domingo, 21 de junho de 2015

A "DERETORIA"



A “DERETORIA”

Nas minhas andanças pelo Vale do Jequitinhonha, na década de 1980, como funcionário de carreira do Banco do Brasil, uma das minhas atribuições funcionais, talvez pelo fato de ser natural daquela região e conhecer de perto a maioria das comunidades, com seus problemas, carências e potencialidades, bem como em razão da minha disponibilidade em participar de ações sociais daquela natureza, eu fui escolhido para ser um dos coordenadores do FUNDEC, (Fundo de Desenvolvimento Comunitário), um programa do Banco que tinha como um de seus objetivos contribuir com as administrações municipais na elaboração, desenvolvimento e financiamento de pequenos projetos com base em PDCIs – Plano de Desenvolvimento Comunitário Integrado. Esse programa era muito popular, entre a população, pois priorizava as ações participativas de famílias, escolas, sindicatos, igrejas e centros comunitários, onde todos podiam opinar e serem ouvidos em suas reivindicações, o que muito contribuiu, naquela época de muita seca e falta de recursos, para encaminhar boas propostas e solucionar muitos dos problemas mais imediatos que afligiam os produtores rurais, possibilitando parcerias, convênios e ações conjuntas com outras entidades, além de conceder ajuda financeira, a fundo perdido, além de orientar e incentivar o acesso ao crédito rural a partir de linhas de custeio agrícola com base no VBC ( Valores Básicos de Custeio) e outros financiamentos rurais, em condições de prazos e taxas de juros bem favoráveis, assim como indicar aos agro-pecuaristas alguns investimentos mais simples e factíveis que podiam atender à maior parte das necessidades do homem do campo, sem a exigência de muita burocracia, como regularidade de documentação dos imóveis e outras liberalidades contratuais permitidas pelas instruções governamentais de então, naquele momento em que quase não havia exigência de qualquer garantia real como cláusula para a formatação dos instrumentos de crédito.
As reuniões eram muito democráticas, onde participavam, além do prefeito municipal, técnicos da prefeitura, vereadores, sindicalistas e representantes de entidades governamentais, além das lideranças comunitárias de todas as tendências religiosas, políticas e culturais.
Numa dessas oportunidades, certa vez estava participando de uma reunião de trabalho no lugar denominado “Cajamunum”, localizado próximo às cabeceiras do Córrego da Água Limpa, nas divisas dos municípios de Chapada do Norte e Berilo, onde as demandas se concentravam na necessidade de buscar alternativas ao combate à fome e à mais absoluta indigência que, de resto, assolava toda a região. O encontro, coordenado por um colega que naquele evento estava representando o gerente geral da Agência de Minas Novas, estava sendo realizado na Escola Municipal daquela localidade e, por esta razão, foram convocadas aquelas pessoas de mais representatividade do lugar, para a necessária formação da mesa, entre elas foi anunciado o nome do “professor Massu”, conforme constava da listagem que lhe haviam apresentado pelos organizadores do encontro, nada que deveria ser convencional ou cerimonioso, pois o que se pretendia era a objetividade e a produtividade em seus desdobramentos, como resultado das ações que se pretendiam ver urgentemente realizadas, face à grave situação dos moradores.
Naquela “mesa de trabalho” todos os convocados tomaram seus lugares, com exceção do referido professor Massu que permaneceu assentado em um banquinho, lá no fundo da sala, cuja atitude não passou despercebida, mas que foi considerada como uma maneira dele melhor observar, como dirigente daquela escola, o andamento de todos os procedimentos daquele encontro, de que ele próprio deveria estar se sentindo o anfitrião e, naquele ponto, estar pronto para atender a qualquer eventualidade.
Passou-se imediatamente à discussão dos assuntos listados na pauta, onde várias propostas foram apresentadas, analisadas, discutidas e assim chegou-se ao termo da reunião, considerada muito produtiva por todos, quando se colocou franca a palavra aos que dela desejassem fazer uso.
O prefeito falou de sua satisfação em ver bem encaminhadas as propostas, os técnicos se comprometeram a dar o melhor encaminhamento aos trabalhos de elaboração dos projetos que foram discutidos, até que chegou o momento e a vez de falar a liderança local, a quem competia agradecer a presença dos convidados, assim como fazer o encerramento daquele evento, conforme era de costume.
Foi justamente nesse ponto que o professor Massu, ao ser mencionado, demonstrando muita contrariedade, saiu lá do fundo da sala e se aproximou, assim se dirigindo, com suas palavras, aos componentes da mesa.
- Senhores e senhoras: Tá tudo muito certo, mas de uma coisa eu tenho que recramar e aqui deixar bem craro, principalmente para o “gerento do banco”, qui pricisa sabê qui eu num sou “professô” mais não. Eu agora sou é o “deretor” aqui dessa “iscola”, numiado pelo prefeito, e da próxima veiz eu exijo mais respeito com a minha pessoa, quando acontecê nova reunião neste local.
Foi então que todos entenderam o motivo daquele retraimento inicialmente demonstrado pelo “mestre”, desde o início da reunião, quando ele se mostrava “macambúzio”, tendo ficado completamente mudo durante todo o tempo, até naquela hora em que fez o seu desabafo, diante de tamanha “desfeita à sua otoridade”, cometida por aquele funcionário do banco que deveria ter usado o tratamento correto que, no entendimento dele, deveria ser o de diretor e não de professor.
Para que o mal entendido fosse desfeito, o padre José Nuno, saudoso vigário de Berilo, que ali estava presente e que era uma pessoa muito equilibrada, bondosa e respeitada pela sua cultura e pelas qualidades de bom sacerdote e líder religioso de toda a região, adiantou-se e, dirigindo-se ao “deretor”, disse-lhe que ele se tranquilizasse, pois não havia qualquer ofensa, pelo contrário, ele deveria até se sentir honrado e lisonjeado com o tratamento recibo, que jamais poderia ser considerado ofensivo por alguém, a não ser que talvez houvesse outras motivações para aquele descontentamento, pois até mesmo o Imperador do Brasil, o grande Dom Pedro II, em seus dias de glória, ele que era um soberano muito justo e querido pelo povo brasileiro, certa vez afirmou que, se ele próprio não fosse o Rei, desejaria que, ao invés de “majestade”, todos os súditos o tratassem pelo título de professor.
O remendo, porém, saiu pior que o soneto, pois o tal “deretor” que, também naquela comunidade rural, era o líder de uma denominação evangélica, dizendo-se “pastor”, recebeu como ofensa maior aquele “sermão” de um “simples padre”, na avaliação dele, no que ele deixou bem claro que não poderia aceitar de forma alguma e, imediatamente, pediu que todos se retirassem de “sua” escola, pois ali era ele quem mandava e onde não aceitava o atrevimento de quem quer que desejasse diminuí-lo perante os moradores daquele lugar.
Pobres comunidades, carentes não só de recursos materiais, mas também de outros valores, muito mais importantes, como lideranças legítimas e bem orientadas, não somente motivados pelo orgulho e pela sede de mando e de poder, mas pela humildade e pela vontade de produzir trabalho e progresso de forma solidária, isenta de rancores e motivada apenas pela boa vontade de servir, de ser útil e fiel à causa defendida e de ser instrumento de paz e de progresso.
Contudo, ainda hoje, mesmo em centros mais adiantados, muitas pessoas acreditam que podem ser “diretores”, e alguns se arvoram alçar cargos muito mais além de suas mínimas possibilidades, julgando-se preparados para exercer funções da maior relevância, conseguindo a elas ser promovidos e escolhidos sem jamais ter sido alunos ou, na melhor das hipóteses, sem ter algum dia “alisado um banco de escola” ou mesmo ter sido um simples professor.
E alguns energúmenos de nosso país, sem qualquer autocrítica, ainda nos dias hodiernos se encantam com títulos de “doutores honoris causa”, como se essa homenagem não fosse uma outorga à dignidade do cargo exercido, mas em razão de méritos pessoais, no que são levados a acreditar, os inocentes úteis, quando incensados nesse engodo e sempre incentivados a assim creem na própria capacidade e sabedoria, pela ação calculada dos insensatos, oportunistas e espertos bajuladores, verdadeiros “ratos que tiram sardinha com a mão de gato”, os quais lhe cercam de ilusões e que desejam é tirar proveitos particulares da sua indisfarçável condição de incompetência, ignorância e falta de bom senso.

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