(Os trechos que se seguem fazem
parte do livro LENDAS E TRADIÇÕES DA REGIÃO DO FANADO, um ensaio antropológico
no qual desejo, além de divulgar nosso folclore, fazer de forma singela algumas
homenagens a pessoas caras de minha lembrança, ao tempo em que pretendo,
também, levantar algumas considerações que possam resultar alertas e protestos que se fazem oportunos e até necessários na
identificação de problemas ainda hoje pendentes de alguma solução.)
“Panta” é uma
designação geral, com a qual se identificam os descendentes de um antigo
morador de nossa região fanadeira, que viveu mais de cem anos, sendo que sua
infância e parte da juventude ele viveu ainda no terrível tempo do cativeiro,
de que ele guardava fortes lembranças e, de suas experiências, sabia onde
ficaram “amoitados” muitos veios do ouro,
em lugares secretos em que os mais antigos garimpavam, deixando reservas para seus herdeiros, como uma boa poupança, da
qual se valiam, tirando suas pepitas de ouro, sempre que precisavam de arranjar
algum recurso e atender suas mais prementes necessidades.
Segundo eles o ouro que traziam para a cidade, era na quantidade
estritamente necessária para aquele momento e não podia ser vendido e sim “cambiado”
por mercadoria de que necessitassem. Essa era uma de suas muitas “sabedorias”,
costumes e segredos, vindos lá da Mãe África, que muitos de seus sucessores
ainda guardam a sete chaves.
No município de Minas Novas ainda é muito grande a influência
remanescente dos “quilombolas”. São várias as famílias de afrodescendentes que,
mesmo não tendo “Panda” em seu sobrenome, seguem a linhagem daquele Patriarca
Negro, cujo nome verdadeiro é Pantaleão
Lopes. São todos os Lopes, Machados, Costas, Félix, Coelhos, Nunes,
Macedos, Leites, Rochas, Esteves, Barbosas, Silvas, Vieiras, Guanpasios e uma
infinidade de pessoas que carregam esses e outros nomes e, principalmente,
aqueles da raça negra que sempre foram moradores do Buraco d’Água, Maria Gorda,
Magalhães, Macuco, Mata-Dois, Bandeira-Grande, Bandeirinha, Gravatá, Paiol,
Ribeirão do Meio, Morro Redondo, Rocinha, Papagaio e Bonsucesso.
Dessa boa gente, quando eu era criança, muitos deles eu os conheci
e tive a oportunidade de conviver com alguns deles, tendo-os como verdadeiros
ícones da cultura afrodescendente, como hoje costumamos dizer, mas que, naquela
época, eram todos considerados como simples roceiros, que entendiam e sabiam
fazer de tudo que era serviço pesado, como se fossem mágicos, de tão úteis e
produtivos, sendo todos muito requisitados para as tarefas nas casas da cidade
e também nas propriedades rurais, quando a agricultura ainda era a principal
fonte de renda da população. Esse povo sempre foi muito respeitado, não só pela
capacidade de trabalho, mas, principalmente, pela característica marcante de
serem extremosos na amizade, na fidelidade, na criatividade, na honestidade e na
grande união que existia entre eles, em qualquer situação.
E pela importância de cada um, tentarei descrever a memória que
tenho de muitos deles, relembrando com muita saudade e carinho figuras como as
de Ana Felix, Menã, Jovelino, Zé Alves, Chico Machado, Zé Dulino, Breu, Zé
Paiolzinho, Seca-Poço, Coeizinho, Zé de Chico, Zé Maria Tropeiro e muitos
outros, dos quais vou-me recordando no decorrer da escrita deste texto.
Digo que todos eram “gente muito boa”, da melhor qualidade, mas
que guardavam certas características muito pessoais, de reservas e de
relacionamento social que mereciam cuidados e muito tato, por parte de quem
deles se acercassem no dia-a-dia e desejassem a amizade e o serviço deles.
Os mais velhos ficavam sempre em suas casas, na zona rural, de
onde coordenavam as atividades rurais e dirigiam os destinos de todos os
parentes. Somente os mais novos é que compareciam na cidade, nos dias de feira.
Os demais só apareciam em datas
especiais, quando estava se aproximando os festejos juninos,
Nessas épocas é que um ou outro, dos mais jovens, comparecia numa
loja para fazer suas compras, adquirir tecidos e aviamentos para confecção de
suas roupas novas, comprar um par de sapatos ou um chapéu. No comércio, compravam
apenas as ferramentas, vasilhames, insumos diversos como pregos, fitas e
encordoamentos de viola, pois para a subsistência pessoal e dos familiares,
produziam abundantemente toda espécie de alimento, cujos excedentes traziam
para vender. Quando apareciam, vinham sempre
a pé, tocando um animal de carga, em um único e compacto grupo.
E nos dias da Festa de Nossa Senhora do Rosário compareciam em
massa, trajando suas roupas enfeitadas, tocando suas violas e tambus, mas não
entravam na igreja, senão nos intervalos em que o movimento religioso normal da
festa era menor. Tinham, pois, sua participação bem particular, rápida,
voltando imediatamente tocando seus tambores para suas casas, onde acendiam uma
fogueira e ficavam cantando, dançando e bebendo, ainda pôr muito tempo.
Nessas datas, os que tinham suas casas na cidade recebiam os
parentes que vinham da zona rural, quando se realizavam os batizados e
casamentos, tudo entre eles mesmos, fazendo uma cerimônia coletiva, muito
animada, à qual, ainda hoje, denominamos de 'fonção", sendo que naquelas
não se permitiam a participação de pessoas estranhas do grupo, quando dançavam
ao redor da fogueira, batendo tambu e cantando cantigas em que misturavam uma
linguagem que só eles entendiam:
"Atoête calunga: Viva Nossa Sinhora do Rosário ?
Aos que, por resposta, os tambus batiam-se então com mais ênfase,
sacudiam-se freneticamente e gritavam "Vivas!"
Repetiam várias vezes, a mesma saudação, a que os presentes respondiam
também com muitos "vivas".
E continuavam com as saudações, danças e canções:
" Viva o povo de
ingoma?
Viva o povo de
inhomi?
Viva o povo de
agoerê?
Que os presentes, em coro respondiam, num canto agudo e comprido,
num crescendo lamurioso:
" erê-ê..-ê..-ê...
ê-ê-ê .. ê-ê . ê . ê
E começava, tudo de novo, intercalando vivas aos donos da casa,
dos presentes, de nomes de santo, saltitando, fazendo piruetas, rolando no
chão, contorcendo-se, gemendo, suspirando, assobiando como bugios, cacarejando
como aves, bufando como bodes, pulando como macacos, dando voltas e rodopios, como se estivessem
jogando beijos para todas as direções, para em determinado momento, como se
estivessem sob o comando de uma única batuta, paravam tudo, de uma só vez,
quando lá longe, dentro de casa ou no meio do mato dava um grito estridente,
seguido de muitos vivas:
" Viva Ianhã-ã -
Inhã ?
" Viva Inhô -
inhô
" Viva quituquim
" Viva aracati -
i - i - i ......araça ...... aracê
e, novamente, todo o grupo repetia:
" ecê .. ecê ...
ecë... ecê ...ê .. ê ... ê .... ê ........
e iam repetindo a última sílaba até sumir a entonação da voz..
-
Depois, quando já haviam consumido bastante cachaça, faziam uma
grande roda, com alguns rodopiando no centro e com os litros equilibrados na
cabeça, batendo palmas e cantando;
" essa roda aqui é de preto
só
se branco entrá, cai no cipó ....
sinhô rei, sinhora rainha
"só guarda pra mim sobrecu de galinha
Oi tá serranu ... tá serranu ....
0i tá serranu é de serrote:
muié tem força na lingua
Como boi tem no cangote. "
"cê pica a cana, espinica o bagaço
minina bunita, me dá um
abraço:
"engenho novo, tá moendo tá ....
"engenho novo, tá moendo tá ...
E o carpinteiro Jovelino, um dos donos da casa, dando um pinote no
meio da roda:
oia o atoête, calunga:
Viva o povo de ingoma ?
Viva o povo de inguerê ?
Viva o povo de imburerê ?
Esse tambu é de pau, ou é
de ferro ?
E os presentes respondem:
É de pau ... é
de pele
É de bambu ... é de osso
É de força pregado de ferro
É de nervo batido no couro
Mas num é de ouro
Num é ouro
É de couro
O tambu é de couro .. ouro ... ouro !
rou
- rou - rou - ou .. ou ... ou.......
E perguntam:
E nós???
É de ferro ?
Enferruja ?
Candombi bebe ou num bebe ?
candombi .... candombi
.... candombi
bibi .... bibi .... bibi
.....
--------------------------------------------- o tatu trepa pau?
É mentira muleque ...
É mentira muleque ..... mentira muleque ......
muleque ......
E
caxinguelê tem couro?
Cumé
o couro do caxinguelê?
Caxinguelê
- caxinguelê - caxinguelê ... lelê ... lelê
E
a lingua do guará?
caxinguelê - lalá ......
caxinguelê - lalá ..... caxinguelê - lalá .. lelê .... lalá ....
Eu
pus meu cará no fogo
Mandei
Maria oiá
Maria
mexeu virou
Deixou
meu cará queimá
Balaim
de fulô
Balaim
de fulô
Balaim
de fulô,
Mexeu,
virou
Mexeu
virou
Mas
o cará queimou
.
Xou
meu zabelê
Xou
meu sabiá
Toda madrugada em sonho cum
você
Se
oncê num acredita eu vou sonhá
que
proncê vê.
Oi
sussa, sussa
susseu,
oi
sussa eu, lená ...
Oi
sussa, sussa
susseu,
oi
sussa eu, lená:
Bota
fogo na giranda.
quero
ver queimá
ocê
tá doido, mangangá.
Bota
fogo na giranda
quero
ver queimá
ocê
tá doido mangangá ....
Taquei
fogo na giranda
coivara
subiu
se
oncê ainda me ama
Zumirão
porque sumiu.
O
bisouro é vém
ou
meu bem,
ele
vem pretinho
ou
meu bem,
chuleia
esse bisouro
ou
meu bem,
bem
chuleiadinho
ou
meu bem...
E
Felão vem?
Num
vem não ....
Pru quê qui num vem?
Num
sei não ...
E a roda vai rodando, poeira vai subindo, e o povo vai chegando e
o dia vai raiando ...
Galo
cantou
No
raio da madrugada
Felão
mandou
Parar
com a batucada.
Felão era um sargento reformado, mas que era "bate-pau"
mandado dos políticos locais e se achava uma verdadeira autoridade, que se
intrometia em tudo que ele achava de direito interferir, e o povo tremia de
medo só de falar o nome dele. Ninguém gostava dele, mas só para não ser
perseguido atendiam suas ordens.
Felão
na casa pobre
sinal
de mais misera
num
come orapronobi
nem
canguçu na panela.
Referindo-se às mandingas que preparavam para fazer dormir as
pessoas que pudessem atrapalhar a festa, que consistia em raspar a raiz torrada
do canguçu preto, para "derrubar", e o pó de canguçu branco para
"levantar" que eles punham na comida, na cachaça ou então carregam
junto com a cornija de rapé e davam a pessoa escolhida para cheirar. Para quem
sabe usar, dizem que é contraveneno de cobra e outras peçonhas. Mas se trata de
um veneno violento que provoca o sono profundo, sangramento na pele, nos olhos,
nos ouvidos, no nariz e provocavam vômitos, conforme a maneira de ministrar.
(João de Deus Vaz)
Um pouquinho só que eles trazem dentro das unhas e sacudiam no
nariz de um infeliz o colocava fora de combate pôr um dia.
A raiz do carapiá, que no cigarro faz a fumaça ficar agridoce e
com gosto de mel de jataí, se torrada junto do mandubi de aroeira, é mesmo que
preparar istraquinina com rei do sono (Chico Louro).
Prá curar verruga é só rapar o "olho de boi" na lapa e
encostar no lugar.(Maria Cutuca)
Chá das folhas de jalapa, casca do pau de babatimão, resina de
jatobá, adoçado com rapadura de picumã, mais farinha de casco de teiú torrado,
cabelo de orelha do guará, também torrado e moído, cura tudo que é corrimento
de mulher e doença de rua no homem, e até mal dos peitos, seja em velho ou
gente nova. Só num pode é tomar banho em lugar aberto durante um mês. (Menã)
Na verdade, trata-se de poderoso depurativo do sangue. Em doses
cavalares, já vi serem aplicados em leitões, nos chiqueiros, que, quando não
matava os porquinhos, eles colocavam pra fora montes de lombrigas, tênias e
solitárias. ( Zé Louro)
O raizeiro Zé Louro castrava qualquer animal (bovino, suíno,
caprino, canino, etc) com muita eficiência, fosse macho ou fêmea, sem deixar
cicatriz, fazendo na virilha uma pequena incisão com um canivete bem afiado e
esterilizado no fogo que ele fazia em uma resina que ele mesmo tirava num
barranco. Essa resina parece ser uma hulha preta que os Pantas usavam dentro
dos candeeiros para alumiar o terreiro. De noite a claridade ficava meio
prateada e a fumaça tem forte cheiro de enxofre queimado. Quando eu era menino
tive a oportunidade de comparar, colocando fogo na metade de um isolador de
poste do telegrafo que achei no morro do caçador. Somente a cor do fogo era um
pouco diferente, mais azulado do que prateado, que saia da louça do isolador,
mas o cheiro da fumaça era idêntico,
provocando náuseas e vômitos.
Segundo o próprio Zé Louro, todo casco duro de animal que arrasta
(tatu, teiú, jacaré e cágado) tem também bastante quantidade de enxofre e por
isto mesmo é indicada para algumas garrafadas de mezinhas e raizadas.
NOVE DA ROCINHA
Eu vou dançar meu nove
Agorinha é com você:
O nove é uma moda leve
Prá dançar só de godê.
E na sala vão girando
Na maior animação
A noite toda dançando
Nessa alegre fonção:
Adão Dias, na requinta
Geraldo Simões na marcação
Murilo Rocinha, na rebeca
Zé da Eva no violão
Adão de Horácio, na primeira
Lau de Siá Rita, na sustentação
Santos Lope, no rodopio
Santo Pires com o garrafão
Tem comida e bebedeira
Mas tem muita animação
Dona Joana, dona da casa
Benjamim, o anfitrião.
E tem João Pio,
João de Manezinho,
Dona Pilé,
e Tiãozinho
Tem Zé Louro,
Ambrozina e Tozão,
Tem Dona Laura, Torquate,
Libania e Manoelão
Tem Tozinho,
Tem Maria Bolô,
Alzira, Maria Alecrim e
Tião
Tem torresmo, tem quentão
Da cidade vem Quilinho
Pra tocar seu violão.
Tem farofa de andu
Tem taioba,
Tem frango gordo
E o caldo de caldeirão
Tem o biscoito digoma
Café quente e requeijão
E dicumê mais gostoso
de Rosa de Raimundão
Tem a bandeira e o terço
O mastro e a procissão
e Zezim Rodrigues rezando
Sua forte devoção.
SHOTTING
Aprendi dançar vilão
Aprendi dançar vilão ...
Não foi nesta terra, não (bis)
Aprendi com a alemoa (bis)
Lá na terra do alemão
CIRANDA E MANGANGÁ
Tô no seco
Tô no molhado ...
Todo me requebro
Prá dançar o rebolado.
Fui descendo rio abaixo
Ramo verde me puxou
Não me puxe ramo verde
Pois meu bem já me deixou.
O besouro é vem
Ô danado,
Ele vem pretinho
Ô danado,
Chuleia, esse besouro
Ô danado,
Bem chuleiadinho
Ô danado.
Tá serrando, tá serrando,
Tá serrando com o serrote,
Mulher tem força na língua
Como o boi tem no cangote.
Engenho novo
Tá moendo, tá
Engenho novo,
Tá moendo, tá:
Oi chupa cana,
Espenica o bagaço
Morena bonita
Me dá um abraço ...
Engenho novo
Tá moendo, tá
Engenho novo
Tá moendo, tá.
Taca fogo na giranda
Quero ver queimar
Ocê tá doido, mangangá.
Taca fogo na giranda,
Quero ver queimar
Ocê tá doido, mangangá.
SINHÁ MARIQUINHA
Sinhá-dona Mariquinha.
Era a dona de uma canoa
Quando o canoeiro é bom
Ái meu Deus, que coisa boa
Eu sou canoeiro, eu sou .. (bis)
Lá detrás daquela serra
Passa boi, passa boiada,
Só não passa meu amor
Pois já fui abandonada,
Eu sou canoeiro, eu sou ... (bis)
O CAROÇO DO JUÁ
Mas, eu quero é água
No caroço do juá
Onde os anjos vão beber,
Onde o meu benzinho está
Mas, eu quero é água
Debaixo do pé d’ ingá
Onde os anjos vão beber,
Onde a morena deve está.
Mas, eu quero é água,
Bem longe do jatobá
Que dá vontade de beber
Toda água que jorrá.
Mas, eu quero é água
Toda água que rolar
Minha sodade é de doer
E meu pranto é pra chorá.
Cicila, meu bem
Cecília, meu xodó
Chorou prá ir mais eu
Êta pena, èta dó
Esta noite tive um sonho
Que era lindo de se vê
Se ocê num acredita,
Eu vou sonhá pra você vê.
Sonhei, sonho sonhado
Agarradinho cum você
Se você num acredita
Sonho agora, ocê vai ver.
BALAINHO DE FULÔ
Balanciou, balancoou
Balanciou, a coroa do rei balanciou ... (bis)
Balanciou, mas não caiu
Balancoou a coroa do rei, mas ninguém viu ..
Balanciou, balanciou ...
Balanieou, a coroa do rei balanciou ...
Balainho de fulô
Balainho de fulô ...
A nossa rainha
É um raminnho de fulô.
BENZIM DOS OUTROS
Benzim dos outros, benzim
Faz favor de me querer, benzim
Dinheiro eu não tenho, benzim
Mas o carinho eu sei fazer, até demais ....
Lá detrás daquele morro
Tem um pé de araçá
Quem casa com mulher veia
Tem muxiba pra chupá.
Cicila, meu bem, Cicila, meu xodó ...
MAXIXE
Ponha maxixe na sala, muié
Panha, panha, panha muié
Ponha maxixe na sala, muié
Panha, panha, panha muié (bis...)
Sinhô rei, sinhora rainha!
Só guardam pra mim sobrecu da galinha (bis..)
DANÇA DO BENTEVI
Avuô, avuô, bem-te-vi
Quem não sabe dançá
Sai daqui (BIS)
Qu’essa
roda aqui é de preto só
Se branco entrar cai no cipó (bis)
ENGENHO NOVO
Engenho novo, tá moendo, tá
Engenho novo, tá moendo, tá (bis)
Cê chupa cana espenica o bagaço
Morena bonita me dá um abraço
Engenho novo .... (bis)
TACA FOGO NA GIRANDA
Bota fogo na giranda,
quero ver queimar,
Ocê tá doido,
mangangá.
-BIS-
Eu vou laçar meu noivo
Na folhinha do poejo
Quem me dera que eu achasse
Quem no meu coração desejo.
Taca fogo na giranda...
CONTA DOS NOVE
Quem de dez tira um fica nove
Quem de nove tira um fica oito
Quem de oito tira um fica sete
Quem de sete tira um fica seis
Quem de seis tira um fica cinco
Quem de cinco tira um fica quatro
(repete: -- eu vou dançá
meu nove .... etc.)
Oi, tá serrando, tá serrando,
Tá serrando é de serrote
Muié tem força na língua
Como o boi tem no cangote.
Lá do céu é vem caindo
Três cartinhas do abecê
A do meio vem dizendo
Que só caso é com você
(Refrão):
Ai, ai, ai,
Foi ela que me deixou
Ai, ai, ai
Pruquê num mi tem amor (bis)
Penerei
fubá:
Fubá caiu
Fubá caiu
Eu
tornei penerar
Fubá sumiu.
Ai, ai, ai
Foi ela que
me deixou, .....
Ai, ai, ai,
Pru quê num
me tem amor
O DELEGADO FELÃO
Felão veio:
Num vei não
Pru quê qui num veio
Eu num sei não
Felão veio:
Num veio não
Pru que qui num veio
Eu nun sei não .... (bis)
A DANÇA D’AÇUCENA
Oi, suça, suça, Açucena
Oi suça eu, morena!
Oi suça, suça, Açucena,
Oi suça eu, morena!
O LOUVADO
Louvado seja Deus,
Bastião roubou um frei
Para sempre seja louvado
Bastião tem um freio roubado
Se não fosse o padrinho dele
Bastião tinha apanhado
Mas cumé qui é
Cumé que há de ser
Se ocê nunca me viu
Tá querendo me ver?
Dá seu jeito, meu capão juriti
Eu tou aqui patrão
Eu tou aqui.
ESTA NOITE EU TIVE UM SONHO:
E EU SONHAVA É COM VOCÊ
SE VOCÊ NÃO ACREDITA,
VOU SONHAR PRA VOCÊ VER
O sonho, como todos nós sabemos, é algo bem pessoal, um fenômeno
muito íntimo, muito pessoal, que só ocorre durante o sono e que às vezes é
muito confuso, indecifrável, enigmático ...
Muitos tentam decifrar o sonho, procurando nele razões,
explicações de fatos passados, esperando com eles prever o futuro ...
É muito difícil compreender os sonhos e muitos, ao buscar
entendê-los, ficam cada vez mais confusos.
Há sonhos que pensamos serem fatos reais e existem alguns que, tão
logo acordamos, tentamos analisá-los mas deles já nem mais lembramos o menor
detalhe. E existem pessoas que têm sérias dificuldades, e até traumas, ao lidar
com seus sonhos e pesadelos.
Outros existem que nem mesmo sonham.
Compartilhar um sonho significa desejar viver com outrem algo de
bom que se almeja, que se espera alcançar algum dia e, neste caso, o
significado de “sonhar” assume outras paragens e dimensões ...
No entanto, a singeleza, o primor e o encanto do cancioneiro
popular, a sabedoria simples do povo se revela no folclore, quando o sonho fica
bem próximo da realidade.
E é preciso que se preserve essa riqueza, para que se realizem
proezas mágicas e milagres poéticos, os mais inusitados...
Pois em dias de festas em louvor a Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos de Minas Novas, quando estiver andando pelas ladeiras da cidade, não se
assuste quando uma foliã dançante, em trajes domingueiros, tomar-lhe as mãos
levando-o a entrar na roda de um mangangá, cantando os refrães como os que
afirmam ser possível viver sonhos e fantasias, sonhar acordados, repetir sonhos
e repartir o amor e o carinho simples de um povo alegre e hospitaleiro
CÔCA E SALIA
Quando se fala em folclore e nas festas populares de Minas Novas,
vêm-nos imediatamente na memória as cantigas de roda e os famosos mangangás.
E, da mesma forma que existe em cada arte um artista que nela se
destaca, era na arte de entoar cantigas de roda que se destacou a insuperável
dupla formada por Socorro de
Nazaré e Salia de Donata.
Eram essas maravilhosas criaturas duas das figuras muito populares
em nossa cidade, pessoas simples, cujas vidas -- tão breves – foram marcadas de
muita alegria e de calor humano, essas riquezas fundamentais que milagrosamente
podem usufruir somente aquelas pessoas simples, dotadas de bom coração, as que
nada pedem e que tudo doam, que tudo que
têm querem dar aos que precisam e delas se acercam.
Côca - como era
carinhosamente chamada – e Salia, tinham em comum um porte físico
atarracado, de uma compleição pouco favorecida pelos padrões normais de beleza
geralmente esperados no sexo feminino, o que em nada, porém, lhes afetava a
vaidade e a boa disposição quando se apresentavam em qualquer lugar da cidade.
Apesar de baixinhas, nas estaturas físicas, desengonçadas e
pobres, por esses motivos não deixavam de ser graciosas, jamais demonstrando qualquer tipo de complexo, pelo
contrário, pois ambas faziam questão é de se mostrarem, em dias de festa, da
maneira exata de como de fato eram, usando suas roupas bem características, que
combinavam detalhes nos babados, nas pregas com fitas e rendas, nas cores vivas
e alegres como elas mesmas, quando iam à igreja ou aos folguedos populares em que sempre se destacavam pela
alegria e espontaneidade. E faziam disto com a mais invejável arte, com gosto e
com o melhor censo de humor, jamais agredindo ou desrespeitando as pessoas,
pois eram elas, também, bons exemplos de comportamento social, tendo recebido
boa formação familiar e por isso mesmo eram bem-vindas e consideradas em todos
os lugares da sociedade.
Não havia serviço honesto de que as duas se recusassem: Eram ótimas
cozinheiras, doceiras, lavadeiras, lenhadeiras, aguadeiras, varredeiras, boias-frias,
engomadeiras, parteiras e até carpideiras. Em tudo estavam presentes, sem nada
exigir como pagamento, sem nada pedir, mas espalhando dedicação, desejo de
servir, companheirismo, caridade, simpatia e, acima de tudo e em grande escala,
muita sabedoria popular traduzida nas brincadeiras de roda, do mangangá e das
cirandas com seus passos e cantigas ora alegres, ora tristes e nostálgicas.
Ambas viveram por um período muito curto, em uma existência
marcada pela exploração, num tempo de vida muito dura e sofrida, vitimadas que
foram pela irresponsabilidade de maus empregadores que jamais souberam
respeitar as características humanas de fragilidades e de carências que eram
comuns em outras mulheres de nossa terra que, assim como elas, foram fatalmente
marcadas pela incúria de uma época, ainda recente, em que voltou a ser
praticada a mão de obra escrava, nas atividades de implantação do lastimável e massivo
reflorestamento de eucalipto.
Essas duas cidadãs tiveram suas existências encurtadas pelo
exercício de um trabalho exaustivo e degradante no meio de agrotóxicos, da
poeira, da fuligem, do transporte penoso, arriscado, sobre carroceria de
caminhão, sem alojamentos adequados e submetidas a toda sorte de situações
desfavoráveis durante o longo tempo em que foram exploradas entre peões e
máquinas.
Nunca souberam reclamar seus direitos, pois não sabiam e nem mesmo
tiveram tempo de fazê-lo.
Da bondade que praticaram, nada em troca receberam a não ser o carinho e
o reconhecimento de todos que delas dependiam. A falta e a ausência delas deve
ser, até hoje, um suplício para seus familiares que, de repente, viram-se
privados não só da bondade, da ternura e da presença, mas do esteio firme e
seguro que representavam para eles em todos os momentos como um firme esteio de
solidariedade e de obstinada proteção.
A triste partida delas, embora saibamos com toda certeza de que
tiveram a melhor acolhida lá na Casa Celeste de Nossa Senhora, deixou aqui
entre nós um vazio imenso, que vai sempre ser percebido no meio do povo e nos
principais lugares onde se reúne a irmandade, mais ainda quando se aproximam os
dias da Festa do Rosário na qual tanto gostavam de participar.
A lembrança dessa inolvidável dupla é para alertar a todos da
grande necessidade de se respeitar o direito das pessoas, por mais simples que
sejam, pois é justamente nessas pessoas mais humildes que residem valores como
a verdadeira pureza, o encantamento de viver sem rancores, o exemplo de bem
servir ao próximo, de ser mensageiro de paz e de harmonia.
Côca era a Maria do Socorro que se recorria do rosário de tantas
virtudes que assim era a outra Maria, Salia, que na verdade se chamava Maria do
Rosário, ambas fazendo de suas existências um grande rosário de boas atitudes como
o fato de terem contribuído, como ninguém, para a preservação de grande acervo
oral de nossa arte popular, que enriquece nosso folclore, costumes e tradições,
o que representa, também, importante instrumento de louvação a Nossa Padroeira,
a Divina Mãe de Jesus, com as orações no formato de cantos, danças e folguedos,
nas quais se evidenciam a mensagem maior do amor e da importância de cantar o
canto de sabedoria que brota espontaneamente do coração das pessoas simples,
sofredoras e desamparadas pela justiça e, muito mais importante ainda, é o canal condutor da fé como instrumento de
amor e de esperanças no bem, na procura pela cidadania e pelas possibilidades
de uma vida digna para todos.
O NËGO ROMUALDO
“ Eu pus meu cará no fogo
Mandei Maria olhar
Maria mexeu, virou
Deixou meu cará queimar.”
Romualdo era um preto velho que aparecia na
cidade somente nos dias de festas populares, vindo não se sabe de onde, de que
ou com quem.
Chegava assim, maneiro, trazendo sua viola, seu alforje e seu
jeito ressabiado de quem quer apenas uma
beirada, se ajeitando matreiro ali por
perto onde lhe parecia ser o lugar mais adequado para “arranchar” durante os
dias de festa.
Sem pedir licença, ia chegando na casa do festeiro e ali se
colocava pronto para todo e qualquer serviço no terreiro, fosse para buscar e
lascar uma lenha, manter aceso o fogo das fornalhas e do forno, mexer o tacho
de doce, “barrer” o quintal, buscar água no rio, espantar um cachorro, dar um
recado na venda ou fazer qualquer outra embaixada.
Era uma figura estranha, mais tirada para doido. Não que fosse um
doido “barrido”, pois mesmo que o parecesse,
no máximo poderia ser um doido manso, e até útil para os serviços
domésticos.
Mas tinha ele, lá, isto sim, as suas manias e esquisitices ...
Assim é que ia ficando, até o dia da festa, quando se vestia com
sua fatiota branca, botava seu chapéu de palha todo enfeitado de fitas
coloridas e flores, e ia seguindo os cortejos, a
procissão, no meio do povo com sua viola desafinada e rouca.
Só sabia cantar umas toadas bobas, algumas de duplo sentido e sem
qualquer relação com o sagrado da festa, mas mesmo que não tivesse mais ninguém
para fazer-lhe companhia no seu folguedo improvisado, lá ia ele em seu solo no
meio do povo, solitário e alheio no meio da multidão.
Passadas as funções, retornava para o lugar de onde viera, do
mesmo jeito que chegara.
E pela estrada da roça, voltava o solitário Romualdo, seguindo seu
velho caminho...
Se perguntado pelos detalhes da festa que terminara, ele
respondia, fazendo sua avaliação:
“ -
Bem; ... foi até muito bom o movimento de gente ...
- Mas, já o movimento de boca... Quáaa!”
Dava aquele muxoxo característico de desdém, querendo demonstrar
sua insatisfação e discordância com a pouca quantidade de comida e de bebida
que foram distribuídas naquela festa ou então pelo pouco caso que lhe tivessem
dispensado as pessoas da casa, se não o tivessem deixado esbaldar-se do jeito
que ele bem queria, como era de seu desejo e costume.
E, assim sendo, só aparecia novamente na velha cidade, na próxima
festa do Rosário.
A MULA-SEM-CABEÇA
Afirmava Vicente Nicho, o antigo acendedor dos lampiões da antiga
iluminação pública da cidade mais antiga do Vale, que certa vez ele próprio
teria visto de bem perto a figura da terrível “Mula-sem-cabeça’.
Segundo sua narração, estava ele abastecendo de carbureto um dos
lampiões que se localizavam próximos à Casa da Câmara, os únicos que tinham de
permanecer acesos durante toda a noite, quando Já eram “mortas as horas” e o
restante da cidade já se encontrava totalmente às escuras, em absoluto silêncio
e todo o povo já recolhido aos “braços de morfeu”.
Os outros lampiões, já apagados, eram abastecidos com querosene,
combustível muito caro e que, por esta razão, exigia rigorosa economia no seu
uso. O carbureto, naquele horário, tinha como razão o fato de produzir uma
claridade mais intensa – necessária à melhor proteção do local – com o
inconveniente do cheiro forte e desagradável e que era utilizada somente
naquela parte da cidade, onde eram poucas as casas de residência, portanto para
não se correr o risco de perturbar a saúde dos moradores, os quais ficavam em
suas residências mais afastadas daquele local. Absorto naquela tarefa, de
repente, ele notou que a chama das lâmpadas iam aumentando, num crescendo
descomunal, em direção de um animal –
ali surgido como por encanto – e que o monstro possuía, no lugar da cabeça, um
grande cadinho, para o qual o enorme bicho sugava, para dentro de si, toda a
luminosidade emanada do carbureto, como se este fosse o seu combustível. Depois
de sorvida toda a luz que emanava dos lampiões a gás de carbureto, a mula sem
cabeça, com sua imensa tocha flamejante como se fosse um maçarico ardente e andante,
saiu veloz e trotando pela rua Direita, tirando fogo na calçada, quando aplicou
um violento coice na altura da última janela do Sobradão, derrubando-lhe um
pedaço do beiral do telhado, seguindo em direção do largo das Cavalhadas e, no
que ele pôde perceber, a fantasmagórica figura, como se conhece muito bem o
caminho, buscou seu refúgio e alojamento na estrebaria da antiga Pousada, cuja
porteira já estava aberta como se a esperasse e
para o acolher. Segundo o antigo funcionário municipal, naquela mesma
data e no exato momento da estranha visita, acabava de falecer, na cidade, uma
senhora “de boa família”, que as más línguas diziam ter sido “mulher do padre”,
ou seja, camareira piedosa do antigo vigário.
Assim, ficou esclarecida a origem da aterrorizadora personagem que
ainda hoje, nas sextas-feiras sem lua, apavora e amedronta a população de Minas
Novas.
* * * * * *
ZÉ DO GRÓ
Zé do Gró era um menino traquina, muito levado e malvado, que não
obedecia sua mãe, desrespeitava os mais velhos, não ia à missa aos domingos e
nem nos dias de guarda e naquele tempo já era viciado em uma droga que ele
mesmo sabia extrair do carapiá nativo da beira do ribeirão Bonsucesso.
Vivia ele atirando pedras nos teiús e preás, armando laços e
arapucas para pegar andorinhas e corujas, e construindo aratacas e paris
malvados para apanhar traíras e piabanhas, mesmo nas épocas das piracemas: era
um verdadeiro predador, inimigo da natureza, terror das famílias e das
lavadeiras que viviam reclamando de suas malasartes
e estripulias nas beiras de rio.
Certa vez, ele muito atrevido, foi logo desmanchado o ninho de uma
inofensiva garricha, tendo esta lançado-lhe suas pragas, em razão daquele mau
que estava causando a seus inocentes filhotes e, como todos sabem, praga de
mãe, mesmo que seja de uma passarinha, pega que nem fogo de raio em candeia
seca.
Dias depois deste fato, quando roubava os ovos no ninho da coruja,
moradora da torre esquerda da igreja do Rosário, o mocho ali de plantão
aplicou-lhe uma forte bicada no cocuruto da cabeça, o que lhe causou repentina
cegueira, da qual mais nunca se recuperou.
Cego e desorientado,perambulava de porta em porta, dependendo da
caridade pública e atormentado pelas pilhérias e aprontações que lhe faziam os
antigos companheiros de malvadezas, até que um certo dia, sentindo-se
desprezado e só, desapareceu da cidade e não foi visto mais em lugar algum.
Passaram-se anos e anos.... Até que, certa ocasião, quando os
zeladores da igreja resolveram reformar a torre do relógio, encontraram no vão que
existia entre o forro de madeira e o telhado, um corpo já bem seco – pele e
ossos – do cadáver daquele endiabrado que não se sabe como, ali foi parar,
talvez para fugir de si mesmo, na dor de sua consciência, para se purgar de
tantos pecados.
Retiraram daquele local o corpo esquelético do finado Zé do Gró,
que mais parecia um quiabo chocho ou um sapo seco, e como ninguém quis
enterrá-lo, colocaram-no provisoriamente em um esquife, de pé, perto da grande
caixa do relógio, e ali ficou “esquecido” durante muitos anos para dar exemplo
aos meninos maus da cidade, até que um dia seus restos foram levados ao
cemitério, pelas mãos caridosas de Corinto e Joaquim Camargos, dois dos
zeladores, tendo ficado livre a igreja, também, dos morcegos que tanto a
empestavam .
SÃO BENEDITO
Na belíssima igreja do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas,
além dos altares, das pinturas existentes no teto e das joias que enfeitam as
imagens -- nos dias de festa -- chama atenção a beleza barroca de vários santos
esculpidos em madeira, do tamanho normal de uma pessoa.
A imagem de Nossa Senhora do Rosário, com o “Deus Menino” nos
braços, nu e gracioso, tem um olhar penetrante como se estivesse fitando dentro
de nossa alma.
No dia da sua festa, é ela transportada em andor, todo enfeitado
de rendas e flores, seguindo pelas ladeiras da cidade, carregado nos ombros dos
irmãos de opa que se revezam piedosos e alheios ao considerável peso que lhes
sangram os ombros, mas que lhes aliviam os pecados, naquela penitência piedosa
e tão concorrida, andando descalços pelo sinuoso percurso da procissão que faz
lembrar os altos e baixos, o próprio curso irregular e pedregoso de suas
pecadoras vidas.
Nessa cerimônia, secular e comovente, seguem solenes, também, os
andores levando as imagens de São João Batista, o precursor de Jesus, Santo
Antônio de Lisboa, lembrando a devoção dos brancos portugueses, e as imagens
negras de Santa Rita, Santa Ifigênia e São Benedito, padroeiros,
respectivamente, dos bantos, nagôs e cabindas (os povos de origem da maioria
dos membros daquela grande irmandade).
Pela tradição, São Benedito, que teria sido cozinheiro de nobres,
é o santo que inspira, no profano da irmandade, os banquetes e as guloseimas
que se consomem durante todos os dias daquela centenária comemoração festiva
que dura, praticamente, todo o mês de junho de cada ano.
A imagem de São Benedito, em seus trajes de frade franciscano,
também tem olhos impressionantemente vivazes, num rosto negro perfeito que
contrasta com a alvura do Menino Jesus que ele carrega em seus braços como
símbolo de sua dedicação e apreço pelas crianças abandonadas, das quais é
considerado como o eterno padrinho.
Consta a lenda que, certa vez um antigo e malvado zelador da
igreja, às escondidas, aproveitando que os altares estavam passando por
reformas, torrou no cobre a imagem de São Benedito, vendendo-a para o
antiquário Salomão com o qual combinou de esperá-lo, com a encomenda, na
vizinha vila de Piedade.
Segundo o que afirmam as pessoas mais velhas do lugar, na calada
da noite ia o zelador, soturno ladrão, carregando a imagens imensa e pesada,
enrolada e camuflada em uma coberta de algodão, levando-a pelos caminhos
tortuosos da Vila da Piedade, enquanto se ouvia, lá dentro do mato, a cantoria
dos caboclos -- os espíritos dos africanos – que revoltados com aquela
criminosa atitude do gatuno, assim iam cantando e batendo em seus tambores:
“ Oi, São Benedito, óia lá,
Ocê anda comigo, devagar....
“ Oi, São Benedito, óia lá,
Ocê anda comigo, devagar ...
Chegando a Turmalina o larápio não achou o tal antiquário
comprador, por mais que o procurasse por todos os cantos, e ali ficou
perambulando pelas ruas, ensandecido, sem ver a cor do cobre que lhe fora
prometido pelo abusado comprador de antiguidades, tendo ficado desorientado,
sem rumo e mais nunca voltou para a Vila do Fanado, tendo desaparecido e jamais
dando qualquer de suas notícias.
O São Benedito, misteriosamente, já pela manhã, reapareceu na
porta da Igreja do Rosário, todo vestido e paramentado como se fosse um
sacerdote na hora de celebrar uma missa!
Da mesma maneira que acontecera com a imagem de São Benedito, que
é tão difícil de esconder dado o seu imenso tamanho, as imagens de Santa Rita e
Santa Ifigênia, que por serem pequeninas parecem não ter tanta importância como
objeto de arte, mas que na realidade são bastante valorizadas não só pela
grande veneração de seus fieis, como pela sua preciosidade que são consideradas
no mercado negro da arte sacra, razão pela qual também são muito cobiçadas
pelos facínoras e até já foram vítimas de roubos de seus respectivos altares,
mas logo-logo foram descobertos seus paradeiros e presos os infelizes ladrões,
que eram acometidos por estranhas vibrações e comportamentos que os obrigavam a
devolver o furto.
De acordo com depoimento de João de Deus, que morreu com 101 anos
no ano de 2001, quando ocupava o cargo de “general” da Guarda do Rosário, desde
o tempo de seu pai que se chamava Rufino
e que lhe passou o comando da Guarda da Irmandade, ele, quando era ainda menino,
assistiu à “consumição” de um rapaz que tentou roubar uma das imagens, tendo o
endiabrado menino sofrido de fortes convulsões e inexplicáveis cãibras de
sangue, até o momento da devolução do objeto roubado.
Essa misteriosa simpatia, que protege o patrimônio material da
Irmandade do Rosário - comprovadamente eficiente - não dispensa a preocupação
que os membros da irmandade têm tido na disposição de vigiá-la, seja através dos zeladores da própria Guarda, do
catálogo minucioso de todas as peças, que mandaram executar com todos os dados,
fotografias e sinais particulares, além do cuidado da sua boa administração e
da preocupação atual de se instalar
modernos equipamentos eletrônicos destinados à sua constante proteção contra
qualquer tipo de sinistro.
O fato é que, das igrejas da cidade, graças talvez a essa
simpatia, a mais segura e que tem sido bem preservada é a de Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos, a única que tem intacto o seu rico patrimônio, ao
contrário das demais que já foram saqueadas até mesmo por bandidos já
identificados como pessoas do meio eclesiástico, mas que continuam impunes.
-- - - - - - - - - - - -
O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA
Somente nos dias da Festa do Rosário, 23, 24 e 25 de junho, quando
a irmandade está reunida, é que se retiram dos cofres as joias de Nossa
Senhora, um razoável acervo de medalhas, moedas, broches, cordões, brincos,
diademas e coroas, de prata, ouro e pedrarias, que, nos dias normais, fica
depositada em custódia especial do Banco.
De todas as joias, entretanto, a mais valiosa e digna de admiração
é o maravilhoso rosário todo confeccionado com pedrarias encastoadas de ouro.
Este rosário foi um dos presentes ofertados à irmandade pela
Princesa Isabel, bem antes da abolição da escravatura, pois também foram
presentes da Família Imperial, muitos dos objetos de prata de lei que compõem o
acervo, como pálios, tocheiros, ostensórios e âmbulas que durante as cerimônias
sacras são utilizadas solenemente.
Aquele vistoso e valioso rosário por um bom tempo ficou
desaparecido, fazendo recair em várias pessoas a suspeita de roubo, causando
grande sofrimento não só às famílias dos suspeitos, mas, de resto, a toda a irmandade que congregava, praticamente,
toda a população da cidade, naquela época.
A cada festa, sentia-se aquele constrangimento geral com o
extravio da importante peça, que deixava de aparecer enfeitando a linda imagem
da nossa Padroeira. Os festejos já nem eram comemorados com tanta pompa e
entusiasmo.
As investigações não cessavam e, certa vez, resolveram apertar um dos
suspeitos, levando-o até a delegacia de polícia onde ele, aos prantos e jurando
sua inocência, pediu clemência a Nossa Senhora do Rosário rogando-lhe que
apontasse, de alguma forma, o verdadeiro culpado.
Como estava muito velho e doente, deixaram-no solto e ele retornou
a sua casa, onde já acamado e delirante, afirmava que o larápio seria
encontrado, a qualquer momento, pois o ladrão, por castigo, já estaria morto e
seco junto do precioso objeto desaparecido.
Passado algum tempo, aproximando-se o dia da festa, quando a
irmandade se reúne para a Lavação da Igreja, ao mandarem corrigir uma goteira,
encontraram um ninho de coruja, na cumeeira do telhado, e entre velhos ovos não
eclodidos, a ossada e as penas da ave, reluziam as lindas contas de brilhantes.
Acorreram, todos, à casa do principal suspeito para dar-lhes a boa
nova:
Encontraram-no já agonizante, mas sorridente, com aquela expressão
serena e calma das pessoas inocentes, de bom coração e de consciência
tranquila, tendo sobre si uma velha bandeira azul e vermelha com a qual,
durante muitos anos, fazia pela zona rural o tradicional “giro” da Folia de
Nossa Senhora do Rosário, um rito antigo que os padres ainda teimam em proibir
por julgá-los profano, encontrando nele laivos do candomblé, motivo da injusta
perseguição por parte das autoridades, utilizando-se dele como “bode
expiatório” naquela triste situação.
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