domingo, 10 de abril de 2011

A EXECUTIVA BEM-SUCEDIDA

   
Foi tudo  muito rápido: A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou,  cambaleou, deu um gemido e apagou.  

Quando voltou a abrir os  olhos, viu-se diante de um imenso Portal.  

Ainda meio zonza,  atravessou-o e viu uma miríade de pessoas, todas vestindo cândidos camisolões e  caminhando despreocupadas. 

Sem entender bem o que estava acontecendo, a  executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:  

- Enfermeiro, eu preciso  voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo.  Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é  classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós  estamos?  

- No céu.  


- No céu?...  

- É.  

- Tipo assim... o céu,  CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do gênero?  

- Certamente. Aqui todos  vivemos em estado de gozo permanente.  


Apesar das óbvias evidências  nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a  executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na  curva. 

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das  infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era  inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual,  além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho  de administração da empresa.  

E foi aí que o interlocutor  sugeriu:  

- Talvez seja melhor você  conversar com Pedro, o síndico.  

- É? E como é que eu marco  uma audiência? Ele tem secretária?  

- Não, não. Basta estalar  os dedos e ele aparece. 

- Assim? (...)  

- Pois não?  


A executiva bem-sucedida  quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais  parecia um martelo, estava o próprio Pedro. 

Mas, a executiva havia feito um  curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:  

- Bom dia. Muito prazer.  Belas sandálias. Eu sou uma executiva  bem-sucedida e...  

- Executiva... Que palavra  estranha. De que século você veio?  

- Do 21. O distinto vai me  dizer que não conhece o termo 'executiva'?  


- Já ouvi falar. Mas não é  do meu tempo.  

Foi então que a executiva  bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser  um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu  brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma  posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.  

- Sabe, meu caro Pedro. Se  você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse  povo todo aí, só batendo papo e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso  há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.  

- É mesmo?  

- Pode acreditar, porque  tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é  que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?  

- Ah, não sabemos.  

- Entendeu o meu ponto? Sem  controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai  acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho  implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de  performance.  

- Que interessante...  

- É claro que, antes de  tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que  dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.  

-  !!!...???...!!!...???...!!!  


- Aí, contrataríamos uma  consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais  e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa  forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?  

- Sobre todas as coisas.  


- Ótimo. O passo seguinte  seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech,  redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no  desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. 

O mercado  telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.  

- Incrível!  

- É óbvio que, para  conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um board de altíssimo nível.  Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis  dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando  de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O  desafio que temos pela frente vai resultar em um Turnaround radical.  

- Impressionante!  

- Isso significa que  podemos partir para a implementação? 

- Não. Significa que  você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente.  Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...  


Max Gehringer (Revista Exame)


 


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