'"Entre muitos hotéis da cidade, aquele era o mais aristocrático.
Situado num dos pontos mais altos, era ali que se hospedavam os viajantes mais ricos e respeitáveis, alguns dos quais acabavam fixando residência no edifício.
A Bondade, a Ternura, o Ódio, a Saudade, moravam nele.
Jovem e sadia, a Alegria ocupava uma torre esguia e clara que o Sol fazia faixar, logo que amanhecia.
A Tristeza, sempre vestida de negro, vivia num quarto sem luz, que apenas os morcegos visitavam.
A hipocrisia habitava um subterrâneo, e a mentira, um compartimento estreito, cercado de portas falsas, que lhe facilitavam a fuga à simples aproximação da Verdade.
Era nesse edifício que morava, chamando a atenção de todos, um cavalheiro moço, forte, musculoso, que, às vezes se mostrava doce, polido, gentil, tolerante, e outras, irritado, hostil, intransigente, e, não raro, malcriado.
Era vizinho do Ciúme e, sob o menor pretexto, alternava com ele, que era, em geral, secundado pela Dúvida, cujos aposentos ficavam juntos e tinham secreta comunicação interna.
Certo dia, esse cavalheiro, após uma discussão com os outros hóspedes, resolveu abandonar o quarto que ocupava no hotel.
Foi um escândalo. Gritos, súplicas, desmaios, bater de portas e tampas de malas, tudo isso chegou até fora, alertando a vizinhança.
O cavalheiro foi-se, porém, embora, deixando vazio o quarto em que o iam visitar, alternadamente, a Verdade e o Tormento.
À tarde, bateram à porta do hotel.
Era uma senhora tímida, modesta, fisionomia bondosa, modos recatados, que desejava aposento.
"Temos apenas um quarto, minha senhora. Foi desocupado hoje mesmo." explicou o dono do hotel. E, indicando-lhe o compartimento:
"Entre! - Aqui morava, até ontem, o Amor."
"Quem?" - estranhou a pretendente.
"O Amor."
"Ah! Não serve!" - tornou a candidata, retirando-se. "Eu não posso residir onde esteve esse senhor."
´E a senhora, quem é?"
"Eu sou a Amizade!" - explicou a recém-chegada. E desceu, um a um, os degraus do edifício, que tinha, não se sabe porquê, a forma de um coração..."
(HUMBERTO DE CAMPOS)
https://www.youtube.com/watch?v=nn6cqqTqN14
Jovem e sadia, a Alegria ocupava uma torre esguia e clara que o Sol fazia faixar, logo que amanhecia.
A Tristeza, sempre vestida de negro, vivia num quarto sem luz, que apenas os morcegos visitavam.
A hipocrisia habitava um subterrâneo, e a mentira, um compartimento estreito, cercado de portas falsas, que lhe facilitavam a fuga à simples aproximação da Verdade.
Era nesse edifício que morava, chamando a atenção de todos, um cavalheiro moço, forte, musculoso, que, às vezes se mostrava doce, polido, gentil, tolerante, e outras, irritado, hostil, intransigente, e, não raro, malcriado.
Era vizinho do Ciúme e, sob o menor pretexto, alternava com ele, que era, em geral, secundado pela Dúvida, cujos aposentos ficavam juntos e tinham secreta comunicação interna.
Certo dia, esse cavalheiro, após uma discussão com os outros hóspedes, resolveu abandonar o quarto que ocupava no hotel.
Foi um escândalo. Gritos, súplicas, desmaios, bater de portas e tampas de malas, tudo isso chegou até fora, alertando a vizinhança.
O cavalheiro foi-se, porém, embora, deixando vazio o quarto em que o iam visitar, alternadamente, a Verdade e o Tormento.
À tarde, bateram à porta do hotel.
Era uma senhora tímida, modesta, fisionomia bondosa, modos recatados, que desejava aposento.
"Temos apenas um quarto, minha senhora. Foi desocupado hoje mesmo." explicou o dono do hotel. E, indicando-lhe o compartimento:
"Entre! - Aqui morava, até ontem, o Amor."
"Quem?" - estranhou a pretendente.
"O Amor."
"Ah! Não serve!" - tornou a candidata, retirando-se. "Eu não posso residir onde esteve esse senhor."
´E a senhora, quem é?"
"Eu sou a Amizade!" - explicou a recém-chegada. E desceu, um a um, os degraus do edifício, que tinha, não se sabe porquê, a forma de um coração..."
(HUMBERTO DE CAMPOS)
https://www.youtube.com/watch?v=nn6cqqTqN14
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