domingo, 17 de janeiro de 2016

MANDINGAS DE CURADOR E OUTRAS TREITAS DE UM RAIZEIRO DENGOSO



JOÃO SURUCO era um “nêgo toleteiro, das canelas finas e metido a curador” segundo as palavras de seu próprio tio José Alves, descendentes de africanos Cabindas, ambos que eram moradores no Macuco, frequentadores de quizumbas e que jamais perdiam fonções, terços cantados, incelências ou forrós onde, em qualquer lugar nas redondezas, fossem esses eventos realizados. Carregava consigo uma bruaca bem fornida de mezinhas, cheiros, raízes e patuás, além de levar bem agasalhada uma boa muda de roupas domingueiras para o caso de ter que se apresentar mais arrumado em algum baile da fina sociedade, o que fazia com muito gosto e durante toda a noite, sem faltar a um toque, fosse de sanfoneiro ou de outra boa orquestra. Era caboclo muito assíduo nas rodas de samba, sendo ele de passo dengoso e cheio de suas manhas, com as quais conseguia engambelar as donzelas mais cobiçadas do salão e, neste particular, atraia para si a inveja de muitos desafetos que lhe jurava vinganças traiçoeiras. Mas o tinhoso do João era tão safado, como o danado do famalial que ele mantinha preso numa garrafa, em seu alforje, na mesma medida em que também era sabido de curiosas treitas, que em razão dessas mandingas jamais se deixava cair nos laços que lhes armavam os invejosos. Ninguém, por mais que lhe fosse íntimo, jamais ficava sabendo de seu pouso, onde dormia e comia, vivendo ele de deu em deu, como um judeu errante, a quem se atribuíam poderes mirabolantes e malacafentos. Sua fama, como ele próprio, corria trechos que vinham deste a Moça Santa, atravessava a Mata e de lá seguia até a Bahia, passando pelo Sertão. A bem da verdade, suas benseções eram de fato famosas e surtiam efeitos curadores, frequentemente requisitadas pelos ricos criadores de gado vacum que desejavam a boa saúde de seus animais, inclusive os de montaria e outros serviços, eventualmente maltratados pelas moscas do chifre e outras macacoas perigosas que também atacam as pessoas em tempos insalubres, pelo que não regateiavam nos custos. Seus feitiços e encantamentos lhe permitiam, por exemplo, quando estivesse em apuros, fazer mascar as carabinas e pistolas, entortar a lâmina de punhal, transformar-se numa pedra ou num toco de pau, ficar invisível na beira do caminho, podendo ir de um lugar a outro distante, sem uso de transporte, apenas pela força de seu pensamento. E, quando queria, atravessava paredes, poço d’água sem molhar e se enfiava pelo buraco de qualquer fechadura, como se fosse uma chave ou uma suvela.  E era esse o ofício que lhe permitia alguma renda mais abundante, dando-se ao luxo de ser enrabixado com diversas teúdas e manteúdas que viviam nas imediações do Mata-Dois, Capivari, Ribeirão do Meio e Lajinha. E desse seu defeito de homem pouco cristão, muitas eram as queixas que chegavam ao ouvido do juiz de Minas Novas. Mas o dito magistrado, muito cioso de sua própria segurança e conforto de sua saúde, para não se indispor com um sujeito de má fama e com o qual não queria estabelecer animosidades, preferiu fazer chegar até ao conhecimento do biltre o seu desejo de manter com ele maiores conhecimentos acerca daquela arte que tanto encanto e admiração enchia de curiosidade a augusta Inteligência da autoridade da comarca. E que, diante desse desejo, solicitava do amigo jurisdicionado que lhe desse o prazer e a honra de uma visita, quando haveriam de trocar algumas considerações de mútuos interesses. O convite foi encaminhado através de um diligente oficial de justiça, com a recomendação de não deixar transparecer que ali havia qualquer aspecto coercitivo ou intimidatório, pois se tratava apenas de um gesto de amizade, com ardentes desejos no sentido de se estreitarem uma produtiva parceria. Em troca dos ensinamentos, ao referido magistrado, que muito queria aprender as famosas mandingas de que o João Suruco detinha poderes, recebeu de presente uma rural willys ano 1968 e, certo dia, depois de ter aprendido dirigir, recebendo aulas de motorista que lhe eram ministradas pela esposa do amigo juiz, com ela se escafedeu para as bandas de Sertãozinho onde foram passear e por lá ficaram, como dois pombinhos, enquanto que o pobre do doutor, desiludido, passou a ser congregado mariano e a escrever piedosos poemas sacros  inspirados na vida de São Cornélio.
 

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