BLOG DE GERALDO MOTA (O BLOG DO LALAU) tem como objetivo divulgar a arte, o folclore, as notícias do cotidiano e as pontencialidades econômicas de toda região fanadeira. ESTA FOTO ACIMA É UMA HOMENAGEM A "ZÉ DE DURVAL", meu pai, que muito se orgulhava de ter sido "Rei do Rosário" e que me ensinou a valorizar o trabalho honesto, as tradições, o folclore, o artesanato, como verdadeiro exemplo de cidadania e de amor à cidade histórica de Minas Novas.
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
O Dom Supremo
"Deixe suas esperanças, e não seus ferimentos, moldarem seu futuro."
(Robert H. Schuller)
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
E termina 2014. Um ano bastante difícil para a
liberdade de expressão. Ano passado, ao escrever a retrospectiva 2013, já
previa essa realidade para a área de comunicação no Brasil, especialmente por
conta das eleições, mas não imaginava as inúmeras violações democráticas que
nos aguardava.
Tivemos inúmeros vilões neste ano, mas sem dúvida
alguma o Estado foi quem mais cometeu ilegalidades contra a palavra, a
expressão e o direito que tem a impressa de exercer o que lhe foi garantido
pela constituição.
Não podemos esquecer que, para o exercício da
liberdade de expressão, o Brasil acolheu a teoria libertária, que pressupõe a
não intervenção estatal na produção de conteúdo jornalístico, ou seja, é defeso
ao Estado ditar o que deve e o que não deve ser dito pelos veículos de
comunicação.
No entanto, o ano de 2014 foi bastante pródigo nas
intervenções estatais, seja pela atuação política dos governos, seja ainda pela
compreensão equivocada que a Justiça brasileira tem feito do exercício
jornalístico desenvolvido pelos veículos de comunicação, especialmente em
períodos de eleição.
Não obstante uma disputa eleitoral que há muito o
Brasil não presenciava, a imprensa teve contra si toda sorte de violação.
Primeiro pelo fato de a Justiça eleitoral brasileira ainda defender que
material jornalístico constitui propaganda eleitoral e, por conta disso,
determinar a edição de texto, a retirada de circulação ou veiculação de
conteúdo ou mesmo determinar a publicação de resposta para texto jornalístico
absolutamente crítico ou revelador de fatos de interesse da sociedade.
Assistimos a isso atônitos no período eleitoral.
Alguns dos mais renomados
veículos de comunicação do Brasil tiveram contra si decisões que determinavam
edições e retiradas de texto, bem como a imediata publicação de resposta, sob o
argumento de que constituíam propaganda eleitoral.
Além de conteúdo jornalístico nem mesmo se
assemelhar a propaganda eleitoral, impossível de essa Justiça Especializada,
que necessariamente emprega um procedimento célere, sem a possibilidade de uma
fase instrutória, avaliar se um material jornalístico falseia a verdade e, a
partir daí, condenar como propaganda todo trabalho de campo e de redação
jornalísticos.
Também a merecer destaque negativo em 2014, tivemos
o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral que impediu a publicidade de
importante revista nacional, simplesmente pelo fato de esse periódico ter
estampado na capa a imagem de um candidato que era objeto de reportagem
pertinente, confundindo mais uma vez propaganda com material jornalístico;
publicidade de um produto com publicidade eleitoral.
O ano foi marcado, mais uma vez, pelas liminares
contra a liberdade de expressão. E não foram poucas. Para não citar todas,
lembremos de que esta revista eletrônica foi objeto de uma canetada contra esse
valor constitucional (4ª Vara Cível de Santana, São Paulo, processo nº
0007919.86.2013.8.26.00010). Ao comentar que havia uma disputa judicial que
estava a impedir a apresentação da peça Edifício London, uma ficção que tinha
como estímulo inicial o crime cometido contra a criança Isabella, teve contra
si o comando legal da censura, tendo sido obrigada a imediatamente retirar de
veiculação a matéria jornalística que publicara.
Também outro ato de censura durante o ano de 2014
teve como alvo a publicação IstoÉ, que pouco antes do início das eleições
veiculou material jornalístico a respeito da operação lava-jato e dos nomes que
eram citados pelo delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. A
revista noticiou que o governador do Ceará, Cid Gomes, teria sido citado pelo
delator em depoimento prestado nos autos da operação Lava-Jato. Isso foi o
suficiente para que determinada juíza, em plantão judicial, determinasse o
recolhimento imediato de todos os exemplares da revista IstoÉ, sem antes
determinar que os autos estavam em segredo de justiça (2ª Vara Cível de
Fortaleza, CE, processo nº 0785847-93.2014.8.06.0001).
Como esquecer que um dos brilhantes jogador de futebol
nacional e internacional buscou censurar a revista Playboy simplesmente porque
estava estampado na capa o nome Neymar, tendo sido acolhido seu pedido no juízo
singular e logo reformado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo
(1058064-89.2014.8.26.0100, 3ª V. C. Central, SP).
Para terminar os exemplos de verdadeira censura
contra a imprensa cometidos em 2014, citamos que tem sido recorrente decisões
que determinam a alteração, a supressão ou mesmo o acréscimo de palavras,
orações, frases a conteúdo jornalístico veiculado na mídia digital. Trata-se de
verdadeira edição do conteúdo jornalístico, como se o Estado pudesse ser
coautor de texto e escolhesse o assunto e a forma de sua apresentação. Isso é
tão grave quanto a retirada de conteúdo impresso das bancas de jornais ou mesmo
a retirada de material jornalístico da radiodifusão. A facilidade de alteração,
de supressão e de acréscimos que a mídia digital proporciona em hipótese alguma
modifica o direito constitucional de liberdade e o impedimento de intervenção
do Estado. Se há erro no texto jornalístico digital, as tutelas jurídicas e
seus procedimentos estão presentes para serem utilizados pelos que se sentirem
atingidos, e nenhum dos provimentos jurisdicionais permite a edição pelo Estado
de material jornalístico, como uma agência reguladora ou um órgão censor.
Em todos os casos acima, tivemos no Supremo
Tribunal Federal a correção da direção do direito, com decisões que revelam a
correta interpretação normativa a ser seguida em instância inferiores, constituindo
profundos magistérios a respeito do valor democrático que é a liberdade de
expressão, podendo ser citados dois excertos retirados de duas grandes decisões
da Corte Suprema:
“As liberdades de expressão, informação e imprensa
são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da
existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões.
Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do
conteúdo que esteja sendo veiculado” (Luís Roberto Barroso, RCL 18.638).
“Preocupa-me o fato de o exercício, por alguns
juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha culminado por
transformar-se em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave
comprometimento da liberdade de expressão. (...) o poder geral de cautela
tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!” (Celso de
Mello, RCL 18.836)
Mas como dito, o ano foi pródigo nas violações
democráticas e, nos estertores de 2014, acabamos de presenciar outra violação à
democracia do país. A justiça federal de São Paulo determinou a quebra do
sigilo telefônico do jornalista Allan de Abreu e do Diário da Região,
publicação da cidade de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A
determinação da quebra se deu pelo fato de o jornalista, em depoimento à
procuradoria federal, não ter revelado o nome de suas fontes. Esqueceram,
procuradores e juízes, que uma imprensa livre é condição imanente de um Estado
Democrático e que uma imprensa livre tem como condição manter em segredo suas
fontes. Não há liberdade de expressão sem a garantia, como valor fundamental de
um Estado Democrático, de preservação das fontes. O que o Poder Judiciário
Federal está a fazer é, não só ignorar a Constituição Federal brasileira, mas
desconsiderar o Estado brasileiro como um Estado que optou em seu regime
político pela democracia.
Também a radiodifusão, por força de uma má
interpretação da lei
eleitoral, acabou sendo tolhida em seu direito de criticar assunto
de interesse e emitir opinião de interesse da sociedade, simplesmente pelo fato
de estarmos num ano de eleição. Há um contrassenso de valores, pois quando mais
a sociedade necessita de uma imprensa livre (escrita, digital e radiodifusão),
mais caminhamos para um controle das palavras. No Paraná e na Bahia, por
exemplo, a imprensa, em determinado momento, por determinação judicial, ficou
impedida de abordar alguns assuntos que eram públicos inclusive.
Ora, seria de bom tom revisitar a legislação
brasileira eleitoral e permitir a atividade de comunicação plena, sobretudo
nesse período em que a sociedade clama por informação crítica. Tratamos os
direitos constitucionais nesse período como se a nação passasse por um período
de sítio, em que o Estado tem a permissão de sobrestar direitos fundamentais.
Ainda sobre esse assunto, vi com bons olhos as
empresas de radiodifusão buscando inovar, dentro das possibilidades que a lei
permite, os debates eleitorais entre os candidatos. A Rede Bandeirantes, a
Globo e o SBT buscaram alternativas para tornar os debates mais dinâmicos. A
Band em diversas praças buscou um confronto de ideias diretas entre os
candidatos, permitindo que durante todo o debate fossem feitas perguntas entre
os candidatos, bem como que pudesse haver alguns candidatos respondendo mais do
que outros.
A Globo por sua vez inovou no palco e contribuiu
para que candidatos estivessem efetivamente frente a frente quando, por
exemplo, os que perguntavam e respondiam tinham de ocupar bancadas posicionadas
uma para a outra. O SBT trouxe uma boa mudança nos horários de apresentação dos
debates, talvez democratizando o acesso do público a esse momento jornalístico.
No campo legislativo há projetos que tiveram
andamento no Congresso e cujo conteúdo interferirá sobremaneira na liberdade de
expressão. O primeiro, tramitando nas casas legislativas há muito tempo, teve
sua redação aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda votação no
plenário desde abril de 2014. Trata-se do PL 6446/2013 – originalmente PL
141/2006 – que busca disciplinar o Direito de Resposta em material jornalístico
divulgado por qualquer veículo de comunicação social. Em artigo próprio já
tivemos a oportunidade de descer a detalhes desse instituto, inclusive trazendo
o que é praticado nas democracias de outros países.
Para efeito dessa retrospectiva, fica o registro de
que a boa intenção do Senador Aloysio Nunes em restringir a causa de pedir do
direito de resposta aos fatos objetivos de uma matéria jornalística, ratificado
pela Comissão de Comunicação Social do Congresso Nacional, exatamente igual ao
que aqui por mim foi defendido em artigo publicado em 16.04.2013 (.http://www.conjur.com.br/2013-abr-16/alexandre-fidalgo-direito-resposta-busca-recomposicao-verdade),
não teve aprovação no CCJ. O Congresso aprovou requerimento de tramitação
urgentíssima na Câmara dos Deputados, aguardando, portanto, votação do plenário
desta Casa.
Não cabe nesse espaço retornar ao debate, mas há de
se fazer a advertência de que a amplitude que o projeto de lei confere ao
direito de resposta, além de absolutamente incoerente, acaba por propiciar uma
espécie de sufocamento dos debates públicos. O instituto do direito de resposta
que tem por objetivo enriquecer o confronto de ideias, com o projeto acaba por
restringi-lo, tornando-se mais um limitador da liberdade de expressão no país.
Outro projeto que tramita na Casa Legislativa e que
também constitui em mais um freio à liberdade de expressão no Brasil é o de nº
7881/14, que torna obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da
internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados. Entraremos na
discussão subjetiva do que é irrelevante e defasado, para aí censurarmos os
veículos de comunicação social que cumpriram seu dever legal de noticiar fatos.
O tempo, como já tive a oportunidade de escrever, não transforma o legal no
ilegal, tampouco pode ser reescrito. A memória dos fatos, com todas as
circunstâncias dele, deve ser preservada. Não é só o ambiente da internet que
pereniza informações honoráveis e aviltantes.
A propósito do tema do direito ao esquecimento, o
Supremo Tribunal Federal declarou a existência de repercussão geral no Recurso
Extraordinário 833248, que discute a possibilidade de se impedir a divulgação
de material jornalístico de fatos passados, bem como discutirá se cabe uma
compensação material a título de dano moral na hipótese de considerar legal o
direito ao esquecimento.
Por fim, na vontade de a cada ano se pretender ter
uma imprensa mais previsível, fica o registro da existência de outro projeto,
na verdade um desejo de projeto. Trata-se da ideia da Regulação de Mídia no
Brasil, bandeira defendida pelo Governo Federal e, sobretudo, pela sigla
partidária que ocupa o cargo. Segundo a presidente eleita, Dilma Rousseff, em
seus discursos de campanha e imediatamente posterior à eleição, a ideia
defendida é de regulamentar o artigo 220,
§ 5º, da CF, que veda a possibilidade de oligopólio e
monopólio dos veículos de comunicação social. Também se discute a proibição de
propriedade cruzada dos meios de comunicação (por exemplo, impedir que um mesmo
grupo de comunicação explore mais de um serviço de comunicação no mesmo local).
Até o presente momento tem-se descartada a ideia de
controle de conteúdo, mas em se tratando de inúmeras violações à liberdade de
expressão cometidas pelo Estado, bem como do histórico recente das incontáveis
tentativas de controle de conteúdo deste governo federal, não seria improvável
que se buscasse, também dessa forma, cercear esse valor democrático.
A FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação), entidade que congrega militantes por uma mudança na regulação do
setor, formulou um projeto de lei de iniciativa popular e está a arrecadar
assinaturas. Pelo que foi revelado no site da BBC, o projeto é flagrantemente
inconstitucional.
Ainda sobre o assunto, mas já no campo do poder
executivo, temos a notícia de que o sucessor de Paulo Bernardo no ministério
das Comunicações acumulará também a pasta da Secretaria de Comunicação e terá
como missão a regulamentação da “mídia” brasileira, ficando também com a
atribuição de direcionamento das verbas publicitárias aos veículos de
comunicação, evidentemente um artifício para, de alguma forma, tentar conter as
críticas ao governo.
Parece-nos que o ano de 2014 nos revelou um apetite
desmensurado de se controlar a palavra, o conteúdo jornalístico, na tentativa
de manter os fatos de interesse da sociedade escondidos, a fim de que não
ganhassem publicidade, permitindo-se assim manipular as informações oficiais de
renda, de desmatamento, de crise hídrica, de crise energética, de desmandos, de
corrupção, tal como em países vizinhos tem acontecido.
E nesse fim, de texto e de ano, face a tudo o que
aconteceu em 2014 e as propostas declaradas do governo, fiquemos com o
pensamento de Rui Barbosa como uma espécie de luz celestial a iluminar a
perspectiva do ano de 2015:
Não há justiça sem imprensa. A
publicidade é o princípio, que preserva a justiça de corromper-se. Todo o
poder, que se oculta, perverte-se.
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