalharam seus antepassados, a exemplo do que ocorreu com seu avô Dr. Francisco Lourenço de Freitas que, logo depois de chegar de Coimbra (Portugal), onde se bacharelou em direito com apenas 22 anos, seguiu imediatamente para a cidade mineira de Minas Novas, nomeado pelo Imperador para ali exercer o importante cargo de JUIZ DE FORA, tendo ali permanecido durante o período de 1825 a 1828. Ao buscar essas informações, contidas nos autos judiciais de cartórios e outros registros antigos que ele encontrou, fazendo minuciosas buscas nos arquivos da Comarca de Minas Novas, ele não se limitou apenas a coletar os dados sobre o que deixou documentado o seu ilustre avô, mas foi recompondo todo o ambiente histórico em que vivia o culto magistrado. E o fez de tal forma, como se estivesse usando uma objetiva focalizando-a através de uma “máquina do tempo”, que nos deixou nítido panorama de nossa cidade, daquela época.
O avô desse escritor era muito jovem, embora culto, quando foi nomeado juiz, o segundo bacharel a comandar a Comarca de Minas Novas, logo depois que esta foi criada em 1809 (sendo que o juizado de fora foi criado por alvará de 22 de janeiro de 1810).
Em Minas Novas ele permaneceu solteiro e se dedicando exclusivamente à organização do serviço judiciário, a partir de 1825, permanecendo até 1828 quando o dito juiz Dr. Francisco Lourenço de Freitas foi transferido para a Vila de São Sebastião, sua terra natal, e com o mesmo cargo de juiz de fora, sucedendo ali ao seu contemporâneo na Universidade de Coimbra – Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marques de Paraná. Trata, então, casamento com sua prima – Anna Leopoldina de Oliveira – filha de Manoel Gonçalves de Oliveira e sua mulher, D. Anna Eufrosina de Sant’Anna Lopes.
(Geraldo Mota)
Veja, a seguir, trechos do livro citado:
“VIDA ACIDENTADA E EXEMPLAR DE JUIZ
A Capitania de São Paulo – que abrangia o território das ‘Minas do Ouro’ ou ‘Minas Geraes’ – só veio a se desmembrar da Capitania do Rio de Janeiro em 1709. Tal separação pode ser atribuída a uma das várias consequências – aqui em Minas – das ‘ordenanças’, instituídas principalmente para efetivarem em benefício da Metrópole, vale dizer da Coroa, a segurança nos caminhos e dos lugares de exploração do ouro.
Começava-se, desse modo, a dar a devida importância ao interior bravio depois que o Cap. Gal. Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho aqui estivera, como mandatário d’El Rei D. João V, nas terras do Rio de janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Pouco tempo mais permaneceu Minas ligada e sujeita a São Paulo, pois que em 1.720 separava-as a Metrópole para criar a Capitania das Minas Gerais. Era isso, por assim dizer-se, uma das conclusões indiretas, inevitáveis, da tese formulada na estrênua e prolongada “Guerra dos Emboabas”.
Uma região de Minas Gerais, no entanto – lindeira[1] à da Bahia – nunca pertenceu a São Paulo, nem mesmo logo após seu devassamento[2] em 1.727. E é essa justamente a que faz jus ao inicial exame para focalizar a personalidade a que se quer referir a epígrafe desta crônica.
Quase nas raias da Bahia e, de início, pouco abaixo do mais setentrional território mineiro urbanizado, Minas Novas desde a criação, em 1728, da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy, ora sob jurisdição total da Bahia, ora repartida – quanto aos foros civil, eclesiástico e militar – entre esta e Minas Gerais. Por fim, em 1760, integrou-se exclusivamente na jurisdição civil, eclesiástica e militar desta última.
Mas não pode negar Minas Novas, por suas mais entranhadas e longevas tradições, a grande influência que ali sempre foi exercida pelos paulistas. Primeiramente por parte dos bandeirantes: Fernão Dias Paes (que perlongou a região antes do devassamento), Domingos Rodrigues do Prado, Braz Esteves, Sebastião Leme do Prado (parente de Fernão Dias, o que faz supor tenha partido deste a sugestão de por ali se internar à frente da primeira leva que devassou o local da futura Vila), e seus acompanhantes: irmãos Francisco e Domingos Dias do Prado. E é de se assinalar que a principal artéria urbana da atual cidade de Minas Novas tem o nome de “Sebastião Leme do Prado”.
Depois do devassamento e já criada a “Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy”, fez-se ali sentir a influência – ora baiana, ora paulista – na sua vida comunitária, costumes e várias de suas manifestações.
O primeiro “juiz de fora” togado que para ali vai com a “vara branca” do cargo (os ordinários, locais, eletivos ou de vintena – usavam-na de cor vermelha) é de origem baiana – o Dr. Bartolomeu José Vahia; o segundo, cronologicamente, é um paulista vindo da Vila de São Sebastião e formado em Coimbra em 1824 – o Dr. Francisco Lourenço de Freitas.
E a influência ali das cousas ou fatos ligados a São Paulo, age de tal forma que ilustre mineiro de Piranga – Justiniano Coelho Duarte – pai do que viria a ser o patriarca de uma das famílias tradicionais de Minas Novas, adotou o sobrenome “Badaró” acrescentando-o aos de Coelho Duarte, desse modo agindo levado pelo sentimento patriótico nativista que lhe despertara o assassinato na capital paulista a 20 de agosto de 1830 do médico e jornalista italiano – Giovanni Líbero Badaró, Diretor do Observador Constitucional” – quando apoiava e estimulava o movimento nacionalista, precursor da Abdicação de D. Pedro I a 7 de abril de 1831. E, assim, irradiando de Minas Novas pelos seus descendentes para todo o Brasil, o culto perene à memória daquele mártir.
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Fica assim, linhas atrás, convenientemente explicado o interesse de um paulista integrado há mais de meio século na comunidade e família mineiras – como me prezo de estar- pelas cousas de Minas Novas, onde aquele que viria a ser meu avô paterno ali exerceu, de 1825 a 1828, a primeira função pública de magistrado. Lá deixou ele traços marcantes de sua vigorosa personalidade, despachando processos e autos, muitos dos quais vinham do tempo da Colônia e do Reino Unido, originários que eram alguns deles de muito antes de 1808.
Essa afanosa vida e o cenário onde ela transcorreu – primeiro aqui em Minas, antes de decorrer em nossa terra paulista – procurarei relatar em alguns lances incisivos, filiando-os à sua genealogia ancestral e nomeando-lhe os descendentes.
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Dois ramos diferente de “Freitas”, vindos de Portugal, chegaram ao litoral paulista em duas épocas próximas e ali mesmo radicaram-se os do segundo ramo, antes de irradiarem para o interior paulista, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O primeiro ramo, pouco mais anterior nessa vinda – os Nunes de Freitas – criaram raízes na Ilha de São Sebastião, na “Vila Bela da Princesa” ao depois de terem alguns deles exercido funções públicas na “Vila de São Sebastião”, no litoral a ela fronteiriço, onde João Nunes de Freitas, oficial de “Ordenanças” de S. Sebastião em 1727, é promovido ao posto de “Sargento-Mór da Vila de São Sebastião e seu Distrito”, cargo que exerce até o ano de 1733.
O segundo ramos, aportando em São Sebastião em meado do século XVIII, os Lourenço de Freitas, menos andejos e sempre avessos às especulações de ordem mercantil, traziam a tinêta avoenga – cultura, amanho do solo, e estudos de todas as letras, sagradas e profanas – mantendo e honrando a tradição herdada e vinda do Minho e de Coimbra.
O representante-padrão deste ramo de Freitas foi o Dr. Francisco Lourenço de Freitas cuja vida procurarei focalizar. Seu pai, Antônio Lourenço de Freitas – português, natural de “S. Miguel de Fontoura”, termo de Valença do Minho, arcebispado de Braga – era filho do casal José de Freitas e D. Luiz Lourenço, sendo J. de Freitas filho de Bento de Freitas e D. Marianna Ferreira, todos estes também da referida localidade: “S. Miguel de Fontoura, arcebispado de Braga”.
Antonio Lourenço de Freitas, nascido em 1758, casou-se em 1783 na Vila de S. Sebastião (onde adquirira prestígio, riqueza e posição social saliente como Sargento-Mór local) com D. Antônia Maria Pinheiro, Essa D. Antonia M. Pinheiro, ou D. Maria Antonia Pinheiro, era filha do Sargento-Mór Manoel Dias Barbosa e sua mulher D. Ignácia Gomes de Moraes. Teve o casal Antonio Lourenço de Freitas – D. Antonia Maria Pinheiro, os seguintes filhos com assentamento na “Genealogia Paulistana” de Silva Leme, Título Lemes, cap. 5º, pag. 483:
1- Anna Josepha, casada em 1805
2- Maria, casada com Antônio de Carvalho, da Praia Grande
3- Gertrudes, casada c/ seu primo Manoel Dias Barboza Sobrinho
4- Rita
5- Ignez
6- Antonio Lourenço
7- Manoel Lourenço
8- José Lourenço
9- Francisco Lourenço
Desses nove filhos, alcançaram maior projeção o 7º e o 9º. O 7º, nascido em 1795, ordenado sacerdote em S. Paulo, com processo “de genere” arquivado na Cúria Metropolitana, veio a ser, cronologicamente, o 13º Vigário da Vila de São Sebastião. Morava em sua companhia a irmã mais velha, Anna Josepha, que batizou com o capitão Domingos de Freitas o seu irmão mais moço, Francisco Lourenço de Freitas. Este último – aos 17 anos de idade – tendo já se preparado em instrução primária e secundária em S. Sebastião, foi mandado em 1819 por seu pai a Coimbra para lá se bacharelar, pois que não havia ainda no Brasil escola desse nível superior, o que viria a ser feito pela Lei de 11 de agosto de 1827, assinada pelo Visconde de S. Leopoldo, Ministro do Império, criando dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de S. Paulo, outro na de Olinda.
A 26 de junho de 1824 – contando 22 anos de idade – recebia ele seu diploma de bacharel pela Universidade, talvez a mais antiga da Europa, pois que – fundada em Lisboa em 1290 por El Rey D. Diniz, da Dinastia de Borgonha – fora transferida para Coimbra em 1308 pelo mesmo Rei.
Regressando de Coimbra para S. Sebastião, logo em seguida, 1825, segue para a Vila de N. Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy – pouco antes desmembrada do foro civil da Província da Bahia – para desempenhar o encargo de Juiz de Fora. Nomeação essa provinda das autoridades judiciais do Império, na vigência do 3º Gabinete da então recente Monarquia, presidido por Estêvão Ribeiro de Resende, Marquês de Valença, sendo a pasta da Justiça ocupada por Clemente Ferreira França (Marquês de Nazareth).
Em Minas Novas pude encontrar – profusa e variada documentação de sua permanência naquela longínqua região, àquela época de difícil acesso, porém certamente mais importante, povoada e rica do que a que eu visitava, pelo que pude depreender vasculhando seus Cartórios e interpretando-lhes os documentos que examinei que pude merecer de dois intelectuais dos quais aproximei e tornaram-se meus amigos: o Dr. Antônio Mello Martins, Promotor de Justiça, e o Farmacêutico Agenor Santos.
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JUÍZES DE FORA
A origem do título “Juiz de Fora” e a própria função que lhe era atribuída, são antiquíssimas. Datam de 1352, como se poderá recordar.
D. Afonso IV – Rei de Portugal, da dinastia Borgonha, que em 1325 sucedeu a D. Diniz – foi quem principiou a mandar “Juízes de Fora” para residir em lugares do Reino durante um certo tempo. Vale dizer, juízes de fora permanentes e não ambulantes como os corregedores “por presumir o direito que, sendo estranhos, sem na terra terem parentes nem amigos, compadres, companheiros e bem ou malquerenças, ódios com outrem – podiam resistir às prepotências dos poderosos, castigar os seus excessos sem ficar expostos à vingança dos mesmos poderosos e, assim fazerem melhor justiça do que os naturaes das terras”. (Resumo este de sua Carta de Ley, datada de 1352).
Com a chegada desses juízes cessava a jurisdição dos juízes ordinários ou juízes eletivos. Para esses cargos de Juiz de Fora, principalmente para lugares de maior importância (e era tal o caso de Minas Novas em 1824) exigia-se expressamente que os nomeados fossem “leterados e entendudos”, como eram conhecidos os juristas.
A atual cidade de Juiz de Fora, demarcada em 1840 pelo engenheiro geógrafo Henrique Guilherme Fernando Halfed, homenageia essa magistratura de vara branca (os ordinários, eletivos, da terra, usavam-na de cor vermelha) pois que o lugar é a antiga povoação de “Santo Antônio do Parahybuna de Juiz de Fora”, elevada a Vila em 31 de maio de 1830 e a cidade a 2 de maio de 1856, com o nome resumido atual de Juiz de Fora.
A organização judiciária do Brasil ao tempo da Colônia e do Reino Unido, prevalecendo até quando se operou a Independência, compreendia os seguintes titulares: Desembargadores, Corregedores, Provedores, Julgadores, Juízes de Fora, Juízes Ordinários, Juízes de Vintena (espécie de Juízes de Paz), Alcaides, Ministros e Oficiais de Justiça e de Vintena;
Advogados formados em jurisprudência, poucos havia no interior do país, pois que raramente os vindos da Coimbra se disponham a se internarem pelos sertões. Supria-se-lhes, então, a falta com a prata da casa: os solicitadores “licenciados” – antecessores dos rábulas – e aqueles sapientíssimos reverendos versados em “Cânones”, que enxertavam o latinório, mais como prova de erudição do que mesmo para apoiar e reforçar os argumentos expendidos.
Os mais antigos papéis do foro, por mim pacientemente compulsados em Minas Novas, que fazem referência alguma a Juízes de Direito. Mas em grande número deles se lê que “o vereador mais velho, na forma da Ley, estava desempenhando atribuições de Juiz de Fora, distribuindo Justiça nas povoações do Termo e sujeitas à Vila”. Em certo processo encontrei também que o “Presidente da Câmara de Vereadores, na forma da Ley, estava desempenhando atribuições de Juiz de Fora em logares compreendidos no Termo”.
Vale a pena explicar que a denominação de “Vila” aplicava-se sob o ponto de vista administrativo; a de “Termo” correspondia à alçada judiciária; a de “Comarca” atendia a uma e outra dessas alçadas, administrativa e judiciária. “Diocese”, Freguesia” e Paróquia” eram divisões oficiais de âmbito eclesiástico e que intervierem, em parte, nas outras alçadas até que se separou a Igreja do poder civil, em 1891.
Grande, e por vezes ousada, a preponderância e indicativa desses magistrados de “vara branca”. Por exemplo depois da posse do primeiro Presidente da Província de São Paulo – Lucas Antônio Monteiro de Barros, Visconde de Congonhas – ocorreu em Taubaté a rebelião do seu Juiz de Fora, Cel. Manoel da Cunha Azevedo Coutinho Souza Chinchorro que proclamou na velha cidade (fundada pelo Sargento-Mór de Santos, Jaques Felix, em 1636) nada menos que o “regime absoluto”. E o mais interessante e típico do prestígio d autoridade rebelada contra a Constituição recém outorgada, a 25 de março de 1824, é que esse movimento foi acompanhado por algumas localidades da Província, próximas do Vale do Parahyba.
Juízes de Fora foram criados em Vilas de Minas Gerais antes de o serem para outras Vilas mais antigas de S. Paulo. Assim, na Vila de N, Snra. Do Bom Sucesso de Minas Novas do Araçuaí o juizado de fora foi criado por alvará de 22 de janeiro de 1810, ao passo que na Vila de S. Sebastião essa criação somente seria feita 7 anos depois, isto é, pelo Alvará de 9 de outubro de 1817. Releva notar-se que denotava isso ser a primeira mais importante e culta que a segunda e merecendo, portanto, maios cedo a presença daqueles “leterados e entendudos”. No entanto, S. Sebastião tinha nessa ocasião renda anual só inferior à das cidades de S. Paulo e de Lorena, e superior às de Taubaté e Itu. Mais ainda: Lorena, minha terra natal, a esse tempo era tão importante financeiramente que uma de suas artérias urbanas denominava-se “Rua dos Ourives”. Decorrência isso de seus opulentos fazendeiros de café, com suas residências na cidade e por isto necessitando de ornamentos para jaezes e seges de seus usos, ali fabricados pelos ourives.
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Curiosíssimo o que se nota em certos autos por mim folheados em Minas Novas: citações em latim por parte dos reverendos advogados e até dos solicitadores. Mas nos despachos, às vezes longos, do “Juiz de Fora” Dr. Francisco Lourenço de Freitas nunca precisou ele se apoiar nessa exibição de sabedoria. Num deles cita e comenta um “Ato de 1690”, evidentemente das “Ordenações do Reino”, e fulmina os arrazoados sapientes dos Reverendos, diplomados em Cânones.
Mais instrutivo ainda o que se depara em autos de Processo iniciado muito antes da Independência e vem por ali afora se arrastando até que, em 1826, esse mesmo Juiz de Fora remata o curso, que parecia interminável, da arenga (Querela) como era então chamada na linguagem forense. Tinha ela ido até à “Casa de Suplicação do Brazil, na Muy Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro” e de lá viera gastando, só de volta – com escala obrigatória pela Vila do Príncipe, sede da Ouvidoria, cerca de 10 meses – aí incluída a indispensável e rápida demora no Foro desta última.
E era característica da época e do meio rural o assunto versado na “falsa querela”, como a chamou o Rev. Advogado do acusado. Vinha a ser a imputação de roubo praticado por um graúdo a outro milhafre, seu vizinho, da sua esposa e mais 100 mil reis” em dinheiro de prata, afora fazenda seca avaliada em 200 mil reis”. Pareceu-me, da leitura dos autos, que o traído, abandonado esposo, teria dado mais apreço às “pratas” e {a “fazenda seca” do que propriamente à sua “cândida” esposa que não seria, por certo, fazenda tão seca. Teria ele, talvez, suas razões íntimas para tal juízo, conforme deixa discretamente transparecer o atilado Ver. Advogado do acusado.
Essa “Casa de Suplicação do Brasil” – precursora do atual Supremo Tribunal Federal, ora vegetando em Brasília reduzido no número de seus membros e de suas atribuições – já era uma unificação do que, em 1808, D. João VI aqui tinha encontrado com as duas “Relações”, a da Bahia e a do Rio de Janeiro, na Cúpula do aparelhamento judiciário do Reino Unido. Os órgãos da judicatura no Brasil, àquela época recuada eram: Corregedores de Comarca, Ouvidores Gerais, Provedores, Contadores de Comarca, Juízes Ordinários e de Órfãos (eleitos), Juízes de Fora, Jurados, Juízes de Vintena.
Tão acidentada e longa era a viagem para Minas Novas – ao tempo em que o Dr. Francisco Lourenço de Freitas foi ali servir como Juiz de Fora – que em pleno 14 de outubro de 1822 (pouco antes, portanto, da ida do juiz paulista para lá em 1825), que encontrei quando ali estive demoradamente em 1960, um Processo digno de menção interpretativa. Nele se diz – quando o Imperador D. Pedro I já tinha sido aclamado solenemente no Rio de Janeiro, a 12 de outubro de 1822 – a fls. 42 verso do mesmo: “Dom Pedro de Alcântara, Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves – Regente deste Reino do Brasil e nelle Lugar Tenente de El- Rey meu Senhor e Pae, etc.”. Isto assim era dito ingenuamente e assinado a 14 de outubro de 1822 na Vila do Príncipe, pelo “Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, em nome de sua Alteza Real, o Príncipe Regente do Brasil”.
A notícia da Independência só veio a chegar na Vila do Príncipe, sede da Comarca do Serro Frio, em abril de 1823 e em Minas Novas muito depois – entre agosto e outubro desse ano – isto é, quase um ano depois de 7 de setembro de 1822.
Talvez tenha havido cautela a respeito de boatos presumidamente falsos ou se tenha aguardado a rendição do General Madeira, na Bahia, a 2 de julho de 1823, pois que as distâncias do Rio de Janeiro à Vila do Príncipe e a Minas Novas, pelos caminhos então existentes – segundo o fidedigno padre Ayres do Casal – eram, respectivamente, de 99 e 135 léguas. E estas vencíveis a cavalo, àquela época, em 15 a 20 dias para a primeira e 38 a 40 dias para a segunda.
Para afirmar esta última assertiva, basta que se diga, por exemplo, que a notícia da Abdicação de D. Pedro I, no Rio de Janeiro, a 7 de abril de 1831, chegou à Vila do Príncipe na noite de 22 daquele mês e ano.
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MINAS NOVAS – TRADIÇÕES ORAIS – INFLUÊNCIA NO DESTINO DO “ALFERES DA LIBERDADE”.
Escritos de alguns, e escassos, cultores da história pátria trazem às vezes alguma luz sobre o passado de Minas Novas. O mais corrente, no entanto, é sair ele um tanto “confuzionado”, como acontece naqueles luxuosíssimos cartapácios editados pelo IBGE e redigidos pelos literatos ficcionistas da Estatística. É que em Minas Novas não há quase tradição, veraz, escrita conservada; o que prevaleceu sempre foi a tradição oral, moldada ao sabor dos que a transmitem, torcendo-a não raro, seja por ingenuidade seja por exagero enfático de apreciação regional.
A despeito disso, há ali elementos para ser reconstituído um passado de que nos devemos orgulhar. Naquela região se encontram os mais antigos devassadores dos nossos sertões; uns, vindos do sul – os paulistas – e outros, caminhando ao arrepio das correntezas do rio de S. Francisco e do Jequitinhonha – os nortistas. Trazendo os do sul – gado para engorda e alimento das levas andejas; os instrumentos; as ferramentas; a pólvora para os mosquetões – em troca com os do norte, do sal gema local; couros crus e mantimentos de cultivo regional.
Disputam entre eles, nem sempre em boa harmonia, e já preparam aquela grande confusão ainda não de todo esclarecida (Capão da Traição) na nossa História: a Guerra dos Emboabas.
O chamado “ciclo do couro” de que nos fala Capistrano de Abreu, deixou ali indeléveis traços de sua permanência: não só vestuário, chapéu, utensílios mas até mesmo em pertenças de fabrico de habitações. É que o minério de ferro não existia por ali naquelas alturas setentrionais e era o boi que o devia substituir; catres, alforjes, portas, cordas, sacos, cornetas, caxambus, tabaqueiras, tudo tinha que ser fabricado com auxílio do boi.
O saudoso Guimarães Rosa – grande observador das nossas cousas rurais – descreve cenas em que, nos vãos externos das habitações, couros crus esticados se ostentam, protegendo-as do vento e da chuva e ao mesmo tempo servindo de anteparo a balázios de visitantes inamistosos.
Mas o mais curioso pude eu ver em Minas Novas: Ali como em frente a Malhada, na margem direito do Rio de S. Francisco, lado de Minas, encontrei tiras de couro cru, juntando as ripas aos caibros e substituindo pregos que, tanto numa como na outras dessas regiões, não havia nem se podiam fabricar, por falta de minério de ferro. Chegou-se ao cúmulo de usar essas tiras de couro cru, ligando adobes como amarrilhos em paredes que lá estão no “Sobradão”, desafiando as intempéries. E o que permaneceu mais estável sempre no mesmo tom, foi a tradição de certas usanças e festejos: o “mutirão” (“puxirão” paulista); a “festa da capina”, a “festa do doce” no dia do Reinado. O “velório”, forma originalíssima de mutirão creio que ainda inédita em seu registro antes deste. O “velório”, genuinamente nortista-baiano, com cantigas – as “inselências” – dirigidas ao defunto exposto na entrada da habitação – exaltando-lhe os méritos e façanhas -- entremeadas de distribuição profusa de comida, de farofa de galinha e repetidos goles de cachaça servidos ao auditório – tudo para espantar o frio da noite tanto quanto o maior inimigo do tabaréu: o “tinhoso”, o “pé de pato”, o “chifrudo”.
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Não obstante ser um tanto demorada, vale bem a pena uma viagem a Minas Novas, a passeio. Existisse ali um bom hotel, diria eu mesmo que deveria ser estimulado o turismo histórico, para constatar muita coisa que não se vê em nenhuma outra cidade antiga de Minas ou da Bahia.
Não só o “Sobradão”, o mais alto edifício de adobes com pés direitos de esteios de madeira de lei que se levantou no Brasil àquela época, chama a atenção dos que ali chegam, O sobrado em que estão agora instalados os Correios e Telégrafos – grandioso como os vetustos prédios coloniais – com porta ampla na frente, trabalhada em almofadas salientes, característico do barroco, e ornada de aldrabas de ferro, vistosas e funcionais, para as pancadas de aviso e chamada – serviu de sede para a “casa dos contos” (ou dos “Quintos”) em que se avaliava a taxação do ouro a ser expedido para fora, para as “Casas de Fundição” onde seriam tornadas barras, com o respectivo timbre calcado em uma das faces.
Defronte quase desse sobrado, em rua estreita, está a Capela de São José, igreja diferente de todas as outras talhadas pelo risco antigo e ali apresentando linhas originais, não existentes em nenhum dos templos antigos das cidades coloniais de Minas Gerais e, mesmo, de todo o Brasil incluída a Bahia.
Lembrando, por fora tanto como por dentro – não obstante as modestas proporções do conjunto – as igrejas-catacumbas dos antigos cristãos ou, mais propriamente aquelas capelas de Portugal do tempo das pelejas com os Mouros, quando ainda não se cuidava do estilo barroco.
É que está ali magnificamente representado o estilo “copta”, trazido até Minas Novas pelos frades franciscanos e capuchinhos, que chegaram àquelas paragens nos albores de sua descoberta e se dedicaram à catequese dos índios “Botucudos” aguerridos, aldeiados no “Alto dos Bois”. A “galilé” da entrada da capela é típica e só ela seria bastante para caracterizar, identificando-o, o referido estilo de que está ali em Minas Novas, talvez, o único exemplar no país reproduzindo como que em miniatura, a Igreja Cristã de Alexandria.
Outro monumento que se impõe à nossa veneração, está ali no Largo da Matriz. Por sinal que a antiga Igreja de S. Pedro – Padroeiro de Minas Novas – não mais existe, pois foi vandalicamente demolida em 1922, sob o pretexto de ser ela de adobes e ter grandes peças de madeira de lei que poderiam ser empregadas na construção de ponte sobre o rio Fanado, o que veio a ser feito e levada a ponte por enchente do mesmo, pouco depois... O referido monumento é a pequena casa térrea no alinhamento da praça (àquela época casa de maiores proporções no lado trazeiro) onde se hospedou Joaquim José da Silva Xavier em 1768, quando lá esteve – tropeiro e “pixileiro” (funileiro) que era, a caminho da Bahia.
Ali naquele Largo, frente à casa modesta em que se hospedou, deu o futuro Alferes da Liberdade o primeiro testemunho de sua inconformação com a Tirania, protestando aos berros e, depois, agredindo a murros e pontapés um “comboieiro” de escravos que os trazia à venda e espancava-os naquele “Kaquende”.
Preso – em cadeia que não deixou vestígios para sua localização por mim tentada quando lá estive, levando-me supor ter sido detido em interior de capela, já desde há muito demolida – suportou ele a prisão durante cinco dias e viu-se depois reduzido à miséria por ser obrigado a vender a sua alimária e pertences, tais os ônus da “carceiragem” que teve de enfrentar para se ver solto.
Foi essa, afinal, a causa de ter ele, na sua volta para Vila Rica e de lá para o Rio de Janeiro, em 1769, com 22 para 23 anos de idade assentado “praça” no Esquadrão de Cavalaria da Guarda dos Vice-Reis, no Rio de Janeiro, onde serviu até junho de 1776.
E vem a propósito esclarecer que o futuro Alferes assentou mesmo praça de soldado ou anspeçada em 1768 e não como diz o Sr. Herculano G. Mathias em seu recente livro “Tiradentes através da Imagem” a pag. 12: “... sentando (sic) praça a 1º de dezembro de 1775, investido diretamente, nesse dia, na graduação de alferes”.
A casa em que se arranchara o “pixiliero” Joaquim J. da Silva Xavier era de propriedade do Capitão de Cavalaria Auxiliar – Domingos de Abreu Vieira – antigo vereador do “Senado da Câmara” de Minas Novas, o qual se não pôde livrar o seu arranchado da cadeia e das custas elevadas da “carceiragem”, ao menos deve ter influído na sua aproximação de círculos militares para posterior ingresso no aludido “Esquadrão de Cavalaria”. Fica assim mais aproximada da verdade – do que a referida no livro do Sr. Herculano Mathias, a pag, 12, em que palpita ter havido redução de soldos e expedição de convites para ingresso na Cavalaria Paga – a admissão de Joaquim José da Silva Xavier na carreira militar.
A amizade entre ele entabulada em Minas Novas veio a se estreitar e Domingos de Abreu Vieira, português de origem, já então Tenente-Coronel, seduzido pelas ideias de emancipação do Brasil pregadas pelo seu antigo hóspede, de quem se tornara amigo e admirador, veio a tomar parte saliente e atuante na “Conjuração Mineira”.
Pena é que se tenha prestado ao triste papel relatado no “Documento de Évora” em que ignominiosamente se assina, dirigindo-se ao Visconde de Barbacena: “... seu Humilde escravo”.
Mas isso não tira de Minas Novas o seu maior galardão cívico: o de ter propiciado o destino glorioso do “Alferes da Liberdade”.
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MINAS NOVAS E O PROBLEMA MÁXIMO DA REGIÃO EM QUE SE SITUA
Minas Novas, desde quando subordinava exclusivamente à Bahia, teve o seu grande problema posto em equação e não resolvido até os nossos dias: o da comunicação com o mar e com o resto do país, notadamente com a sede do governo da Província depois Estado, vale dize com a Belo Horizonte de agora.
Sua posição geográfica naquela latitude semelhante à de Guaicuí, no Rio das Velhas, mas sem o Rio de S. Francisco como estrada rolante; sua quase impenetrabilidade defendida por elevados divisores de águas, fizeram sempre da região um refúgio. O tema é digno de maior estudo sociológico: o que poderia explicar não terem ali imperado “mandões” armados de gatilho como os teve a região sanfranciscana. O tipo de devassadores, e a época relativamente recente dos descobertos, em parte explicam o fenômeno. Mas a própria falta de caminhos fáceis é que cabalmente esclarece tudo.
O que é fato é que aquele isolamento sempre impressionou os filhos ilustres da região. Recordemos alguns desses pronunciamentos.
“Em 1811 o Cel. Bento Lourenço Vaz de Abreu e Lima fez exploração de uma estrada pelo Vale do Mucury até S. José do Porto Alegre, pretendendo ligar o norte de Minas ao litoral”.
Esta exploração, como muito bem disse o Dr. Miguel de Teive e Argollo, em seu opúsculo – Viação Férrea do Norte de Minas – “attrahiu a atenção do ilustre ministro de D. João VI, o Conde da Barca, o qual mandou abrir uma estrada que de Minas Novas se dirigisse ao Oceano. E, para maior equilibrilidade de tão grandiosas ideias, mandou fundar pelo seu agente, Joaquim Marcelino da Cunha, em Caravellas, uma fazenda de culturas nas margens do Mucury, a 72 quilômetros acima de S. José de Porto Alegre, estabelecimento este que foi depois abandonado por causa dos ataques de índios, tendo-se também deixado de levar a efeito a estrada com a retirada do Conde da Barca para Portugal”. Das “Notas Históricas do Município de Theophilo Ottoni” por Reinaldo Ottoni Porto.
Mais tarde, 1836, o presidente da Província de Minas, Desembargador Antônio da Costa Pinto – mandou explorar as matas compreendidas pelos vales dos rios Mucury e Todos os Santos, no intuito de escolher um lugar em que pudesse estabelecer uma colônia de degredados e vagabundos. Era a velha mania de tentar a colonização rural e regeneração de malandros com os elementos indesejáveis nas cidades. O engenheiro Pedro Victor Renault, encarregado dessa exploração, apresentou um circunstanciado relatório, nele citando: “... o estado de decadência em que encontrou a Vila de Minas Novas e atribuindo-o ao esgotamento das terras de cultura e à obstrução das lavras de ouro, devido ao sistema obsoleto de “talho aberto”. Essa judiciosa e avalizada opinião viria a ser mais tarde reforçada, em fevereiro de 1851, pelo então engenheiro militar, então capitão, Inocêncio Veloso Pederneiras que atribuía o declínio das minerações de ouro de Minas Novas como consequência da melhor vantagem econômica da exploração de Assuruá, na Comarca de Xique-Xique, na Bahia. Essa iniciativa arrojada fora de Paulo de Frontin conforme pude recordar em conferência pronunciada por mim na Sociedade Mineira de Engenheiros, em 1960, ao ensejo do transcurso do 1º Centenário do seu nascimento. Nela relatei o detalhe significativo de ter Frontin, pessoalmente, dirigido a canalização d’água na extensão de 40 quilômetros, em caminha aberto na selva com extensão de mais de 400 quilômetros, a partir da última estação da estrada de Ferro.
O notável Relatório do Eng. Militar Inocêncio Velo Pederneiras, reproduzido no “Dicionário Geográfico do Brasil”- explicando-lhe a origem – do declínio do índice demográfico de Minas Novas em passado recente quando relata: “Sua população urbana intramuros apenas tocará 3000 almas, isto é, menor do que pode comportar o número de seus prédios, o que é, sem dúvida, uma justa expressão do decrescimento do seu comércio. Pouco tem a fazer o camponês em uma povoação onde não encontra mercado para o produto de sua lavoura, e não mais numerosos são os mercadores que queiram aceitar, em troca de suas fazendas, objetos que eles não podem entregar aos seus credores em satisfação aos seus compromissos”.
Tudo isso, no fundo, consequência forçada pelo declínio das minerações agravadas pela dificuldade de acesso àquelas paragens outrora florescente e povoadas.
Bem dizia o já citado Dr. Victor Renault: “Com a navegação do Mucury, o Governo poderá tirar da penúria a que está entregue a Comarca de Minas Novas”.
Sua exposição, apoiada pelos Srs. Cel. Honório Esteves Ottoni, Antonio Joaquim César, Francisco Fulgêncio Alves Pereira e Silvério José da Costa, foi enviada ao Palácio do Governo Provincial de Minas, em Ouro Preto, a 18 de maio de 1846 e naquela viagem sem volta e sem despacho, deve agora estar gozando a placidez do nosso venerando “Arquivo Público Mineiro”.
Não desanimaram, no entanto, os Ottoni e em 1847 segue-se a organização da “Companhia do Commercio e Navegação do Rio Mucury” dirigida por Theophillo Benedicto Ottoni. Datavam de 1841 os primeiros esforços empregados por ele na abertura de comunicações do norte de Minas Gerais com o mar. Entendia ele que seriam mais bem empregados os esforços e recursos para ligar, por estradas e navegação dos seus rios, o norte de Minas com o Rio de Janeiro e com a Bahia – nos portos de mar de Porto Seguro e Caravelas – do que para ligar Mariana e Ouro Preto ao Porto de Vitória pela “E. F. Victória a Minas” aquele mito que consumiu tantas verbas e deixou sem ligação vários trechos atacados.
E o algodão de Minas Novas, famoso desde antes da visita de Saint-Hilaire e por ele citado em admiração de 1818, só esse justificaria uma ligação mais para o norte, porque mais próxima dos centros de consumo europeu.
Hoje a situação não está radicalmente mudada: se não temos ali, como outrora, o algodão selecionado para exportar, tem a região pouco mais ao sul o abundante e excelente minério de ferro que mais economicamente se beneficiaria sendo exportado pelos aludidos portos.
A respeito da iniciativa de Teófilo Ottoni, relata Cristiano B. Ottoni: “... faz nascer e mostrou ser praticável uma ideia política, aceita pelo Marquez de Paraná, advogada por vários deputados, mui bem recebida pelas populações a quem interessava”.
Trata-se de criar uma nova Província contendo a comarca de Jequitinhonha e parte das do Serro e S. Francisco, em Minas Gerais, a de S. Matheus no Espírito Santo; as de Caravelas e Porto Seguro na Bahia. Facilitaria isso o roteamento de extensíssimas matas e daria à Província de Minas Gerais um porto de mar, libertando-a da alfândega do Rio de Janeiro.
Com tanta confiança se entregou Teófilo B. Ottoni à árdua tarefa que em 1853 se decide a fundar a cidade de “Philadelphia” (hoje Teófilo Ottoni) e desenvolve e acoroçoa ali a colonização de imigrantes alemães, e um engenheiro dessa nacionalidade é por ele posto à frente de vários empreendimentos: o Eng. Shloback. Um esforçado e culto engenheiro naval, então 1º Tenente, José Carlos de Carvalho (que viria mais tarde, em 1888, a se notabilizar pelo transporte até o Rio de Janeiro do meteorito “Bendengó”, caído em 1784 à margem do riacho Bendengó na “Villa de Monte Santo” do sertão da Bahia, também presta em 1853 seu concurso nos estudos e “reconhecimentos” da estrada de Santa Clara. Colaborando assim para a ligação de “Alto dos Bois” – a 10 léguas de Minas Novas – com a cidade de Filadélfia.
Lutou Ottoni pela sobrevivência da Companhia por ele organizada e pela realização de seus patrióticos objetivos, mas o ministério de 1º de agosto de 1860 na pessoa do Conselheiro Luiz Pereira do Couto Ferraz, Ministro da Fazenda, fez-lhe guerra surda, que haveria de solapar aquele generoso programa apenas iniciado. Mas Teófilo Ottoni não cedeu desde logo. Sabendo que no regresso da viagem ao norte do Brasil o Imperador D. Pedro II passaria pelo Canal de Abrolhos, dirige-se até lá para recebê-lo e ao mesmo tempo solicita, por carta, às autoridades de Minas Novas, que o secundem...
Tudo, no entanto, debalde. E ele mesmo relataria depois: “As esperanças eram por demais lisonjeiras, mas desvaneceram-se todas na tarde de 25 de janeiro de 1860, na barra de Caravellas, e com mais presteza do que a fumaça dos navios da esquadra Imperial, que se desligou por aqueles mares e, rápida, desapareceu no horizonte deixando-nos descoroçoados”.
*.*.*.*.*.*
Um outro homem ilustre daquela região – o Dr. Francisco Coelho Duarte Badaró, nosso antigo representante na Corte Pontifícia, em Roma, quando Senador estadual em 1919, no governo Arthur Bernardes, fez extensos comentários na Assembleia Estadual e estrenuamente trabalhou pela intercomunicação por estradas e pela ligação daquele norte mineiro – rico e isolado – com o litoral. Lembrava ele, com muito acerto: “Desatravancar um rio é mais econômico do que construir uma estrada de ferro”.
Não faltou, portanto, o concurso e a tenacidade da parte dos filhos daquela região para tirá-la do isolamento e do marasmo.
Depois, voltou o angustiante problema à baila e três modalidades de providências se impõem, hoje como outrora:
1º - Estradas de rodagem que permitem e incrementem o Turismo.
2º - Ligação com o porto de Caravelas, na Bahia, (tornado accessível aos navios de grande calado), no que só diminui a distância para o embarque do minério de ferro como o aliviaria nas taxas do transporte para os Estados Unidos e Europa. O excelente minério de ferro da zona de Itamarandiba (vastíssimos depósitos de hematita compacta, com 68,6 por cento de ferro, isenta praticamente de fósforo) só ele justificaria esse programa,
3º - Interligação da Vitória-Minas, Central do Brasil e Leste Brasileiro. Isso ao invés de extinguir a Bahia - Minas, deficitária porque justamente ali é que se processa um espantoso estrangulamento da economia da região centro-leste do país.
*.*.*.*.*.*
NOTA DO EDITOR
=================
Tomei a iniciativa de compilar esse texto com o objetivo de levar ao conhecimento de meus conterrâneos um pouco da nossa história, escrita por um cidadão que foi movido tão somente pelo interesse de pesquisar a vida de um de seus ancestrais que, lá no final do século XIX, exerceu em nosso município o importante cargo de “juiz de fora”.
O autor dessas memórias históricas, para nossa felicidade, cumpre um grande serviço ao nosso município, descrevendo de forma espetacular um período do qual não se tem outros registros, como de resto quase nada se registrou a respeito de nosso passado, em razão do desleixo ou da omissão que bem caracteriza as nossas lideranças, que muito pouco ou quase nada fizeram no sentido de se preservarem os documentos que noticiassem à posteridade sobre os feitos que se realizavam no cotidiano de nossa comunidade.
Sendo assim, sem querer me apropriar de qualquer mérito que não seja o de ter realizado a pesquisa, deixo bem clara a minha intenção que é a de facilitar estudos, preservar nossa história, ao tempo que louvo a importância daquela autoridade judicial, pioneira de nossa Comarca, que muito honra nossa história, assim como devo registrar a grandeza de seu neto, como pesquisador, como historiador e, acima de tudo, como zeloso descendente que procurou – de forma exemplar e admirável – buscar na fonte os registros sobre a memória de seu digno ancestral, um homem digno de todo nosso respeito e elevada consideração.
Espero, desta forma, que este trabalho não esteja ferindo direitos de terceiros, mas que sirva de incentivo aos estudantes de meu município que queiram se dedicar à pesquisa e conhecer mais um pouco sobre a história de Minas Novas, um dos municípios mais antigos de Minas Gerais e que não tem merecido, por parte dos estudiosos em geral, a dedicação de maiores aprofundamentos na apuração de sua origem e de sua trajetória na formação cultural, política, econômica e social da vida brasileira.
Belo Horizonte (MG), novembro de 2015
Geraldo Magela Mota Coelho
MINAS NOVAS, uma terra de muitas histórias -- com suas lendas e seus causos --, na narrativa do jornalista que viveu e conviveu com a maior parte de seus personagens:
MINAS NOVAS, O VIGÁRIO PADRE FRANCISCO TURTURRO, O SEU JEEP DE QUATRO PORTAS E O
POLÊMICO PROJETO DE CRIAR EQUINOS PARA ABATE.
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Em toda cidade pequena, cheia de lendas e superstições, há o tabu de que não se
pode falar mal de padre e, sob este aspecto a nossa bucólica Minas Novas, daquela época,
não fugia e nem foge à antiga regra. Naquele período eu, ainda criança, era um dos mais
de 20 coroinhas na Igreja Matriz e, um dos nossos encantamentos infantis, era o de passear,
pelas ruas da cidade, levados pelo vigário no tal jeep de quatro portas,
adquirido pelo Pe. Francisco Turturro. Fomos passear, algumas vezes na "Fazenda"
(Vargem dos Guedes, localidade que fica a 10 km, seguindo-se na direção de
Chapada do Norte, passando-se pela Fazenda da Bandeira Grande, Sítios do Macuco,
Capivari e Ribeirão do Meio) terreno que ele, o padre, adquiriu com a finalidade
(projeto) de ali implantar uma criação de cavalos, talvez uma ideia meio maluca
ou estapafúrdia, que consistia em criar, engordar e abater equinos pra consumo
da carne, a qual ele incentivava como alimento saudável e nutritivo, sendo que,
até mesmo, chegou a sacrificar alguns daqueles animais e distribuir na cidade,
gratuitamente, a quem se dispusesse adquirir o produto, ao qual não havia
restrição sanitária ou legal, fornecendo-a para muita gente que consumia e
aprovava aquela nova iguaria, até então considerada extravagante na dieta e na
mesa da maioria dos minasnovenses. Dizem as "más línguas" que o insucesso do
projeto foi um castigo, porque o vigário estaria desviando o dinheiro que se
arrecadava com a finalidade de reedificar a Igreja de São Pedro, sendo que os
comentários se intensificaram, ainda mais, associando-se a polêmica instalada
quanto ao sacrifício dos animais ao um incidente que colocou em risco a vida do
referido sacerdote, naquela data de um certo dia de verão em que não havendo no
céu sequer uma nuvem anunciando a chuva, repentinamente começou um terrível
temporal exatamente quanto ele descia o morro da estrada que vem da Chapada do
Norte, provocando uma enorme enchente, bem na hora em que ele estava
atravessando o Ribeirão do Bonsucesso (na antiga passagem, acima do Poço do
Moinho -- quando ainda hão havia o pontilhão -- naquele momento em que as águas
barrentas e volumosas levaram, correnteza abaixo, o jeep, a carretinha e o
carregamento de carnes que ele transporta e pretendia vender na feira do mercado
municipal. O padre não sabia nadar, mas foi salvo por alguns meninos que estavam
assistindo o espetáculo da enchente. Depois daquele susto, adeus jeep de quatro
portas, adeus carretinha, adeus carnes de cavalo, adeus a construção da
"catedral", que, na verdade era o principal projeto dele, o de construir a nova
matriz de São Pedro, conforme pretendia-se que seria edificada no mesmo local
onde havia o antigo e histórico templo, erigido em honra ao Padroeiro da
Paróquia, tradicional Igreja Matriz que, na década de 1920, foi criminosamente
demolida (terreno em frente ao Sobradão, onde hoje é a rodoviária de Minas
Novas). Em razão dos maldosos comentários que se seguiram, o padre Francisco
Turturro desgostou-se de seus projetos, pediu ao Bispo que o transferisse para
Teófilo Otoni, onde se ingressou na Ordem dos Franciscanos e ali, com o hábito
dos capuchinhos e os votos de pobreza, adotando humildemente o nome de Frei
Bento, mais nunca voltando a nossa cidade.
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