Sermão do Bom Ladrão
"O
ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno; os que não só vão mas
levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta
esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue
S. Basílio Magno: Não são só ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas ou
espreitam os que se vão banhar, para lhes roubar a roupa; os ladrões que mais
própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam
os exércitos e legiões, ou o governo das províncias ou a administração das
cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os
outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam
debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam são
enforcados, estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda
vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de
justiça levavam a enforcar uns ladrões e começou a bradar - Lá vão os
ladrões grandes a enforcar os pequenos".
Pe. António
Vieira in "Sermão do Bom Ladrão"
O intróito é a primeira das três partes de um sermão que
diz o plano que se utilizará na análise. O intuito do Pe. Vieira era que
basicamente todos pudessem imitar ao Rei dos Reis. Inicia-se discorrendo sobre
dois ladrões que haviam sido condenados e executados através da crucificação.
Narra que quando o bom ladrão (Dimas) pediu a Cristo que se lembrasse dele no
seu reino, o Senhor teve a lembrança de que ambos se vissem no Paraíso. A
subjetividade, a emoção e o convencimento são expressados no texto através de
figuras de linguagens. “Êste sermão, que hoje se prega na Misericórdia de
Lisboa” Percebe-se aqui a presença da metonímia. A segunda parte de um sermão é
o seu desenvolvimento o qual nos apresentará o sermão propriamente dito. Uma
das características do barroco era a religião como alívio para as angústias; a
literatura barroca procurou conciliar o espiritualismo medieval com o
materialismo do classicismo renascentista numa tentativa de equilibrar os
contrários, por exemplo: O DIVINO E O
HUMANO, O BEM E O MAL, O PECADO E A VIRTUDE, A VIDA TERRENA E A ETERNA, O
SAGRADO E O PROFANO, O AMOR PURO E O PECADO, A DÚVIDA E A CERTEZA. “Nem
os Reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem
ir ao inferno sem levar consigo os Reis. Isto é o que hei de pregar. Ave
Maria.” Nesta citação nota-se o conjunto de idéias com a presença de
antíteses bem como o reflexo das oposições acima citadas. São várias as
características barrocas que podem ser encontradas neste sermão, que se
apresentam por marcas lingüísticas e floreios literários presentes em todo o
texto e também por fatores como a necessidade do perdão e as maneiras de se
alcançá-lo. Para Pe. Vieira, sem a restituição do alheio não se poderia
alcançar a salvação. Não se perdoava o pecado sem se restituir o roubado
quando o ladrão tivesse possibilidade de restituí-lo. As restituições do
alheio sob pena da salvação estavam sujeitos tanto os súditos quanto os reis.
Os ladrões de quem fala o padre neste sermão não são os miseráveis a quem a
pobreza obriga a agir de maneira incorreta, mas os ladrões de maior calibre e
de mais alta esfera. É narrado que Alexandre em uma poderosa armada pelo mar
Eritreu repreendeu um pirata que fora trazido à sua presença porque roubava os
pescadores; porém o pirata respondeu que ele por roubar em uma barca era
considerado um ladrão e que Alexandre ao usar uma armada para roubar era
considerado imperador. O Pe. Vieira insinua, metaforicamente, que os reis
adquirem um passaporte para furtar. O vocabulário rico, as comparações, as
metáforas, além da dubiedade de sentidos aparecem em muitas passagens do texto,
mas há um trecho bastante longo, porém bastante interessante que se apresenta
em mais evidência, é guando ele explica as maneiras de furtar: no modo indicativo, imperativo, mandativo,
optativo, permissivo, infinito; acrescenta ainda que esses modos sejam
conjugados em todas as pessoas e ainda furtam por todos os tempos.
A terceira parte de um Sermão é a Peroração que é o momento
que além de finalizá-lo, os ouvintes são conclamados a seguirem a prática das
virtudes propostas como se percebe quando ele faz com que o ouvinte (em nosso
caso: o leitor) pense sobre sua citação: não se pode calar com boa consciência,
ainda que seja com repugnância, é força que se diga ou ainda quando ele narra
baseado no que disse Cristo, que é melhor ir ao Paraíso manco, aleijado e cego,
que com todos membros inteiros ao inferno. Finaliza fazendo uso de repetições,
pedindo a Deus que ensine com o seu exemplo e inspire com a sua graça a todos os
reis de tal forma que evitem os furtos futuros e ainda devolvam os passados
para que no lugar de os ladrões os levem ao inferno que vá ao Paraíso os
ladrões juntamente aos reis.
Contudo, foi no Maranhão (hoje feudo de Sarney), onde viveu e pregou por
muitos anos que o Pe. Vieira descobriu que o verbo furtar (roubar) ali se
conjugava em todas as maneiras: no modo indicativo, imperativo, mandativo, optativo, permissivo,
infinito; acrescenta ainda que esses modos sejam conjugados em todas as pessoas
e ainda furtam por todos os tempos.
E como se pode constatar, as pregações e as orações desse santo Padre
Vieira (um verdadeiro profeta!) mui pouco alcançaram seus objetivos
naquelas plagas do Maranhão, onde as pragas, ácaros, sarnas e sarneis continuam a
dominar todos aqueles tesouros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário