Fraternidade e Tráfico Humano
"É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gál 5, 1)
Por Irmã Eurides Alves de Oliveira
Desde os anos 60 do século
passado, movida pela renovação pastoral proposta pelo Concílio Vaticano II a
Igreja Católica do Brasil realiza a Campanha da Fraternidade no período
quaresmal, tempo propício para oração, reflexão e mudança de vida. É uma
proposta pastoral de Evangelização sócio-transformadora assumida pela
Conferencia dos Bispos do Brasil – CNBB, com o objetivo de despertar os
cristãos para vivência comunitária da fé, através de um compromisso com a promoção
humana e a justiça social.
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A cada ano a Campanha da
Fraternidade aborda um tema específico, a partir do qual toda Igreja e Sociedade
são convidadas a refletir e analisar evangelicamente a realidade em que vivemos,
a fim de despertar e contribuir na superação da indiferença, das injustiças
sociais, e na vivência da solidariedade, cidadania, partilha reconciliação e
fraternidade.
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Seguindo sua trajetória
missionária de evangelizar, através do compromisso solidário e profético frente
às situações que ameaçam e destroem a Vida das pessoas, particularmente dos
pobres excluídos. Desde os anos 80, através da Comissão Pastoral da Terra, do Setor
de Mobilidade Humana, da Pastoral da Mulher Marginalizada, da Rede um Grito
pela Vida, e mais especificamente nos últimos anos através do GT (Grupo de Trabalho)
de Enfrentamento ao Tráfico Humano, a Igreja do Brasil vem atuando em prol da
defesa dos direitos humanos e das pessoas traficadas.
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Consciente da gravidade,
amplitude e urgência desta triste realidade, que configura a escravidão moderna
de nossos dias, a CNBB assume a problemática do tráfico humano como tema da
Campanha da Fraternidade 2014, acreditando ser esta uma resposta de Vida ao
Deus da Vida, que na pessoa de Jesus de Nazaré, o crucificado/ressuscitado quer
que todos os povos tenham vida em abundância.
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A Campanha da Fraternidade 2014
tem como objetivo geral: "Identificar as práticas de tráfico humano em suas
várias formas e denunciá-las como violação da dignidade e da liberdade humana,
mobilizando cristãos e pessoas de boa vontade para erradicar este mal com vista
ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus”. É uma oportunidade para
visibilizar, sensibilizar e mobilizar as Igrejas, a Sociedade e o Estado no
enfrentamento desta prática criminosa e violadora de direitos que no dizer do
Papa Francisco é uma vergonha para as sociedades que se dizem civilizadas.
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No irmão traficado, na irmã
escravizada, é nossa própria filiação e liberdade divina que vem sendo negada.
Com esta convicção de fé e cidadania, a Campanha da Fraternidade traz o lema:
"É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gál 5, 1). O tráfico humano
além de ser uma intolerável violação dos direitos humanos, constitui um
cerceamento da liberdade, dom de Deus para a humanidade e direito civil e
político para os cidadãos e cidadãs. A Campanha da Fraternidade é uma oportunidade
singular para intensificarmos nossa resposta a esta realidade clamor que nos
interpela e desafia.
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Seguindo a metodologia Ver,
Julgar e Agir a CF/2014 propõe um amplo debate com toda sociedade, no sentido
de potencializar as iniciativas já existentes no enfrentamento ao Tráfico
Humano, suscitar, no interior das Comunidades, Pastorais, Paróquias e
Organismos, reflexões e ações de prevenção, assistência, e incidência politica.
Somos chamados a assumir o enfrentamento a esta triste realidade, rompendo a
indiferença e a inércia frente a dor e o sofrimento humano, a superação das
situações de vulnerabilidades: exclusão, violências, desigualdades e
discriminações de gênero e raça, exploração
da força do trabalho, consumismo, turismo sexual que são portas de entrada para
o tráfico humano, e em última instância contribuir para a construção de uma sociedade livre, democrática, humana
e solidária sem tráfico humano, sem violações de direitos, mais configurada com
o sonho de Deus e da humanidade, sonho de vida e liberdade para todos e todas.
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2. Tráfico Humano: um atentado á Vida e
Dignidade Humana
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O texto base da CF/2014 afirma
que o Tráfico Humano é um crime multifacetado, altamente lucrativo e de
baixíssimo custo para os traficantes. Um
atentado contra a vida e a dignidade humana. Um prática criminosa que explora o
filho e a filha de Deus, limita sua liberdade, despreza sua honra, agride seu
amor próprio, ameaça e subtrai sua vida, quer seja da mulher, da criança, do
adolescente, do trabalhador ou da trabalhadora — de cidadãs e cidadãos que,
fragilizados por sua condição socioeconômica e/ou por suas opções, tornam-se
alvo fácil para as ações criminosas de traficantes.
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O Tráfico Humano e as muitas
outras faces da pobreza e da exclusão, que atinge milhões de pessoas em todo
mundo, é resultado de um sistema estruturado e sustentado pela lógica do
mercado, cujo fim último é o acúmulo da riqueza nas mãos de poucos, via
mercantilização de tudo, inclusive da pessoa humana. É o espelho da
irracionalidade do capitalismo global que, para manter sua soberania
imperialista, utiliza meios espúrios como o trafico drogas, de pessoas e de
armas como canais de enriquecimento e poder.
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Considerado a escravidão do
Século XXI, o Tráfico Humano vitimiza milhões de pessoas em todo o mundo. Caracteriza-se
pelo agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência,
alojamento ou acolhimento de pessoa, por meio de ameaça, violência física ou
psicológica, sequestro, cárcere privado, fraude, engano, aproveitamento das
situações de vulnerabilidade, abuso de poder, financiamento, corrupção, ou
qualquer outro meio análogo, para fins de exploração.
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O Tráfico Humano para fins de
exploração sexual, trabalho escravo, comercio de órgãos, adoção irregular,
servidão domestica, mendicância ou
práticas similares de exploração, revela a idolatria do sistema capitalista,
que na arte de explorar, escravizar e mercantilizar tudo e todos em função do
lucro, sacrificam vidas inocentes no
altar da ganância.
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Como uma transação comercial
iníqua mercantiliza tudo e todos, coloca as pessoas a serviço do lucro, ferindo-as
gravemente no que tem de mais precioso: sua dignidade e liberdade de filhos e
filhas de Deus, cidadãos/ãs de direitos.São milhares de crianças, adolescentes, mulheres e homens, vítimas desta
abominável prática que levam no corpo e na alma, duros golpes e profundas cicatrizes físicas, psicológicas
e morais.
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Embora seja um crime um tanto invisível,
subterrâneo e os dados disponíveis sejam um tanto imprecisos, as cifras divulgadas
são alarmantes. Colocam o Trafico Humanoentre as três fontes ilícitas mais rentáveis da economia mundial: gente,
drogas e armas. Uma economia do crime que movimenta exorbitantes quantidades de
dinheiro, utilizando formas sofisticadas de exploração e violência. Para a
Organização das Nações Unidas (ONU), o número de pessoas traficadas no planeta
atinge a casa dos quatro milhões anuais, movimentando, aproximadamente, 32
bilhões de dólares por ano. Mulheres e meninas são a grande maioria (86%) das
vítimas desse "silencioso” e perverso crime.
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O Brasil é uma nação de origem,
transito e destino do tráfico humano. É responsável por exportar cerca de 15%
das vítimas da América Latina para a Europa. Os principais destinos de vítimas
brasileiras são o Suriname, Suíça, Espanha e Holanda. Além de fornecedor das
vítimas para o trafico internacional, abriga em seu solo, uma infinidade de
rotas e práticas de trafico interno, tanto de exploração sexual, como de
trabalho escravo rural e urbano.
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O mapa deste comércio tem sempre
uma constante: as pessoas traficadas são na sua grande maioria provenientes de
regiões pobres e levadas para as regiões ricas, seduzidas por falsas promessas,
que lhes fazem acreditar na possibilidade de sair das situações de pobreza e
vulnerabilidades e têm os seus sonhos transformados em pesadelos.
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Esta realidade é marcadamente interpeladora, à missão
profética da Igreja e da Vida Religiosa Consagrada. Constitui uma negação
radical ao projeto de Deus. Uma chaga que fere os princípios humanos e
evangélicos. Sua erradicação se impõe com um imperativo a vivencia do amor e da
Justiça do Reino. No rosto, no corpo das pessoas traficadas, a Igreja
identifica o rosto, o corpo de Jesus, o crucificado/ressuscitado que para a
"liberdade nos libertou”.
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Participemos ativamente das atividades da
Campanha da Fraternidade em nossos comunidades e espaços de vida e missão, como
um itinerário de fé e compromisso pascal. Que as luzes do Espírito de Deus
suscitem em nossas práticas pessoais, comunitárias e sociais muitas ações e
processos que contribuam para a erradicação desta chaga desumanizante que
impede as pessoas de viverem dignamente como filhos e filhas de Deus.
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* Irmã Eurides Alves de Oliveira é coordenadora da Rede um Grito pela Vida.
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