sexta-feira, 5 de agosto de 2016

CATUÁ - UM ERRO JUDICIÁRIO???



CATUÁ – Uma família injustiçada no Córrego do Lulú.
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Havia no lugar denominado “Córrego do Lulu”, nas proximidades do Povoado de Cruzinha – que sempre foi do município de Minas Novas – um famoso bandoleiro que não respeitava propriedade de nenhum fazendeiro ou sitiante da região, que useiro e vezeiro na turbação das águas, das cercas e das posses que deveriam ser respeitadas como mansas e pacíficas, mas que se tornavam, cada vez mais, as principais motivações de doestos, contumélias e atritos que resultavam em prolongadas demandas judiciais. Agia livremente e sabia ter “costas largas”. Era ele velho conhecido nos meios forenses em que sua fama era de desobediência civil e de frequentes deboches aos oficiais de justiça que lá compareciam para intimá-lo sobre ações que contra ele corriam nas varas da Comarca.  Já fazia algum tempo que ele se sentia no direito de se apoderar de animais e outros semoventes, de mudar divisas, marcos, valos e picadas, fazendo roçados e mangas em terrenos que bem sabia não serem seus e se aproveitava do fato de serem aquelas terras divididas, pelo lado esquerdo do rio Setúbal, com o distrito de Chapada, para driblar os serventuários que iam a seu encontro, pelo que entendia aquele lascarino meliante, não atender aos chamamentos de nenhuma das autoridades, nem às de Minas Novas e, muito menos, às autoridades da Chapada.

Certa vez, depois de comparecer a repetidas e prolongadas seções de julgamento de uma ação de reintegração de posse, para a qual o réu não atendia ao chamamento da lei, uma das testemunhas presentes não se conteve e, perante o juiz deixou escapar o seu descontentamento com aquela incômoda situação protelatória, claramente atribuindo o fato à tolerância e até mesmo às possíveis omissões por parte daquela autoridade que, de imediato, considerando-se ultrajado, advertiu-lhe publicamente sobre aquela suspeição infundada e inadmissível de ser aceita ou tolerada. Ao ser admoestado e exigido de que se retratasse sob pena de responder e até mesmo ser preso por desacato, ele se justificou dizendo que já estava desesperançado de ver prosperar, a favor da autora, sua tia e madrinha, uma senhora já bastante idosa e sem esperanças, no meio daquele prolongado feito em que consumiam tanto tempo, tanta paciência e tanto dinheiro com advogado e cartórios, em tantas idas e vindas sem que se chegassem a um julgamento definitivo, pelo que a própria autora da ação já lhe havia recomendado de não confiar naquela justiça, que era a mesma que não fazia muito tempo dera ganho de causa a um grande fazendeiro da região, declarando-o como vencedor de um litígio no qual vários membros da família CATUÁ, por buscarem defender os seus direitos, foram covardemente e impunemente envenenados, salvando-se apenas as mulheres e as crianças. E para reforçar mais ainda seus graves argumentos, ressaltou que as demais pessoas de sua região, nas cercanias do Rio Setúbal, por estarem insatisfeitas com o que decidia aquele juízo, preferiam recorrer ao juiz de paz da Chapada, cujas intervenções eram sempre muito justas, bem acatadas, de parte a parte, por todos os querelantes, pois se revelavam, de fato e reconhecidamente, como decisões capazes de estabelecer paz e harmonia naquele meio rural. O juiz ouviu pacientemente aquelas alegações, mandando imediatamente que o escrivão as tomasse a termo e chamando de lado os oficiais de justiça, ali presentes, deles exigiu notícias sobre aqueles assuntos que, para sua grande surpresa, foram abordados pela testemunha, de forma tão contundente e precisa, determinando as necessárias diligências de busca dos autos em que se pudessem verificar o trânsito dos feitos relacionados ao citado processo em que houve a denunciada carnificina de tantas pessoas, conforme fora referida, para que ele próprio tomasse pé a respeito daqueles degradantes fatos. Sobre esta questão, que já era considerada como tabu nos meios forenses, sobre os quais todos sabiam, mas sobre os fatos preferiam ficar calados, a própria testemunha, para agravar ainda mais a situação, declarou que tinha conhecimento, através do citado juiz de paz, que daquele antigo processo não haveria de existir nem mesmo as cinzas, de vez que era bem certo de que fora incinerado a mando de um chefe político que tinha seus interesses em acobertar a tal chacina dos Catuás, para isto forjando um laudo médico no qual apontava como causa das mortes a ocorrência de uma febre tifo generalizada, mas que afetou apenas aquela casa da indigitada família. Houve, então, um constrangimento geral e o clima forense se tornou apreensível quando ficou constatada que, confirmando o que fora inocentemente denunciado pela testemunha circunstancialmente acuada pelo juiz, aqueles documentos, de há muito foram desentranhados de seus respectivos autos e que de acordo com a certidão de desentranhamento, lavrada na época pelo escrivão do cartório por onde corriam os autos, os mesmos estariam em poder, sob controle do livro de carga, de um antigo causídico que militava amplamente na Comarca, mas que infelizmente já estava falecido. Em razão desse vexame que maculava a credibilidade do serviço forense, fato que por si só exigia uma urgente auditoria ou correição, o magistrado se sentiu na obrigação de conhecer aquele antigo juiz de paz e, como esta autoridade já estava bem decadente e nem mais aquele cargo exercia, resolveu fazer-lhe uma visita, como de fato o fez, comparecendo pessoalmente à residência dele em Chapada do Norte, quando, sem condições de conter sua emoção e revolta, ouviu em detalhes o relato daquele ancião, cuja carga de verdades e de fatos tão dolorosos e degradantes, muito concorreram com a sua decisão de abandonar a magistratura. As injustiças já vinham de longe e sua autoridade, como juiz cheio de boas intenções e inspirado pela correta aplicação das leis, de fato era muito acanhada perante a justeza de caráter e de atitudes daquela figura humana tão frágil e humilde, mas que se agigantava diante de tantos bons serviços que prestou ao conjunto da comunidade fanadeira. Dona Alzira Catarina, mesmo sem jamais comparecer ao fórum, foi declarada vencedora daquela ação e o tal bandalho se escafedeu do Córrego do Lulú e não durou muito tempo tiveram notícias de sua carniça, com um pedaço de corda no pescoço e dependurada no galho de um pau d’óleo, quase que completamente consumida pelos urubus da Mata do Pinheiro.

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