sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O HUMILDE CARNAVAL DO FUNCHO e
OS FOLIÕES DE NOVOS E MILIONÁRIOS CARNAVAIS



Grupo de crianças participando de um dos antigos matinês carnavalescos.

Aproximavam-se os dias do carnaval e o Dr. Agostinho da Silva Silveira, sempre empenhado em seu propósito de dotar a nossa cidade de momentos alegres, prazerosos e significativos da vida social, no melhor propósito de conteúdo artístico e promoção cultural, depois de formar suas equipes temáticas, encomendou ao amigo Zé de Aristides, que era ferreiro, mecânico e oficial das sete artes, que lhe fabricasse uma meia dúzia de chocalhos, algumas palanganas de ferro, triângulos, xiquexiques, pandeiros e que reformasse para ele os tambores, taróis e as zabumbas da fanfarra que restaram da última Parada de Sete de Setembro, pois tinha como objetivo, utilizando-se deste arsenal de batucada, formar uma "escola de samba". E estando em poder desses instrumentos, chamou os alunos do seu ginásio, do qual era diretor, juntou-os aos membros da "guarda romana", alistou novos praças que se apresentaram a seu apelo, e como líder daquela nova empreitada entregou-lhes a bateria que foi possível improvisar, todos arregimentados e colocados sob o preparo do “comandante da tropa", função que confiou ao colega de lutas e dileto amigo "Lau do Mestre Zé Gomes" – uma dessas figuras populares que se dedicava com afinco ao magistério, como professor de geografia e de educação física, ótimo jogador de futebol, disciplinário exigente e rigoroso técnico do GIMINESC: eis que assim surgia a original e saudosa Escola de Samba "Boca de Siri", que durante vários carnavais puxava multidões pelas ruas de nossa cidade.

No dia da estréia dessa "Escola de Samba" que nada mais era, em seu início, que uma organizada charanga, congregando músicos, bateristas e ritimistas uniformizados e rigorosamente formados em fileiras indianas, mesmo não havendo nem alegorias e nem passistas, o sucesso foi sem precedentes, com a multidão de foliões na maior euforia, tendo na frente do grupo, desfilando pelas ruas da cidade, no papel de "abre alas" um solene "general da banda", ao lado de um horripilante "esqueleto humano", um imenso “galo de lata” todo colorido que batia as asas, abria o bico e que piscava os olhos iluminados em constante flerte com uma bailarina de maiô azul, com seu corpete rendado, saltitante nas suas sapatilhas prateadas e com o rosto graciosamente maquiado, com a qual contracenava naquele cortejo iniciado no velho Campinho de Futebol da Rua do Pequi, seguindo todos em marcha animada em direção ao centro da velha cidade.

Foi este um verdadeiro espetáculo, aos olhos de um público embevecido, com o qual se afirmava o carnaval popular de rua, em nossa cidade, festa que há muito se tornara tradicional, através da dedicação e do brilhantismo dos cordões fantasiados e animados pelas marchinhas executadas por músicos da Filarmônica Euterpe Conceição e de profissionais da música que sempre foram em abundância e da melhor qualidade em nosso velho e festivo município de Minas Novas.

O "general" era o próprio médico, o querido e saudoso Dr. Funcho, que se envergava sob o peso de um imponente e vistoso fardão militar, figurino especialmente desenhado pelo próprio folião e que fora confeccionado, sob encomenda especial, pelas mãos prendadas e habilidosas das costureiras Áurea, Lia, Ritinha, Idália e Cirene, no Salão das “Meninas de Lucas", estas que sempre foram as mais solicitadas modistas, as profissionais da costura e da confecção de finos enxovais no atendimento à elegância e ao bom gosto de uma autêntica sociedade que não media esforços de ser bem apresentada, admirada e até mesmo copiada, como exemplo, pelas cidades vizinhas.

Jovem foliã caracterizada com uma fantasia de "melindrosa", muito apreciada nesses carnavais.


O GENERAL DA BANDA

Era aquela linda fantasia, sem sombras de dúvida, uma preciosa demonstração de criatividade, muito mais pelo fato de ser uma rica vestimenta de veludo escuro, seda e gorgorão, adornada de dragonas, medalhas e comendas, encimada por uma reluzente capa imperial com bordados dourados e pedrarias. Era essa, de fato, uma alegoria perfeita, representada pelo elegante general, cujo quepe característico da patente, com as insígnias militares, seria logo depois substituído pela reluzente coroa dourada que seguia na frente daquele conjunto de bateristas, como um troféu perseguido, naquele ato, pela figura imponente daquele que a desejava para se tornar muito mais que o “general da banda”, mas o verdadeiro “rei” de toda aquela bonita festa. Desta forma, seguia o general brandindo sua espada, em posição de ataque e em perseguição daquele símbolo da realeza, uma linda e faiscante coroa de rei-momo que seguia entronizada sobre a capota de um jeep verde madrepérola, em cujo veículo também iam, compondo o cenário no seu interior, algumas moças graciosamente fantasiadas de colombinas, dançarinas, marinheiras e borboletas, acenando ao público, como se fossem as guardiãs daquela jóia ali cobiçada pelo general, cujo objetivo não seria outro senão o de conquistá-la, no momento exato e programado para fazê-lo, tão logo aquele bloco de foliões chegasse à porta do antigo teatro, em que seria realizado mais um baile a fantasia, desta vez inaugurando as atividades do CLUBE RECREAIVO DA AMIZADE MINAS-NOVENSE (CRAMN), onde o Dr. Agostinho, naquele ato ensaiado, veio a apoderar-se daquela jóia e promover, como de fato promoveu, a sua própria coroação e imediatamente declarando que, a partir daquele momento glorioso e solene, estava a cidade, naqueles três dias de festa, sob o império do novo REI DO CARNAVAL.


Este foi o enredo daquele carnaval de 1963, que ficou na história, quando o tétrico "esqueleto" era uma curiosa fantasia pacientemente elaborada por José Cristianismo Costa, combinando sua mais inspirada criatividade com a técnica que somente ele possuía de manejar com maestria os maçaricos de solda, os buris de escultor e os pinceis que davam vida e cor às criações, fazendo aquela combinação de tinta metálica branca sobre macacão em veludo negro e com alguns ossos de verdade, para montar uma réplica perfeita de um esqueleto humano inteiriço e andante, que vestia o próprio criador, o inventivo e insuperável Zé de Aristides, o popular "Meganha ou Xacana", predileto amigo do Dr. Funcho, o qual tinha o corpo franzino e esguio, e que além daquela fantasia que lhe calhava ao porte físico, encarregava-se de produzir todas as demais alegorias imaginadas pela inspiração e sabedoria do saudoso Dr. Vicente Mário Silva, também presente naquele cenário de luxo e bom gosto sob a fantasia de uma rechonchuda e curiosa bailarina azul com sua sombrinha de passista de frevo, a sua marca registrada que ficara em todos os desfiles carnavalesco nos quais sempre assim se exibia.

O imponente "Galo", de grandes proporções, vistoso e colorido, era a fantasia criada especialmente para o grande folião Dário Magalhães, jovem, alto, forte e espadaúdo, que durante todo o ano comandava seus negócios de caminhoneiro, dirigindo seu próprio caminhão pelas estadas do país, mas que chegado o tempo de carnaval se colocava de corpo e alma naquele trabalho coletivo em sua cidade, onde cedia a carroceria de seu veículo que ficava a serviço dos preparativos daquela festa, sendo utilizado como palco armado na frente do Teatro Municipal, para ali se posicionarem os músicos da vibrante bandinha que animava os ensaios, a pré-estréia e os matinês infantis que antecediam os bailes de salão para os adultos, no antigo Teatro Municipal e também no Mercado, neste último local para propiciar a alegria das classes mais populares que não dispunham do poder aquisitivo que lhes permitissem freqüentar o luxo do CRAMN (Clube Recreativo da Amizade Minas-Novense).

Eram esses quatro foliões (Funcho, Zé Meganha, Darão e o Dr. Vicente) os responsáveis pelo brilhantismo dos bailes carnavalescos, homens invejáveis em suas condutas de cidadãos exemplares, criativos, trabalhadores, honestos, ótimos educadores e pais de família, os quais procuravam dar o melhor de si para a boa sociedade, cumprindo rigorosamente com os seus deveres e, nestas ocasiões em que eram chamados, compareciam sem exigir em troca quaisquer vantagens pessoais, pois, ao contrário, sacrificavam-se financeiramente e consumiam o seu precioso tempo para garantir, não só para eles e suas famílias, mas para todo o conjunto da comunidade minas-novense aqueles momentos de descontração, de alegria e de cultura.

São esses cidadãos os verdadeiros ícones do nosso carnaval e merecem nossa gratidão e respeito pela obra que deixaram, tendo em vista que hoje o carnaval de Minas Novas continua grandioso e respeitado como sendo um dos melhores eventos regionais, apesar da sua atual massificação mercadológica e empresarial.

Não se pode deixar de reconhecer o grande esforço daqueles históricos foliões, não somente como carnavalescos animados e criativos, mas pelo trabalho de que não se furtavam para garantir, naqueles tempos de tantas dificuldades materiais e tecnológicas, a adesão voluntária dos músicos e de outros artífices, provendo-os de pequenos subsídios e buscando a disponibilidade de instrumentos musicais, além de toda uma logística necessária para a confecção das fantasias, do desenvolvimento de enredos e da produção daquelas alegorias, assim como a busca de recursos de que necessitavam para o sucesso daqueles três dias de festa e beleza.

Sob a liderança e inspiração deles, porém, se juntavam outros foliões, de grande animação, originalidade e que eram também elementos da maior importância, que se superavam no zelo em exibir ótimas fantasias e participações como a inesquecível performance de Mário Sena Costa que se apresentava nos bailes caracterizado como "borboleta dourada”, ou o trio Alcindo Sequestro, Zé Preto Paraná e Tiãozinho do Hotel, que formava o tradicional Grupo de Piratas Caribenhos (com pistola e tudo), Artuzinho Machado em sua "onça pintada" ou em sua caracterização de “Baú de Ossos”, bem como a sempre muito aplaudida “Morena Sensual” que se exibia, assim caracterizada na graça de Antônio Luzia Ferreira (o não menos saudoso caminhoneiro Totó), tendo especial referência a alegria contagiante e irreverente do “Palhaço Sapeca”, na exibição espontânea de Sebastião Eugênio Mota (Tiãozinho de Loura) que se revelava verdadeiro mestre na arte circense, naquela improvisação de seus saltos espetaculares, equilibrismos, malabarismos e outras maluquices de que era capaz, deixando de lado o seu lado circunspeto de cidadão exemplar para juntar-se àquela trupe de abnegados pioneiros de nosso CARNAVAL BOM DEMAIS. Fantasia de “Judas” produzida por Luizinho Ribeiro (filho de Luiz de Braz), com a qual fez sucesso o folião MANOEL FERREIRA DOS SANTOS (MANOEL MOCINHA), no carnaval de 1980 (no 250º aniversário da cidade).

Vários foram os grupos animados que depois daqueles pioneiros se dedicaram na preservação e continuidade do nosso Carnaval. Nenhum deles, porém, tem sido capaz de resgatar o encantamento e a nostalgia daqueles momentos de grande inspiração poética e artística.

A alguns foliões já falecidos. como Rodolfinho Gomes e Juvenato de Rodolfo, Wilson Faria, Márcio Freire, Taco Fernandes, Hely de Isaias, Lado Santão, Laca de Aurora, Chiquito, Izac Lopes, Aristóbulo Vieira, Pascoal Saturnino, Walmir Cunha, Tonico Nogueira, além dos que, para nossa felicidade, continuam nas batalhas de confete e serpentinas da vida, como Heraldo Souza, Idalmo Freire, Lucoca Cristianismo, Jacinto Costa, Dailson Fernandes, Raimundinho Coelho, Mário Lourenço, Dim da Caixa, Edvaldo da Embrava, Aquiles Maciel, Geraldinho de Elisiário, Zé Henrique Barbosa, Dásio Batista e uma infinidade deles cuja lista não caberia aqui nesta crônica, também a estes devemos creditar o nosso reconhecimento pelo apoio que sempre emprestaram aos festejos de momo, nele comparecendo com alegria e entusiasmo.

Felizes carnavais, com suas marchinhas, frevos e seus ranchos, sempre animados por Zé Moreira no seu trombone, João Batista Alecrim no melodioso bombardino, Militão Domingos sustentando a harmonia com o bem executado baixo/tuba, Gabriel Borges no estiloso sax alto, Sargento Leão na chorosa clarinete e o incrível músico Gentil de João Benedito que se revezava ora no Sax reto, ora na requinta e na clarineta, tendo o acompanhamento vigoroso de Álvaro Freire, mestre insuperável do violão elétrico, secundado por Jurandir César Santos (Du de Agenor) e Plínio de Castro Maciel, estes dedilhando com sabedoria seus violões acústicos, banjos e cavaquinhos, além de Djalma Wagner no seu invejável trompete (pistom), sustentados pela cadência segura dos incríveis Vicentinho, Louquinhas de Lucas, Eduardo Correia, Serafim de Roxo, Berola e Palmar Miranda, que arrasavam na percussão e na ginga de sambistas.

Não podemos esquecer, também, que os esforços no sentido de um brilhantismo que era por todos almejado e perseguido, não se resumia naqueles dias oficiais do Carnaval, de vez que a responsabilidade do sucesso garantia-se na organização antecipada e cuidadosa dos grupos que se dividiam na execução das diversas tarefas, cada um se empenhando para que tudo saísse a contento e dentro das melhores expectativas.

Por diversos meses eram realizados ensaios dos músicos e dos cantores locais, dentre eles se destacando Elias de Lucas, Zé de Alice, Tereza de Isaias, Gato Martins, Sinhá de Júlia, Dona Neide Pinheiro Freire, Dona Alaíde Fernandes, Diva de Dodó, Augusta Gomes, Wanda de Edgard, Cajubi Santos, Dona Ruth César, Toni Caititu, Luizinho de Luiz de Brás, Cleti Camargos, Geraldinha Siqueira, Edgardinho Pereira, Stael Leite, Geninha Borges, Rosarinha Coelho,Bilinha de Dr. Arlindo, Liquinha de Gabrielzinho, Nilza e Alva, filhas de Tião Ourives, entre outros folias e artistas locais que eram igualmente muito virtuosos, como Salia Fernandes, Maria Rita Barbosa, Socorro Alecrim, Tereza de Ruíta, Sãozinha Ferreira, Sinhá de Aurora e Neném de Alzira que se encarregavam de aprender as marchinhas e os sambas carnavalescos, consultando nas revistas que então publicavam as letras daquelas composições de sucesso e divulgando, naqueles ensaios, as canções que eram aprendidas com os seus afinadíssimos ouvidos, encarregadas que eram de ficarem atentas, como ouvintes permanentes dos programas radiofônicos, transmitidos pelas emissoras sediadas no Rio de Janeiro, naquele tempo em que, em nosso meio, não havia a disponibilidade de equipamentos gravadores e os discos gravados ainda eram produtos raros entre nós.

E o grande detalhe de nosso carnaval, é o de que faziam mais sucesso, sobre as demais composições, as famosas marchinhas carnavalescas que eram compostas pelos poetas e músicos de nossa própria cidade. E são muitas essas “pratas da casa”, lindas composições carnavalescas que ainda hoje são dignas de serem cantadas pelos intérpretes da modernidade, estes artistas que preferem o axé e a lambada, condenando ao ostracismo a poesia e o lirismo, colocando sob o risco do esquecimento e do anonimato os grandes músicos e autores que enalteceram nosso carnaval e souberam como ninguém valorizar tradições de nosso município.

Sendo assim, ao lembrarmo-nos daqueles pioneiros que foram citados, ao lado deles devemos colocar em destaque o nome de JOÃOZINHO MACIEL, o saudoso músico e compositor CHIMBA que nos brindou com o hino carnavalesco intitulado “MINAS NOVAS, CIDADE IDEAL”, que pelo significado da letra e pela maravilha da música, jamais deveria deixar de ser entoada durante todas as noites do carnaval minas-novense.

Outra linda composição, que empurrava os foliões pelas ladeiras da cidade e incendiava o ânimo dos salões, era o frevo LARANJINHA, da inspiração do músico e multi-instrumentista minas-novense Lourival César, outro monstro sagrado de nossos antigos e saudáveis carnavais.

GERALDO MOTA/ Belo Horizonte, 12-02-2010

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