A FANTÁSTICA FÁBRICA DAS MARMELADAS
    
    
Uma visão  socioambiental de como, e de que maneira, puderam transformar a delícia de um  doce tradicional num veneno e a vida pacífica e produtiva de uma gente feliz no  mais amargo flagelo que injustamente aflige e castiga aquele povo inocente,  simples, bom, pacato e trabalhador-
     
    
    Muito embora a vocação econômica do  município de Minas Novas seja, de fato, a de mineração geral (ouro e pedras  preciosas), essa atividade de há muito deixou de ser explorada devido à falta  de investimentos no setor, sendo a agricultura atualmente a principal fonte de  subsistência da população minasnovense.
    Mesmo assim a produção agrícola, eventualmente  transformada em sua base econômica, vê-se tolhida e prejudicada pela falta de  apoio administrativo, de incentivos de crédito, de assistência técnica adequada  e de políticas públicas em real sintonia com a realidade e com as  peculiaridades da região, bem como à administração carece de uma visão  sistêmica para desenvolver programas estruturantes e eficazes com foco na  questão fundiária e na necessidade de implantação de ações compensatórias para  minimizar o impacto gerado pelo fiasco chamado de "reflorestamento". 
       O aprofundamento da questão fundiária no  município (assim como nos demais municípios da região) já não pode mais ser  evitado e o tema não pode continuar sendo negligenciado e sendo tratado com displicência como vem  ocorrendo, pois o pequeno produtor está cada vez mais ficando confinado nas  beiras das chapadas, sitiado no deserto verde formado pelos eucaliptos e ali  relegado injustamente ao abandono, à carência de todo recurso e à falta de  qualquer perspectiva de retomada das suas atividades dentro dos padrões  culturais que foram agredidos a partir da chegada dos tratores e das correntes  de arrasto pesadas que, em comboio agrediram a cidadania, tiraram-lhe a  dignidade e a cultura de seu povo, desestabilizando e massacrando a todos,  ferindo de morte o núcleo familiar e a base em que se sustentava a própria  existência autônoma do município. 
       Os grandes maciços das chapadas e dos  cerrados foram ocupados indiscriminadamente pelas plantações de eucaliptos,  para produção de carvão vegetal que é um dos componentes do aço produzido pela  empresa multinacional ARCELOR MITTAL S.A. (sucessora da ACESITA), conglomerado  econômico que prefere, para a produção de carvão, classificá-la como "atividade  rural", denominação genérica de reflorestamento, com a qual não se pode  concordar de vez que a mesma se configura como atividade-meio no processo de se  chegar à atividade-fim que é a siderurgia. E na obtenção do produto final, que  é a riqueza industrial, configura-se o carvão vegetal tão importante e  necessário como o minério de ferro, e daí a necessidade de também se reverem os  critérios para que essa nossa região possa receber seus direitos participativos  como os "royalties" em pé de igualdade com as cidades localizadas no Vale do  Aço que são as únicas beneficiadas, por força deste injusto critério atual que  exclui os municípios totalmente invadidos pelos eucaliptos.   
         O que vem ocorrendo, desde o inicio das  atividades dessa empresa na região, é um desflorestamento  (eliminação da flora  nativa, que era admirável!) a favor de uma expansão industrial com a derrubada  radical de uma grande floresta nativa e de toda sua biodiversidade que, somente  a título de esclarecimento trata-se do conjunto vital onde o homem compõe a  natureza como um elemento do reino animal em constante sintonia com o vegetal e  o mineral, este universo que tinha todas as particularidades e características  de uma floresta de transição da Mata Atlântica para o Cerrado, quando foi  introduzida em seu lugar uma monocultura de grande ciclo produtivo, sabidamente  agressiva ao solo e aos mananciais e que carece de pouca participação da mão de  obra humana, limitando sobremaneira a possibilidade de geração de emprego e de  renda, pelo menos da forma econômica e socialmente justa conforme o que foi  prometido e empenhado como a contrapartida, jamais observada e respeitada, que  seria o benefício da população local. 
      Antes, nesses imensos maciços e espigões  era praticada uma pecuária rudimentar, mas já sedimentada e eficientemente  adaptada ao meio, que se consistia na criação de animais em regime de  "larga" em que não havia a necessidade de maiores preocupações com o  manejo da terra, pois esta era um bem comum ao qual não se agregavam  benfeitorias fixas, ao tempo que também não havia qualquer tipo de agressão que  pudesse colocar em risco seus valores naturais no conjunto dos interesses  grupais.
      Dessa forma de atividade agropecuária em  que a terra não tinha valor como capital, pois representava apenas um  ingrediente natural do trabalho, pois existia em abundância e disponibilidade  assim como a água, o ar e a vegetação estes que são os elementos igualmente  dados de graça pela natureza ao sertanejo aqui mais conhecido como campeiro,  roceiro, catingueiro ou groteiro a quem preocupavam apenas as tarefas de  apascentar seus animais que viviam soltos, pacificamente em comum com os  rebanhos pertencentes às diversas famílias enquanto todos iam desenvolvendo  paralelamente outras atividades artesanais, sociais e comunitárias que lhes  rendiam e lhes permitiam uma vida digna, dentro de padrões específicos, bem  definidos, os quais foram, de repente, arrebatados e violentamente impedidos de  usufruir pela incúria e pela ganância do invasor escudado e tutelado  oficialmente pelo poder econômico e governamental.
      Eram essas terras quase que em sua  totalidade pertencentes aos sucessores hereditários de antigas propriedades  onde, no passado não muito distante, existiam extensas plantações de cana e de  algodão além da exploração de minérios através de concessões que davam direito  de posse aos permissionários nas respectivas áreas de abrangência dessa  atividade.
      Ora, daí se depreende que essas mesmas  glebas eram propriedades de alguém e que, no mínimo, constituíam-se como  direito dos herdeiros que se sucederam e que por força da lei teriam que ser  chamados para integrarem-se à lide numa eventual ação de desapropriação  judicial ou de anexação desses bens ao patrimônio público.
      O que ocorreu, porém, ao arrepio da lei  e em flagrante desrespeito ao direito de terceiros foi a equivocada  classificação, por parte do governo estadual (através da RURALMINAS) e da  composição mancomunada dos políticos locais com as autoridades judiciais, que  via do esbulho, da invasão e da grilagem incentivada, passaram a sustentar a  falsa condição de serem essas mesmas glebas áreas rurais, de terras devolutas,  as quais se permitiram que fossem arrecadadas como tal, para serem, ato contínuo,  transferidas e entregues, de mãos-beijadas, para a ACESITA (hoje ARCELLOR  MITTAL S.A.), através de um polêmico e estapafúrdio contrato de comodato cujo  prazo de validade se renova e vai-se arrastando indefinidamente.      
     Com a ocupação dessas terras, através de  processos fraudulentos de toda ordem, o espaço imenso dos campos de criar foi  ocupado pela vegetação agressiva e exótica do eucalipto e os desamparados  camponeses viram-se, do dia para a noite, privados daquela atividade milenar,  quase que mecânica - rotineira e imperceptível - que representava a sua eterna  fonte de subsistência: O amanho da terra e o pastoreio de criação de animais.
      Cada ruralista de toda essa região (e no  universo da população representava mais de 70%) por mais pobre e sem recursos  que fosse, ele tinha sempre em volta de sua casinha um bom quintal com pomar,  horta, galinheiro, chiqueiro, plantações periódicas de roças como as de milho,  feijão, arroz de sequeiro, mandioca, algodão herbáceo, mamona, urucum e  amendoim.
       Com o patrocínio de políticos renomados  da região, inclusive com o beneplácito e o empenho do já falecido senador biônico  MURILO BADARÓ, ex--ministro no período ditatorial,  filho da cidade de Minas Novas, implantou-se no Vale do Jequitinhonha, mais  precisamente nos municípios de Minas Novas, Turmalina, Veredinha, Leme do  Prado, Chapada do Norte e José Gonçalves de Minas, a "Reforma Agrária" ao  contrário, ou seja, acabou-se com os minifúndios que beneficiavam dezenas de  milhares de trabalhadores para implantar-se o latifúndio, o maior talvez em  todo o território nacional.
       Até a chegada do eucalipto a maior parte  das famílias rurais contava com uma estrutura edificada com o sacrifício de  várias gerações, de recursos não materiais, mas culturais, e de alguma  organização primária através da qual mantinham expedientes próprios para o  desenvolvimento produtivo de bens e para manter a fundação de lavouras perenes  de café, de cana-de-açúcar, de banana, de laranja, de abacaxi e de marmelo, o  que lhes permitiam uma indústria artesanal constante e regular de rapadura,  açucar-mascavo, merendê, compotas e doces secos, além da marmelada, da geleia,  do chouriço, do sabão, do queijo, da manteiga e do requeijão que abarrotavam as  feiras de nossos mercados regionais.
       Nas grotas, nas vazantes e nas terras  mais baixas plantavam-se alho, cebola, repolho e outras espécies de cultivares  como o algodão arbóreo com o qual se permitia o trabalho da tecelagem através  da arte e da existência de vários teares que abasteciam a região com a baeta,  com o tecido-cru e com as vistosas cobertas de pavios coloridos que encantavam  os enxovais, além do cultivo do fumo em rama, na região do Setúbal, que  movimentava intensamente o comércio do tabaco.
       Todos esses agricultores, nos campos de  criar, nos chapadões, nas veredas e nas caatingas tinham soltos seus animais de  serviço, os bovinos de engorda e suas vacas pé-duro que lhes garantiam a  tração, o transporte, o fornecimento de carne e de leite durante todo o ano    
      Também havia a disponibilidade do mel  silvestre e a possibilidade da caça e da pesca segundo o costume herdado dos  antepassados índios e caboclos de uma época não muito distante, pois no próprio  meio rural onde viviam ainda existiam vários remanescentes de tribos e de  quilombolas. 
        A vida natural, os costumes milenares e  suas sadias tradições permitiam uma simbiose completa do homem com a terra.
       A cada estação do ano, eram comuns as  safras espontâneas e fartas de maracujá, de murtas, de mangabas, de araçás, de  cajuís, de gabirobas, de muricis, de ananás, de jatobás, de micuibas, de  buritis, de macaúbas, de catolés e tantas outras espécies de frutas silvestres  nativas, cocos oleosos, raízes, tubérculos, resinas, folhas comestíveis, ervas  naturais, plantas medicinais e da maior utilidade e serventia no uso caseiro  como as contas, as bagas, as cabaças, os caniços e as plumas, além do  Pequizeiro, aquela que era a árvore sagrada do sertanejo. 
        A precipitação pluviométrica era  harmonizada e as águas eram abundantes e límpidas, sem a atual agressão do  agrotóxico.
         Os barreiros forneciam de graça o adobe,  os tijolos e as telhas para a construção das casas.
         Os capões de mato e as capoeiras eram  livres para o fornecimento de varas para os galinheiros e chiqueiros, da lenha  para o fogão da cozinha, o forno do terreiro, a fornalha do engenho e para o  aquecimento da noite; das madeiras necessárias na construção de moradias; das  tábuas para o fabrico de móveis, ferramentas e até mesmo do caixão para o  defunto.
          Hoje a vida do roceiro (ou seria a  morte?) é movida pelo gás dos botijões, pelo leite da caixinha longa-vida, pela  água da COPASA, pela luz da CEMIG, pelos 35% dos impostos sobre o feijão e a  farinha, do aluguel escorchante, da passagem no transporte ruim e de todas as  adversidades que existem dentro de um contexto injusto que lhe acenou,  enganosamente, com a possibilidade de um salário-mínimo e tantas outras ilusões  e fantasias que transformaram os groteiros em bóias-frias, os lavradores de  suas próprias terras em trabalhadores rurais (TR), dos vaqueiros em mendigos,  dos ruralistas em sem-terras, das mulheres e das crianças em escravos de  carvoeiras, das inocentes mocinhas da roça em prostitutas e dos rapazes  caipiras em pivetes, trombadinhas, aviões de boca de fumo, flanelinhas, camelôs  e outras infelizes espécies que se multiplicam nos guetos e favelas.
          O "reflorestamento" tirou o leite das  crianças pobres, a carne do almoço domingueiro, o aboio alegre do vaqueiro, o  calor da noite do roceiro, o fogo da cozinha cabocla, acabou com a doçura das  frutas silvestres, espantou os animais, mandou para as favelas o futuro da  cidade pequena e matou no coração a vida daquele cuja existência estava  umbilicalmente ligada à natureza.
          Onde jamais houve fome, mesmo com a  insistente falácia criada pela propaganda do governo que se implantou na mídia  com o nome de "Vale da Miséria", na região de Minas Novas este flagelo social  só passou a ser conhecido a partir da chegada da Acesita. 
 
A doçura da marmelada  se transformou numa mistura amarga e venenosa que se  espalhou por entre o fedorento eucalipto.  
    
    
    
Depois foi a associação desses ardis às  falcatruas que se praticavam nas repartições públicas, tanto na prefeitura como  nos cartórios do fórum de Minas Novas, onde certidões, atestados, escrituras e  todo tipo de documento, eram falsificados, adulterados ou fraudados para  beneficiar algum protegido dos líderes políticos locais.
    
Hoje o gosto delicioso da marmelada é  apenas uma saudade, pois não existem mais as encantadoras plantações do  marmeleiro e até mesmo os canaviais se restringem à produção pequena e  artesanal apenas de cachaça.
    
O fedor do eucalipto é o que predomina  por entre a fuligem das chaminés e da sujeira das carvoarias – onde se pratica  o trabalho escravo de mulheres e crianças, e por onde se esvaem a honra e a vida  do antigo sertanejo. 
    
            E esse veneno cada vez mais mortal  potencializa-se com a indiferença, a parceria e, em alguns casos, com a  permissividade e a conivência das autoridades que deveriam defender os  interesses coletivos, mas que preferem colocar-se do lado do capital  especulativo e predatório.
    
            O pequeno produtor rural tem que ser  respeitado e ainda há o tempo de se reparar, pelo menos em parte, o imenso  crime ambiental e até mesmo antropológico cometido contra esse povo humilde e  simples. As autoridades e lideranças locais precisam se empenhar na revisão do  processo que mantém o injusto e absurdo contrato de comodato, há muito já  vencido e não renovado, até porque os antigos migrantes (legítimos  proprietários dessas glebas que foram griladas) logo logo estarão de volta,  expulsos que serão lá dos canaviais e cafezais do sul de minas e do estado de  São Paulo, por força das exigências legais da adoção do trabalho mecanizado em  lugar da mão de obra humana naqueles atividades produtivas. E esses antigos  migrantes, por si e seus inocentes sucessores, precisam merecer o reparo e a  justa recolocação em suas antigas propriedades, acrescidas das benfeitorias que  lhes possibilitem a retomada de suas vidas, em condições mínimas de  razoabilidade e dignidade.
    
             Destarte é preciso enquadrar a ARCELLOR  MITTAL S.A.() (sucessora da Acesita) e obrigá-la a  prestar assistência às suas vítimas, fazendo valer o direito que devem procurar  no sentido de serem todas indenizadas. 
    
            Não se pode mais tapar o sol com a  peneira. Urge alguma solução...
    
Jornalista Geraldo Mota
            
() A  empressa ARCELLOR MITAL S.A., sucessora da ACESITA, recentemente passou a se  chamar APERAM.
    Veja os dados que podem ser conferidos na internet:
| APERAM | 
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A Aperam foi criada a partir do desmembramento da divisão de Inox do grupo ArcelorMittal, em janeiro de 2011. A empresa é um player global em aços inoxidáveis, elétricos e especiais, com vendas em mais de 30 países e 11.000 empregados. Possui 30 escritórios de vendas em todo o mundo com suporte ao cliente e 19 Centros de Serviços, incluindo 10 plantas e instalações de transformação (incluindo Tubos). O negócio é organizado em três divisões: Aços Inoxidáveis & Elétricos; Serviços & Soluções; Ligados & Especiais (Specialties).
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| APERAM SOUTH AMERICA | 
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A planta industrial brasileira – agora rebatizada de Aperam South America - completa 67 anos de existência no Brasil em 2011, tendo sua origem na então Acesita. Trata-se da única produtora integrada de aços planos inoxidáveis e elétricos da América Latina. Líder no mercado brasileiro, com participação superior a 70%, a companhia também produz aços ao carbono especiais e exporta sua linha de produtos para cerca de 50 países.
 
No Brasil, sua usina, localizada na cidade de Timóteo (MG), no Vale do Aço, a 200 km de Belo Horizonte, tem capacidade de produção de 860 mil toneladas anuais de aço líquido. Além da usina em Timóteo e da sede nacional, localizada em Belo Horizonte, a Aperam South America conta com a parceria de outras divisões do Grupo Aperam no Brasil, como a Aperam Service & Solutions, com unidades de distribuição em São Paulo, Caxias do Sul (RS) e Campinas, além das unidades de fabricação e distribuição de tubos em Ribeirão Pires e Sumaré. No total, a Aperam South America conta com 2,4 mil empregados e também tem expertise exclusiva para produção de aços GNO (grão não orientado) e GO (grão orientado) para hidrelétricas e linha branca. Aperam South America abre as inscrições para realização do Estágio Curricular para 2013, tendo o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) como Agente de Integração.
 Como se deve observar, nenhuma referência às atividades desenvolvidas nas áreas produtoras do carvão vegeral, no Vale do Jequitinhonha.
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