sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010



O BLOCO DO TIQÜÍ

O irreverente Tiqüí (1) meteu o pé na “etiquara(2) quando o dia ainda era de grito de carnaval (3), antecipando-se, em seus ímpetos de folião inveterado, aos grandes bailes de fantasia para os quais já estavam sendo ensaiados no bonito salão encerado e muito bem enfeitado do CRAMN(4), sob o minucioso empenho e detalhamentos que bem caracterizavam a administração do seu presidente e maior carnavalesco, o saudoso Dr. Agostinho da Silveira(5).

Era aquele dia, portanto, o dia de sábado, véspera do domingo de momo, quando é de regra se iniciar oficialmente aqueles festejos, os quais no calendário são datas móveis, quando o tradicional folião já se achava estirado como um guerreiro abatido, desfalcando o time das inolvidáveis figuras populares que alegrava a cidade.

E nesta lamentável condição de derrotado pelo excesso etílico, na cáustica observação de seu irmão Clery(6), permaneceu o incauto folião recolhido ao aconchego de sua casa, mas em débito com a etiqueta (7) e castigado pela micareta (8), pois bebeu toda a pinga com jurubeba a que fazia jus em sua cota diária, tendo esgotado com sofreguidão a famosa reserva de “Flor da Noite” (9) de seu boteco, antes mesmo que os dias da alegria bem começassem.

A lombeira(10) que lhe obrigara jiboiar em riba do giráu(11), num quarto escuro, até o raiar da quarta-feira, só dignou-se de recobrar-lhe a consciência quando o jazz "Fa-La-Si-Mi-Queres"(12), no salão do antigo Teatro Municipal(13) já tocava os últimos acordes estridentes de "A Colombina" (14) e “Cidade Maravilhosa" (15).

Meio atordoado ainda, com uma cachoeira zumbindo nos ouvidos e aquele gosto de guarda-chuva velho que o fazia ingerir canecas e mais canecas d'água de fubá(16), atentando-se o convalescente pela sonoridade que o despertou de um coma de pinguço, resolveu ele saltar imediatamente da cama onde ficara, sem o saber, naqueles três ou quatro dias, procurando logo tomar um rápido banho de cuia, meter no corpo meio doído e de qualquer maneira sua recorrente fantasia de borboleta azul(17), que havia ficado ali de lado o esperando para os bailes, muito bem engomada e dependurada no cabide, e já estando ele descendo o último degrau para ganhar a Rua do Rosário (18), da casa onde morava com sua família, foi quando se deparou, no curso do longo corredor, onde se deu de cara e com o maior espanto, com a figura do filho Tamiro, recém chegado da farra, que assustado, vendo-o daquela forma fantasiado, assim o indagou:

"- Uai, pai, prondé qui o sinhô pensa que tá indo?”

Ao que Mário Sena, entre surpreso e indeciso, diante daquela indagação que julgava ser uma "improcedente curiosidade”, pois no seu entender acreditava ser aquele o amanhecer do domingo gordo(19), naturalmente que respondeu fazendo outra pergunta, estabelecendo o seguinte diálogo:

“- Ondé qui tá a danada da Zinha, sua mãe?

“- Uai, pai, mãe foi prá missa cum tia Valcira.

“- Sua mãe e os padres num tem é o que fazê: qui dia qui já se viu de rezar Missa no meio do carnaval?

“- Uai, pai, o carnaval já se acabou e hoje já é quarta-feira da Quaresma! O sinhô é que deve de tá lelé da cuca, pois não se lembra de que bebeu demais e que obrigou à mãe, adjutorada pela tia Valcira, que tiveram é de ti carregar pra riba do catre, morre-num-morre, e lá o sinhô ficou obrando, lançando e roncando como um porco gordo por mais de três dias, pelo que foi obrigado até de ter que tomar injeção de tiaminose na sua veia.

“- Arre... que essas éguas me pagam..."

E muito indignado por ter perdido o carnaval, visivelmente contrariado com esse tamanho prejuízo, protestou veemente o carnavalesco frustrado, o qual foi logo colocando a sua culpa de ter perdido o baile momesco, não no efeito de seu infeliz descuido etílico, mas na bondade e previdência de sua zelosa esposa que o acudira naquela situação calamitosa do sábado.

Desconhecendo, porém, esses argumentos de justas motivações familiares, correu então o inconformado Tiqüí até à cozinha, ajuntou lá umas latas velhas, umas frigideiras e palanganas e, ingeriu mais uma boa dose da cotréia (20), e brandindo com ânimo festivo um cambito comprido que levava à mão, obrigou aos filhos Tamiro e Cira, ao genro Raimundinho, aos sobrinhos Jaime Chapa e Adelson a seguirem-no, rufando freneticamente a inusitada bateria, indo todos até à porta da igreja de São Francisco (21) , de cujo templo saia uma multidão de fiéis - atônita – vendo o enfurecido e maluco do Mário fantasiado de Borboleta Azul, pulando um frevo pelo largo e puxando o cordão carnavalesco formado involuntariamente por sua sua gente, entre elas a sua esposa Zinha e a sua cunhada Dona Alvacira, fieis beatas e compenetradas damas da sociedade minas-novense, as quais acabavam de ouvir a missa e já voltavam pra casa com suas testas lambuzadas de cinzas (22) benzidas pelo padre – sendo forçadas a acompanhá-lo, em plena manhã de quarta-feira, naquele novo bloco carnavalesco que acabava de ser estreado e que, até chegarem à pracinha do Teatro, já estava arrastando para a folia bissexta (23) mais de uma centena de novos foliões que ao grupo festivo, e aos montes, se aderiam, em pândegas.

Estava ali instituído o Bloco do Tiqui que, durante muitos anos, depois de encerradas as atividades momescas da terça-feira e já na vigência sagrada da quarta-feira de cinzas, concentravam-se todos os foliões insaciáveis, em frente do Bar Avenida(24), que era de propriedade do folião Mário Sena, e dali o acompanhavam em algazarras, no seu extravagante cordão de ressacados, com suas garrafas de cerveja debaixo do braço, para matarem suas carraspanas nas águas milagrosas do Rio Fanado(25).

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CARNAVAL BOM DEMAIS

LALAU MOTA
(Minas Novas, 04.03.2003)


A alegria vai solta na rua
Que está inundada de alegria
Brincando todos à luz da lua
Que é "nova" no meio da folia!

Que alegre é o clima do samba,
E a dança da mulata seminua
A ginga do malandro e do bamba,
A cerveja gelada e a pele que sua!

É linda a cachoeira que canta,
O verde bambu que balanceia
Minas Novas sempre encanta
Na hospitalidade que norteia!

Ao som alegre da banda,
Com o trio elétrico a animar,
A multidão não se debanda
Pois a ordem é sempre cantar!

O carnaval que nos alegra
É herança e é festa de ternura:
Faz a alegria do sofrido povo
Preservando-se nossa cultura!



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