quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A SAGA DOS CAMINHÕES - 2

São muitas as pessoas de bem que, ao longo de nossa história, passaram por Minas Novas e que aqui foram impedidas de realizarem missões e muitos dos acalantados projetos em benefício do povo. Vamos, aos poucos, conhecer algumas delas. Havia anunciado que hoje discorreria sobre um fato pouco conhecido -- ou melhor -- jamais divulgado, relacionado ao Padre WILLYAMUS JOANNES LELLIVELD (mais conhecido por "Padre Vily") um padre europeu, culto, idealista e corajoso que até pouco tempo vivia humildemente em seu querido Patronato de Leliveldia, no vizinho município de Berilo, estando lá enterrados os seus restos mortais, na Igreja que construiu com seus próprios recursos. Entretanto, para dar uma sequência cronológica aos fatos - ensejando a possibilidade de melhor entendimento da história, o assunto de hoje, sem fugir ao tema, será sobre o episódio da chegada do primeiro auto-caminhão a nossa cidade. Depois deste capítulo é que publicaremos, então, a

"Chegada do Padre Vily a Minas Novas".

AGUARDEM!

O CAMINHÃO DE MANOEL CRISTIANISMO COSTA

No longínquo ano de 1919 chegou a Minas Novas, vindo da adiantada e próspera cidade de Teófilo Otoni, o primeiro veículo motorizado a adentrar as ruas da velha e alquebrada cidade. Para conseguir esse feito histórico e extraordinário o comerciante Manoel Cristianismo Costa custeou, com seus próprios meios, a raspagem do mato e o ajeito das passagens mais difíceis de serem vencidas, naquelas 30 léguas que separavam a cidade-mãe da cidade-filha, naquele percurso que, tendo sido uma estrada, já se transformara em capoeira pelo desuso..

Esse trajeto era o mesmo caminho carroçável que, há alguns anos, fora desbravado pelo pioneiro Theóphilo Benedicto Ottoni, quando este transferiu a sua empresa Santa Clara, antes sediada na Vila do Fanado, para a promissora Vila de Filadélfia que acabara de fundar.

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Havia transcorrido, daquela data, mais de 20 anos que por ali não passava nem mesmo carro de boi, sendo que o caminho já se havia deteriorado pelo pisotear constantes das tropas, as quais, durante esse período, esvaziaram, de vez, as poucas riquezas que restaram da antiga cidade dos Badarós.

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A chegada do auto-caminhão, depois de cinco dias de difícil jornada – que hoje se faz em apenas 4 ou 5 horas – foi uma verdadeira efeméride que ficou marcada oficialmente nos anais do município, motivo de júbilo para a população de Minas Novas, que havia muito tempo não tinha motivos de alegria, pois ali restavam pouquíssimas famílias, as mais humildes e as pessoas mais teimosas e apegadas à terra natal, que não quiseram ou não puderam, de alguma forma, acompanhar as inúmeras caravanas de retirantes que seguiram em busca de outras regiões, onde pudessem viver com progresso e vislumbrar a possibilidade de desenvolvimento.

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Minas Novas, então, já havia perdido o seu velho encanto de ter sido uma das melhores cidades de porte médio de todo o pais, condição com a qual se apresentava até os meados do século XIX.

.As ruas, ladeadas de casas em ruínas, estavam tomadas pelos bodes velhos e demais criações soltas como animais levantados ou "arribados", famintos e descuidados, que se viam revirando o lixo amontoado defronte dos antigos sobrados e das casas baixas abandonadas transformadas em abrigo de mendigos e cães vira-latas sem dono, pois ali estavam relegados ao próprio destino que lhes fora decretado pelos antigos proprietários, há muito ausentes.

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A descida daquela curiosa máquina, com seu assombroso ruído, assustava aos bichos e faziam os velhos e doentes, em seus tugúrios, chegarem curiosos e apreensivos às frestas das portas e janelas para melhor vê-la passar. Era algo incrível e ao mesmo tempo admirável. As pessoas mais corajosas e as que podiam sair de casa sem dificuldade, aproximavam-se e algumas até se arriscavam a alisar e cheirar a brilhante superfície das latarias lustradas e coloridas, maravilhados com a imensidão, jamais vista, de uma carroça que, na realidade, mal daria para transportar algumas sacas de cereais ou, no máximo, umas 50 arrobas de açúcar sujo.

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O velho vigário, o Cônego José Barreiro da Cunha mandou abrir a igreja matriz, pediu que se repicassem os sinos e celebrou uma missa solene, nas ruínas daquele templo que havia sido a suntuosa Matriz de São Pedro do Fanado, Apóstolo e Papa.

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Um vendeiro, contagiado por aquela repentina festa, entusiasmou-se com a novidade e possuindo no estoque de sua bitaca, guardados, uns foguetes de rabo, chegou-lhes o tição no estopim e fez com que os céus da antiga vila, como se fosse um dia de Festa de Junho, voltasse a serem saudados pelo som de uma alegria quase que esquecida.

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Lindolfo Jobarcum, mestre da única escola, por sua vez despertado com a vibração cívica do momento, mas sempre cauteloso, mandou que os seus poucos e maltrapilhos alunos se enfileirassem. Formou-se uma rigorosa e disciplinada marcha, sem fazer muito alarde, para que não se afugentasse o "bicho-máquina" pois este, caso refugasse com aquele movimento, poderia tornar-se violento e atropelar aquela multidão que se aglomerava em frente da Câmara Municipal, com a finalidade de assistir à inusitada cerimônia de recepção, justificadamente calorosa e simbólica, dos atores que traziam a novidade.

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O presidente da Câmara, tomado do mais indisfarçável entusiasmo e gáudio, subiu à carroceria do carro e dali de cima, ao lado de outras autoridades e do fantástico "chauffer" – o corajoso motorista e proprietário daquela preciosidade, vista como a maior invenção do mundo -- fez de improviso o primeiro e eloqüente discurso de uma série de outros oradores que passaram a enaltecer o pioneirismo, a inteligência e o poder daquele empresário ilustre, daquele honrado filho da cidade que, tendo seguido as trilhas abertas pelo Dr. Teófilo Otoni, não se esquecera de seu povo e agora voltava, gloriosamente, no comando daquele símbolo de riqueza e sucesso, trazendo consigo a mensagem de novas esperanças para o lugar.

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E as festas e comemorações se estenderam por todo o dia, demonstrando a grande satisfação do povo em poder sentir – novamente – a possibilidade daquelas casas e ruas se animarem com a vida, com o trabalho e com o futuro.

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Eram manifestações justas e realmente merecidas, de todos os minas-novenses que se orgulhavam do grande feito do novo "Fernão de Magalhães", o conterrâneo e rico cidadão "Miné Costa", pois este era, no sentimento do povo, a imagem do próprio salvador, daquele que trazia um novo alento à vida comunitária de uma população empobrecida, sem assistência de qualquer natureza, sem saúde e sem educação, mazelas que determinavam a desesperança e o ponto trágico daqueles que já se consideravam sem rumos.

.Alguns anos se passaram e o auto-caminhão de Miné era a única máquina motorizada em todo o antigo município. O bem intencionado comerciante, contudo, depois de tanto esforço, não encontrara o apoio de que necessitava para reencontrar os caminhos do progresso.

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Aquela máquina era quase que uma peça decorativa estacionada em frente da sua casa comercial – um estabelecimento sempre às moscas -- pois eram poucos os fregueses e muitas as dificuldades que já faziam o comerciante se esmorecer novamente. Além do trabalho de chofer, pois não havia outros que fossem habilitados a trabalhar com aquela complicada máquina, também a gasolina era um recurso raro, que chegava à cidade em lombos de burro, pois a estrada não mais existia. Também, de nada adiantaria buscar lá longe as mercadorias se não teria, no lugar, quem as pudesse comprar, no meio de uma turba de mendigos que vivia da caridade pública e dos míseros recursos da municipalidade E quando recebia alguns galões do raro combustível, em sua loja se faziam filas para o abastecimento das bingas "vospic" , com os quais aquele povo podia alimentar o único prazer que tinha que era o de pitar o cigarrinho de palha.

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O velho Miné Costa, mais uma vez desiludido e desgostoso com o marasmo da Vila, colocou em riba do seu caminhãzinho os seus pertences e sua esposa Júlia -- pois não tiveram filhos -- convidou alguns camaradas para irem-lhe reabrindo os caminhos com as enxadas e picaretas, seguindo de volta, pelo mesmo caminho pelo qual viera, abandonado de vez a sua casa e retornado a Teófilo Otoni para continuar com seus negócios de forma mais favorável.

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E tudo voltou como dantes, naquele velho quartel abandonado dos Abrantes...

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geraldo mota
http://geraldomotacoelho.blogspot.com/

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