geraldo mota
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UMA SACOLINHA DE VELUDO MARROM...
Eu tenho uma mania, talvez defeito ou coisa que o valha, qual seja o costume de guardar quinquilharias que às vezes, quando com elas me deparo em uma gaveta, armário ou estante, fico até com receio de que alguém, ao vê-las, associando-as ao dono, possa, de alguma forma, colocar em dúvida o equilíbrio de meu juízo. Periodicamente, porém, faço – ou pelo menos tento fazer - um destes "seiri" que aprendemos organizar nos cursos de administração, mas por mais que me esforce em seguir todas os passos dessa boa rotina, termino por retornar com a totalidade do lote para seus antigos lugares, onde vão eles ficando à espera de muitos outros que ali se vão acumulando. Não se trata de correspondências, diplomas, selos, apólices, troféus, medalhas, relíquias, objeto de arte, fotografias, livros raros, gravações, peças do vestuário ou algum outro objeto de valor sonante ou estimável. Geralmente são simples recortes de jornais, velhos ingressos de teatro ou cinema, almanaques, calendários, embalagem de algum produto em desuso, um enfeite utilizado em alguma festa, um brinquedo quebrado ou uma peça estranha de um maquinário que nunca vi. Acondiciono, tudo muito bem organizado, e vou conservando ali a meu alcance para com eles fazer não sei o quê ou para me servir, como utilidade, não sei quando: são os meus tesouros, aos quais atribuo valores incomensuráveis, inalienáveis sob qualquer condição.
Um dia desses encontrei no meu velho baú uma sacolinha de veludo marrom, que há mais de 40 anos sempre estava perambulando por entre aquela miscelânea, sem nunca ter despertado maiores curiosidades que me levassem a verificar o que ali guardava ou escondia. Parecia-me algo bem familiar mas sem qualquer significância, pelo que decidi dela me desfazer imediatamente como se aquela minúscula embalagem estivesse, como estorvo, ocupando um espaço precioso no qual pudesse colocar uma outra "preciosidade" mais importante. Apalpei aquele antigo invólucro e não senti, pelo tato,naquele momento,que dentro dele contivesse algo digno de ser conservado. Lancei-o, incontinenti, sem abri-lo, numa lixeira de cerâmica vermelha -um potezinho velho feito por uma das "Meninas do Baú"- vaso que também teima em me acompanhar por todo este tempo como boa lembrança daquelas amáveis figuras que trabalhavam no Sítio do Baú, lugar (...o referido potezinho) aonde destino os raríssimos descartáveis ou recicláveis.
Bendita e providêncial atitude! Eis que, movido por uma última curiosidade, antes de destinar ao lixo definitivo aquele curioso e antigo objeto, moveu-me um estranho impulso de verificar o seu conteúdo e qual não foi a minha surpresa ao descobrir um papelote, dobradinho de forma triangular, no qual continha uma quantidade mínima de um pó metálico e brilhante, pouco mais de um quilate de ouro de fundo de bateia. Foi como uma descarga elétrica que me veio à memória daquele longínquo mas tão nítido momento em que recebi aquele mimo que me foi entregue quando, já estando acomodado dentro da velha jardineira de Geraldo 23, naquela madrugada de 11 de novembro de 1967, quase na hora exata da minha partida em busca de meu destino na capital do Estado. Recebia, assim, o pacotinho das mãos de Gato Martins, antigo vizinho de nossa casa, que no ponto de ônibus de Manoel Porreta estava na companhia de Plínio, Luizinho e outros seresteiros que vararam a noite, na esbórnia, e ali estavam justo para assistirem à minha saída. Na véspera havia comemorado, em família, o meu 17° aniversário e em razão deste fato ele, o meu saudoso amigo, apresentou-se muito solene trazendo-me, quase que tardiamente, o seu presente, recomendando-me que nele não reparasse pois se tratava de um mimo muito simples, um reles limpador de discos, pedindo-me – no entretanto - que o conservasse como sua lembrança, com muito cuidado, servindo-se daquele pedacinho de veludo para lustrar os Lps que certamente, segundo seu cálculo de apurado discófilo, deveriam estar seguindo comigo, dentro de minha bagagem. E esta foi,realmente,a serventia daquele paninho marrom até o exato momento em que descobri, surpreso, que na sua dobradura costurada com linha existia aquela quantidade de ouro, certamente o resultado de várias bateadas cuja apuração em dinheiro da época de tantas dificuldades poderia ter sido suficiente para o antigo garimpeiro custear uma boa farra, uma completa feira ou até mesmo comprar algumas gravatas que eram o único luxo a que eventualmente mais se permitia. A quantidade de ouro, algumas oitavas, vários vinténs – talvez gramas -, todo este tempo ficara despercebido. O seu valor, porém, a partir daquele momento, agigantou-se em meus cálculos, revelando-me o verdadeiro lastro de uma amizade tão sincera, ao mensurar o gigantismo daquele gesto – o de presentear-me com um simples limpador de discos – mas que, na verdade, guardava a sua motivação que era mostrar o quanto aquele velho amigo me considerava e que, numa mensagem cifrada, dizia-me da grande importância em conservar, não só os tesouros materiais, mas as coisas simples da vida como o carinho e amizade das pessoas que fazem parte do nosso cotidiano. O ouro, mesmo que fosse uma barra de muitas toneladas, não seria tão valioso quanto ao peso daquele saquinho marrom que agora carrego como um amuleto e uma relíquia. Sempre que deparo com alguma dificuldade, o velho limpador de discos me coça, dentro do bolso, e então vejo o semblante sempre alegre do meu saudoso amigo Tião Martins, uma criatura tão rica de sabedoria, que foi defensor da natureza, amante da boa música, filósofo e mestre do futebol sem nunca ter tido a ventura e alguma oportunidade de estudar ou mesmo de conhecer outros mundos senão aquele pacato e tão carente lugarejo onde pouco se tem de bens materiais, mas de muito existia de bons e sinceros amigos como essa maravilhosa figura que deveria ser reverenciada – sempre – por todos os que residem em nossa velha Minas Novas.
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