quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ALGODÃO - O OURO BRANCO DAS MINAS NOVAS

ALGODAO DE MINAS NOVAS
Concessa Vaz de Macedo

O algodão:

A produção de tecidos de algodão, no século 19, confundia-se com o vaivém das tropas de burros carregadas de produtos para a Corte, entre os quais, e expressivamente, os fardos de algodão e de tecidos dessa fibra, tão bem registrados pelos viajantes que por Minas passaram.

As tropas de burros tornaram-se um distintivo do século 19. Não só eram numerosas como enormes eram as distâncias a serem percorridas para transacionar a produção do mineiro. Tamanhas distâncias, em vias acidentadas e pessimamente conservadas, antigas picadas criadas pelos índios, parecem não ter constrangido os tropeiros, eles próprios proprietários ou filhos dos mesmos, senão seus agentes, intermediários ou marchantes.

As mulas cargueiras levavam para o Rio de Janeiro – o maior pólo de atração dos produtos mineiros da época – uma quantidade colossal de mercadorias. Em 1817, “O mais importante artigo de comércio que os mineiros para aqui trazem é o algodão bruto; mas, além disso, também considerável quantidade de tecido de algodão grosseiro, para a roupa dos escravos negros e para exportação ao Rio Grande do Sul e Buenos Aires, vindo sobretudo das
Comarcas de Sabará e São João del Rei; também queijos, toucinhos e tijolos de marmelada são conduzidos pelas tropas de Minas Gerais” (Spix e Martius, 1981, p. 79).

John Mawe, um dos primeiros viajantes estrangeiros a aportar no Brasil no início do século 19, já havia se referido ao algodão de Minas Novas como “igual em brancura e finura ao de Pernambuco, sendo transportado em lombo de burros ao Rio de Janeiro”, em grandes tropas (1978, p. 163). Alguns anos depois, os mesmos Spix e Martius supra citados referiram-se a essa fibra nos seguintes termos:

A maior quantidade desse artigo vai para o Rio de Janeiro, praça que é suprida exclusivamente por Minas Novas. Depois do algodão de Pernambuco é o de Minas Novas o mais apreciado no Brasil. Negociantes estrangeiros, através de seus agentes franceses e ingleses, vão a Minas Novas comprar enormes partidas de algodão para suas firmas” (op.cit., p. 50).

As plantações de algodão constituíam a riqueza da região de Minas Novas, cuja sede era a Vila de Fanado. O naturalista francês Saint-Hilaire, que por aqui esteve por um longo e prolongado período, observou nessa vasta região, em 1816, a existência da zona das caatingas, quente e elevada, a mais adequada para o cultivo do algodão. Situada às margens do Araçuaí e entre este último rio e o Jequitinhonha, [possui] terra leve, acinzentada e um tanto arenosa [que tanto] convém ao algodoeiro; por isso, essa planta é geralmente cultivada na região, e é ela que constitui sua riqueza (...) As paróquias de Vila do Fanado, Água Suja, São Domingos, Chapada, e, finalmente a Sétima Divisão, produzem-no em grande quantidade” (1975, p. 193-194).

O valor mercantil dessa planta pareceu ao naturalista igualmente notável: “Os comerciantes conhecem hoje em dia a boa qualidade do algodão de Minas Novas, e é cotado nas bolsas comerciais como o de Pernambuco (op.cit., p. 236). A boa reputação dessa fibra mantinha-se viva pelos meados do século, e sobre as terras de Minas Novas recaía o destaque: “A região de Minas Novas é uma região das caatingas, muito apropriada à cultura do algodão. Uma parte da colheita é empregada na própria região [da Vila do Fanado, em 1836], para a fabricação de panos e cobertas. O algodão exportado é posto em uma espécie de saco, chamado broacas ou bruacas, feito de dois couros de boi presos um ao outro por tiras igualmente de couro.” (d’Orbigny, 1976, p. 132).

Planta tropical e subtropical, sua fama parece ter durado ainda muito, pois, Burton, viajando do Rio de Janeiro à Mina do Morro Velho, não deixou de expressar sua admiração por aquela. Referiu-se, todavia, ao algodão das Gerais, aquele que emana dessa região montanhosa: “já em 1862, a Exposição de Londres mostrou que esta região supera todas as outras no fornecimento do algodão que nossos fabricantes tanto procuram” (1976, p. 24).

Nas redondezas de Santa Luzia, em viagem de canoa até o Atlântico, o referido viajante inglês notou novidades nas espécies de algodoeiro em 1867:

“[Na fazenda visitada] A planta era, em sua maioria, herbácea; sua semente foi introduzida recentemente, mas ainda persiste o tipo brasileiro, que, depois de alguns anos, transforma-se em uma árvore de cinco metros de altura, da grossura do braço de um homem, luxuriante folhagem, flores amarelas-avermelhadas e com forte fio de mediana qualidade, apresentando tamanho moderado, sementes nuas e pretas. É o Gossypium arboreum de que falam os viajantes deste Império, o correspondente mais próximo do algodão-da-índia, de flores vermelhas, semente verde e pequena qualidade”
(op.cit., 1977, p. 25).

Foi da felpa vegetal desse gênero da família das malváceas (Gossypium) que as fiandeiras e tecedeiras mineiras, livres e escravas, mas sobretudo livres em sua maioria, produziram o chamado Pano de Minas.

 O descaroçamento do algodão:

Depois de colhido o algodão, um tedioso processo feito à mão, desde que nem todos os capulhos amadurecem ao mesmo tempo, as fibras se apresentam emaranhadas e cheias de impurezas, além dos caroços ou sementes, o que dificulta a fiação imediata. O primeiro procedimento consiste em retirar as sementes do algodão.

Na Índia, célebre por seus tecidos finíssimos de algodão – as renomadas musselinas que ainda cruzam os mares de hoje, um pequeno implemento era usado, consistindo de dois rolos ou cilindros de madeira, um deles contendo cinco ou seis fendas ou ranhuras, que girando em direção oposta um ao outro faziam expelir as sementes aí inseridas com os chumaços de algodão.

Um instrumento similar era utilizado no Brasil mesmo antes da expansão da produção mineira no século 19. É possível que tenha chegado até nós através dos árabes que ocuparam a Península Ibérica nos séculos 8 e 9 de nossa era.

Renomados produtores de tecidos de algodão levaram consigo essa e outras indústrias de elevado padrão.
  
Descaroçadores do tipo indiano foram observados em Minas por um número de viajantes. Em 1824, visitando uma fazenda nos arredores de Santa Luzia, Langsdorff, cônsul da Rússia, deparou-se com um implemento dos mais simples e antigos:

“Dois cilindros de madeira sobrepostos. As crianças enviadas para o
trabalho grosso são empregadas nessa atividade, onde são muito úteis. O capitão não quer saber de descaroçadores de cilindros de ferro movidos a água, pois eles esquentam muito rápido, queimam o algodão e produzem fio quebradiço” (1997, p. 166).

Transcorrido quase meio século, Burton descreveu o mesmo descaroçador em visita ao departamento de fiação e tecelagem da Mina do Morro Velho:

“A semente é removida da penugem por uma “charkha”, um verdadeiro brinquedo, dois pequenos cilindros de madeira lisa e muito dura, com cerca de 30 centímetros de comprimento, da espessura de um cabo de vassoura, ajustados em uma armação diminuta e movidos em direção contrária, por meio de guinchos (há muitas variedades de roda, e muitos têm apenas um guincho). Estes são movidos por duas crianças, enquanto uma terceira coloca o algodão, que passa entre os rolos e sai limpo. Vi, depois, um
melhoramento introduzido nessa rude e venerável máquina manual: uma roda hidráulica, manobrada por meio de polias e faixas, com oito jogos de cilindros, cada um dirigido por um escravo, limpava 48 quilos de algodão por dia.

Acrescentando-se um alimentador para introduzir o algodão, um descarregador para removê-lo e um ventilador para transportar a penugem, duas mãos podem fazer o trabalho de oito” (op.cit., 1976, p. 210-211).

Descaroçadores de algodão movidos a água não eram  desconhecidos, embora reduzidos em número. Tudo indica que implementos desse tipo se concentravam onde quer que quedas d’água, ou mesmo correntes, o permitissem.

Embora os “brinquedos” manuais exigissem mais tempo e trabalho braçal, mesmo que infantil, parece que além de preservarem melhor as delicadas fibras do algodão, como afirmava o capitão-fazendeiro visitado por Langsdorff, tinham a propriedade de serem extremamente práticos – leves, portáteis, fáceis de fazer e de operar; qualidades não desprezíveis. De um lado, contemplavam os habitantes de regiões não regadas, de outro, aqueles sem pouso fixo porque desprovidos de propriedade.

E eram muitos os que perambulavam pelas terras de Minas...

Alguma adaptação para economizar tempo de trabalho não era rara ocorrência. Com efeito, um exemplo dessa tentativa foi observado por Saint-Hilaire muito mais cedo, em 1817, quando de sua visita a Sucuriú na região do rio Araçuaí:

“Um dos principais fabricantes da povoação do Sucuriú se servia de uma corrente de água para fazer mover ao mesmo tempo várias pequenas máquinas (...) e que servem para separar o algodão de suas sementes. Ao eixo de uma roda exterior e vertical estava preso, no interior da casa de engenho, um tambor de quatro pés de diâmetro, pelo qual se passavam várias cordas. As pequenas máquinas de descaroçar o algodão, (...) em vez de terminar por uma manivela, cada cilindro encaixava sua extremidade em uma pequena roda plena, de cerca de quatro dedos de diâmetro, colocada para fora dos montantes. Em cada uma dessas rodas passava uma corda que
vinha do tambor, e quando este girava, fazia mover em sentido contrário as duas rodas e, por conseguinte, os cilindros; o algodão se limpava” (1975, p. 228).

Cabe salientar, ademais, que os descaroçadores pequenos, manuais,
operados por crianças prescindiam do ferro, importado por longo tempo antes que as jazidas desse minério fossem exploradas economicamente em Minas Gerais.

Caro, face à madeira, tornava-se proibitivo para a maioria da gente. Depois de descaroçado, o algodão deve ainda ser limpo, as fibras desembaraçadas e os nós desfeitos. Corpos estranhos maiores podem ser retirados apoquentando as fibras com os dedos, o que permite, ademais, que as fibras se fundam em harmonia para a fiação.

obs. =  E mesmo assim, negam-se a colocar Minas Novas no roteiro da "Estrada Real".

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