terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

RAUL MARCOLINO E A MULA (ARISTIDES MOTA)



NUM é pra me gabar não, até porque quem gaba o próprio toco é a coruja. Mas que esses tais de Mota, meus parentes, sabem lá contar seus causos, isto ninguém há de negar. Talvez seja esta uma herança deixada pelo grande mestre tio Dominguinhos, pelo tio Zé de Araujo e, por tabela, pela minha saudosa madrinha Edwirgens, que até então, no quesito de brilhantismo, eram invictos na narrativa de situações desse gênero.


Perambulando pela Web, como é de meu costume, depois de encontrar os "Causos de Minas", do meu dileto irmão CARLOS MOTA, agora me deparo com um dos blogs mais bem elaborados - pelo seu formato e muito mais pelo conteúdo - que é editado pelo primo ARISTIDES MACIEL MOTA, do qual extraí o conto abaixo que me levou, imediatamente, aos bons momentos por mim vivido em Minas Novas, tendo como cenário predileto o inesquecível "Bar do Contra".


Prometendo, logo mais voltar ao "Bar do Contra", vamos apreciar essa autêntica fotografia do nosso saudoso e eternamente amigo RAUL MARCOLINO:



Crônicas do mato. #3: 

Marcolino e... a mula.

O entregador de leite badalava as madrugadas da cidade com o som cadenciado, oito cascos vagarosos tamborilando as lapas e estacando vez ou outra em frente a uma casa para deixar as garrafas de leite na porta.

No final da rota o bar de Raul Marcolino, e como fazia todos os dias, o entregador estacionou e desceu do cavalo bem em frente à porta grande de aço, do lado direito, amarrando a mula de carga ao poste junto da entrada, apanhando dois litros de leite no alforje e levando-os para Darci, atrás do balcão.

Na frente do bar, uns 10 metros afastado da rua, havia uma área cimentada inclinada que terminava na rua e servia de estacionamento para os cavalos, mulas e aos poucos carros. O bar ficava em frente à praça Dr. Badaró, na saída para a Chapada e a uns 200m da ponte do saudoso rio Bonsucesso.

Raul Marcolino vinha chegando, descendo a Getúlio Vargas no horário de costume tragando seu pito de palha, impassível, soltando suas baforadas desrespeitosas pelo ar.
Distraído e inatingível, passou por detrás da mula de leite como se ela não estivesse ali. Talvez pormulice genética ou mero espasmo muscular, a mula soltou um coice seco, surpreendendo Raul em cheio na altura do peito, lançando-o à rua feito uma bola.

Por alguns segundos o mundo pareceu parar à espera da reação do monstro a tão desavisada agressão, fazendo da praça um silêncio de olhares e respirações no aguardo do desdobramento da peleja.

Recompondo-se, já irado sob o olhar atônito de quem presenciara a cena, arfando feito touro bravo, Marcolino não se deu ao trabalho de sacudir a poeira das roupas, partiu para cima do animal preso pelo arreio ao poste de madeira no canto direito do estacionamento, estacando, subitamente, na metade do caminho para inclinar-se e apanhar o cigarro de palha, ainda aceso.
Sugou-o profundamente avivando a brasa bem perto dos lábios, para depois baforar ruidoso e retomar a empreitada. Uma locomotiva humana tracionando e soltando fumaça pelas ventas.

Ganhou velocidade a ponto de chegar até a mula com mais três passos e, sem cerimônia, disparou uma série desordenada de pontapés e socos no lombo da pobre, balbuciando insultos e palavrões ininteligíveis por entre os dentes, como sempre.

Após uma sessão exaustiva de golpes, que deixou a coitada arqueada porque presa ao arreio amarrado ao poste, as patas dianteiras dobradas nos joelhos e as traseiras totalmente debruçadas no chão, o entregador só apertava a boca com as mãos num gesto de desespero e pena.
Raul recompôs-se, só então sacudindo a poeira e aprumando a roupa com todo o cuidado e traquejo, enquanto a mula urinava seu medo mal cheiroso na porta do bar. Meticuloso, arrumou a camisa novamente e antes de qualquer outra coisa retirou do bolso direito uma folha de palha, despejando o fumo e selando o "paioso" com a saliva logo em seguida.
Acendeu o cigarro, tragou até que a brasa ficasse bem viva, voltando-se para a praça buscando a platéia e, embora falasse para a mula - talvez ela até o entendesse, baforava, ainda com a respiração acelerada pela briga:

- Cê pode até ser mais mula que eu... mas mais IGNORANTE cê num é não!!!

Confirmou depois com um giro de cabeça se cada espectador vira seu desagravo.

Tinha uma reputação bruta a zelar. Essa ninguém tiraria dele. Nem gente nem bicho...nem o diabo que o parta.

Copiado, pois tomo a liberdade de fazê-lo sem autorização do autor, do Blog:  http://www.strategosaristides.com/2010/12/cronicas-do-mato.html

στρατηγός Aristides

que incluo entre os meus favoritos e o indico a todos os blogueiros de bom gosto e que sabem apreciar a cultura do nosso povo simples do interior, na visão de quem tem sensibilidade e poesia como é o caso desse meu primo, que de um dos costados é bisneto de Vovô Domingos e, pelo outro lado, não menos nobre, do grande músico e humorista ARISTIDES BORGES, autor de um vasto acervo musical, dentre ele a valsa "Subindo aos Céus" nacionalmente conhecido há mais de 70 anos fazendo sucesso.

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