sábado, 31 de janeiro de 2009

VOCÊ, ALGUM DIA, JÁ GRAVOU SEU NOME NUMA ÁRVORE?

AS INSCRIÇÕES FEITAS NAS CASCAS DAS ÁRVORES SOBEM TRONCO ARRIBA ENQUANTO ELA CRESCE?

Não são poucas as pessoas que acreditam que uma inscrição feita na casca de uma árvore vá aos poucos subindo, imaginando que o tronco cresça para cima. Nada mais equivocado. Eu próprio, nos meus tempos de adolescente, fiz uma poesia falando algo semelhante. A crença é antiga e oriunda da poesia bucólica latina. Virgílio (71-19aC) faz menção ao fato em sua obra Bucólicas (X, 52-54); Ovídio (43aC-17dC) cita-o em seu livro Heróides (23), bem como Petrônio (14aC-66aC), que escreveu sobre uma árvore que cresceu e um ramo encobriu as inscrições: Crescit arbor, gliscit ardor, ramus implet litteras.

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-O engano passou da antiguidade à literatura moderna. Vou citar dois exemplos.

O primeiro, do poeta brasileiro Fagundes Varella (1841-1875), na poesia "As Letras":


"Na tênue casca de verde arbusto
Gravei teu nome, depois parti;
Foram-se os anos, foram-se os meses,
Foram-se os dias, acho-me aqui.

Mas ai! o arbusto se fez tão alto,
Teu nome erguendo, que mais não vi!
E nessas letras que aos céus subiam
Meus belos sonhos de amor perdi"



O segundo, "Versos de circunstância", é de Jean Cocteau (1889-1963), poeta, dramaturgo, romancista e desenhista francês:

"Em vez de gravá-lo em mármore,
Guarde teu nome numa árvore,
Que ela crescendo, há de ver
Teu nome também crescer
"


A título de curiosidade, transcrevo aqui a estrofe de minha infeliz poesia:

"Num gomo de velha palmeira
Gravei meu romance a punhal
No tronco que no céu mergulha
Lá onde não pisa o mortal."


Quanto ao fato de se crer que uma inscrição numa casca de árvore vá para o alto com o suposto crescimento do tronco e, por isso mesmo, não ser mais visível do chão, há certas espécies que possuem tal capacidade de regeneração que os talhos feitos em sua casca desaparecem por completo com o passar dos anos – uma explicação simples para o sumiço ou a "invisibilidade" de uma inscrição.

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O viajante português Augusto Emílio Zaluar, em sua obra Peregrinação pela província de São Paulo – 1860-1861, cita um caso clássico envolvendo D. Pedro I: certa feita, o imperador passando por Guaratinguetá, deixou suas iniciais numa figueira monumental que se situava na entrada da cidade. Zaluar escreveu: "Aí pernoitou esse dia, e foi por ocasião que entalhou a sua inicial no tronco da figueira. A árvore hoje tem crescido a ponto que as letras P. I., que então ficavam na altura do braço de um cavaleiro, agora tem a elevação de mais de três homens".

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Agora, o biólogo e desenhista de botânca V-Newton vai falar: na verdade, o desenvolvimento de uma árvore ocorre de duas maneiras: a primeira pelas extremidades de todos os ramos, nos quais há um grupo de células que se dividem, fazendo-os alongar; a segunda, pelo câmbio, que é uma camada de células que recobre a parte do lenho da árvore. Quando as células do câmbio se dividem, o tronco, os galhos, os ramos e as raízes tornam-se mais grossos. (Na foto, inscrição minha em coqueiro em frente a casa onde eu morava na Usina Palmeiras; ela está na mesma altura de quando foi feita, quando eu tinha uns 10 anos. Saudades...)

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Enfim, o fato de uma inscrição numa árvore ir para cima não passa de mera crendice popular – uma mentira pra lá de cabeluda! Verdade mesmo, só o daquele causo estrelado por um famoso contador de histórias ararense – o velho Civilico que, certa vez, esqueceu seu relógio pendurado numa pequena árvore quando foi pescar e, anos depois,retornando ao local, viu o mesmo lá em cima, num galho da árvore já crescida, e funcionando..

É que um raminho de cipó dava corda nele enquanto crescia!... Êta fumico forte!

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Quanto ao fato de ser crendice ou apenas invencionice de alguém que tenha mente fértil (ou inspirada), não entrarei no mérito da questão, até porque sou testemunha de uma fato que passo a narrar:

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Eis o meu caso:

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Antigo funcionário do Banco do Brasil, tive a ventura de conviver com um colega de CREAI, na agência da bucólica cidade mineira de Minas Novas, onde exercíamos funções, eu de investigador de cadastro e ele de fiscal da carteira, naqueles idos da gloriosa década de 1980. Esse funcionário, muito zeloso em todas as suas atribuições, dedicava trato especial em seus laudos onde, geralmente, tudo registrava no sentido de ver o mutuário atendido e beneficiado com a liberação das parcelas, cujo crédito em conta-corrente só se verificaria mediante a comprovação da regularidade na aplicação dos recursos que até ali tivessem merecido a liberação. Essa nobre atitude, aliás, era comum entre a maioria dos funcionários do BB que – naquela paupérrima região do Vale do Jequitinhonha – sabiam que, levando-se em conta a finalidade social do Banco, o pequeno valor dos custeios de lavouras e das atividades agropecuárias para os pequenos sitiantes, os créditos deveriam ocorrer como se fossem a fundo perdido, procurando contornar, assim, as rigorosas exigências normativas (justas de serem observadas em outras regiões!) como uma fórmula dissimulada de se permitir, eventualmente, uma transferência de rendas ao produtor rural, o que deveria ainda hoje ser norma oficialmente adotada pelo governo federal através dos bancos públicos, principalmente nestas regiões onde a produção é de subsistência.

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O dito funcionário, cujo nome deixo de revelar por razões óbvias, bem que poderia estar hoje a serviço do projeto "Fome Zero" em razão de sua vocação socializante, talvez fruto da observação inteligente, da sua sabida convivência com as adversidades, desde menino, de sua visão prática acerca das agruras do Vale, pois conhecia como ninguém todos os detalhes da vida sofrida do caboclo, do sertanejo e do groteiro, com os quais se identificava, sendo que toda aquela gente simples tinha nele um grande defensor. E era assim agindo, movido pelo espírito de solidariedade e de justiça, que ele se valia da experiência acumulada na vida, como antigo garimpeiro, ex-peão de obras e homem simples que sempre foi muito próximo do povo e que conseguira, já maduro, ingressar por concurso na carreira bancária. Era incrível o seu poder de convencimento, seus argumentos colocados de forma corajosa, com os quais debatia em reuniões internas e todas as oportunidades que tinha de se expressar, no que muito colaborou, de forma decisiva, para a boa atuação do BB naquela quadra de transição econômica de triste memória, quando era agente financeiro de uma reforma agrária que nunca funcionou, muito embora a vigência de uma fartura de crédito direcionado e facilitado para atender a política de subsidio das atividades rurais, com base em Tabelas de VBC (Valores Básicos de Custeio), adequando-se à realidade de cada região do país.

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Esse colega elaborava seus extensos relatórios, quase sempre vazados em textos apropriados e ajustados a cada caso, atendendo mais às exigências gramaticais e à sua própria inspiração poética, onde procurava sensibilizar o gerente para os problemas genéricos, desviando, intencionalmente, a atenção dele de possíveis falhas que apontava apenas sub-repticiamente aqueles que deveriam ser abordados para o caso, não os omitindo somente para livrar-e de ser acusado de omisso. Lembro-me de que, sendo ele escalado para vistoriar a propriedade de um pequeno produtor da região do Rio Setúbal, deveria ele averiguar a irregularidade apontada na vistoria de outro colega, também fiscal, cuja fama era de ser fiel às filigranas, que havia apresentado um laudo rigoroso, sendo então contestado pelo mutuário que afirmava peremptoriamente ter cumprido todas as exigências do contrato. Tratava-se, a falta apontada, de uma das porteiras do curral, prevista no contrato, a qual estaria assentada incorretamente, o que impediria a liberação dos novos recursos para a complementação da obra. Ao conferir o serviço realizado, de fato o fiscal Silvio encontrou no referido curral aquele porteira que era o motivo da sua vistoria. Entretanto, notou que existia um lance de tábuas, naquele curral, onde o carpinteiro – por zelo econômico -- aproveitou para assentar ali algumas réguas sobre o tronco de uma velha aroeira, que se desenvolvia rente ao barranco, vendo neste detalhe a oportunidade de contornar aquela situação, pelo que aconselhou ao fazendeiro a convocar o operário para o refazimento do serviço, que desta feita deveria ser a introdução, naquele espaço, da dita porteira que estava faltando. Neste artifício, deveria a porteira ser afixada bem acima do nível das outras madeiras lavradas, dando-se a impressão de que havia alçado àquelas alturas em razão do natural crescimento da árvore em questão, o que justificava não ter sido visualizada pelo funcionário do BB que ali estivera, "en passant", em missão que se revelou prejudicada pela ausência do principal gestor da fazenda, ocasião em que lhe passou despercebida a benfeitoria que, de fato, há muito já estaria ali colocada, conforme fez constar em seu presente relatório. Citou, evidentemente, que em razão da rotina a que se submetia diariamente o gado ali apascentado, quase que nenhuma função útil exerceria a cancela, configurando-se quase como desnecessária no contexto daquele equipamento rural, ora objeto do mútuo, observando-se que, embora deslocada do campo visual, como estava, ficava o interstício resultante entre suas peças, que em nada vinha obstaculizando o funcionamento adequado de todo o complexo, permitindo-se assim que em nada comprometesse as finalidades produtivas almejadas de ambas as partes.

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Sabedores que somos, todos nós pobres mortais, de que os bons gerentes naquele tempo confiavam em seus comissionados, e por isto nem mesmo liam com atenção os laudos e pareceres que lhes chegavam à mesa, e a todos colocavam a chancela do "libere-se", mais uma vez aquele zeloso fiscal cumpria sua função de promover o bom atendimento aos mini-fazendeiros que eram inúmeros em toda região, possibilitando a democratização do crédito rural e a melhoria na produtividade das pequenas propriedades que prodigalizavam a fartura daqueles municípios, os mesmos que hoje nada produzem além do carvão e da miséria que dele resulta naquele Vale de Lágrimas hoje totalmente invadido pelo maldito eucalipto.

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Bons tempos aqueles!

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