PRAGA DE PADRE
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As pessoas mais antigas já diziam: “cuidado
com o que o padre fala, pois praga de padre é coisa muito perigosa”. E,
de fato, quando os padres se manifestavam e demonstravam sua inconformidade ou
contrariedade em relação a fatos daquela época, era porque alguma coisa de
errado, e muito séria, estava ocorrendo. E, invariavelmente, não se passava
muito tempo para que se aflorassem os motivos daqueles posicionamentos que eram
considerados, no entendimento dos coronéis, como intransigentes, implicantes e
retrógrados pelas partes contestadas por aqueles religiosos. E sobre essas “pragas”, o que o povo simples
não entendia, é que se tratava do óbvio: os padres, por serem pessoas dedicadas
aos estudos, sendo cultos, experientes e observadores, eram mais previdentes e podiam
ver ao longe, sabiam analisar e calcular, estavam mais preparados para avaliar,
para aconselhar, orientar e opinar sobre atitudes e antever, com clarividência,
os resultados a partir de ações em que eram importantes a observância dos
fatores de risco e a lógica do planejamento estratégico. Não se tratava, pois,
de futurologia, de poder sobrenatural, dom de adivinhação, de sortilégios ou
outras crendices iguais a muitas em que ainda hoje muitos, por serem ignorantes
e cabeças duras, continuam acreditando. A manutenção da miséria e a manipulação
da ignorância do povo simples sempre constituíram em poderosa condição habilmente
utilizada pelos políticos corruptos, de todos os tempos, com o objetivo de se
perpetuarem no poder. E qualquer liderança mais equilibrada, responsável e
bondosa, dotada de visão e de inteligência para enxergar criteriosamente a
realidade, suas consequências e seus desdobramentos futuros, era imediatamente
taxada como pessoa visionária, como agente perigoso e, portanto, combatido como
feiticeiro, bruxo e inimigo.
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Nesse sentido, são muitos os
exemplos de antigos padres tidos com “milagreiros” que passaram para a história
como verdadeiros profetas. No Vale do Jequitinhonha tivemos vários deles, que
foram combatidos pelos coronéis, perseguidos ferrenhamente pelos fazendeiros e
políticos que viam naqueles sacerdotes grandes opositores de seus regimes de opressão
e de exploração do povo sofredor e ignorante.
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Em Chapada
do Norte (a vetusta e histórica Vila de Santa Cruz da Chapada, que fica a menos de 3 léguas de nossa cidade) tivemos o exemplo do Monsenhor Mendes,
cuja vida de contestação a seus próprios parentes, é um triste episódio da
igreja católica em nossa região, pelas injustiças que foram cometidas contra
aquele grande benfeitor, cuja vida foi de sacrifícios, tormentos e privações,
como descreve em seu livro uma de suas sobrinhas que se tornou famosa em razão
de ser a primeira mulher mineira a se formar em medicina.
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Em Francisco Badaró, (a aprazível vila de Sucuriu, que fica logo depois de Chapada do Norte), é venerada a memória do Cônego Bernardino, que em razão de sua ferrenha defesa dos interesses de seu povo e de sua gente, foi sacrificado em toda sua existência, passando por perseguições políticas e religiosas de toda espécie.
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Em Minas Novas tivemos, no final do
século XIX e início do século XX, a figura do Cônego José Barreiros da Cunha
que passou por atentado contra sua vida, quando lançaram, do alto do Sobradão,
um imenso bloco de granito que perfurou o teto da casa e esmagou o catre em que
ele sempre dormia, mas que, por milagre, naquela noite o religioso tinha
preferido ficar contemplando seu breviário, orando em frente de seu crucifixo,
na pequenina sala de sua residência que ficava ao lado daquele antigo prédio. E
toda sua vida, como pároco dessa cidade, foi uma sucessão de calúnias e de
perseguições, de toda natureza, que, inclusive, inviabilizaram seu acalentado
projeto de transformar a paróquia em Diocese de São Pedro do Fanado, culminando
com a criminosa demolição da magnífica Igreja Matriz dedicada ao Príncipe dos
Apóstolos, em que os iconoclastas se valeram até do poder de dinamites para
derrubar as paredes daquele templo, como forma de eliminar qualquer
possibilidade de que fosse retomado o ambicioso plano. Consta da tradição que
aquele vigário, indignado com o posicionamento passivo do povo, a favor dos
políticos de então, vaticinou o crescente atraso que se abateria sobre a
região, pelo menos enquanto durasse o poder e o mando daqueles que o
perseguiram. E aí estão os resultados, que todos podemos ver e sentir,
refletidos nos baixos índices de desenvolvimento humano, números vergonhosos se
comparados com os apresentados até mesmo por cidades vizinhas. Seriam pragas?
Evidentemente que não, pois se trata, tão somente, do resultado de ações
passadas, da somatória dos efeitos perniciosos que ao longo de décadas vem
produzindo os antigos males do tradicional costume de dominação, desde aquela
época do carrancismo, quando os mandões só sabiam enganar e explorar a boa-fé
da população, distribuindo migalhas em troca de votos e de bajulações. E para
conseguirem perpetuar esse domínio, reproduzido pelos seus sucessores e
seguidores jamais permitem o desenvolvimento cultural, a melhoria das condições
de educação e de ensino, no esforço contínuo e determinado para que todos
continuassem, ainda como hoje, na ignorância, na dependência e na miséria,
esperando pelos empreguinhos, pelas sinecuras e pelos favores.
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Nas décadas de 1950- 1960 e 1970 tivemos a valente
atuação do Padre WILHEMUS JOHANNES LELILEVEL, o saudoso PADRE VILLY, sempre
lutando contra a exploração política do povo, principalmente das comunidades
localizadas ao longo da Chapada de São Domingos e Rodovia da Definitiva, desde
o município de Carbonita, até Virgem da Lapa, abrangendo toda a região dos atuais
municípios de Turmalina, Leme do Prado, Minas Novas, José Gonçalves de Minas,
Chapada do Norte e Berilo, passando pelas localidades de Acauã, Posses,
Mandassaia e Leliveldia. Esse religioso jamais concordou com a ideia de se
entregar essas chapadas, através da Ruralminas, para que nelas fossem
implantados os projetos de reflorestamento, o que só vem acontecendo depois da
sua morte, o que aconteceu a menos de 10 anos, pois enquanto ele teve vida e forças
ele sempre desafiou o poder das autoridades regionais, denunciou a ação
coordenada dos políticos, grileiros, advogados de reflorestadoras, juízes e
donos de cartórios, que durante décadas montaram uma verdadeira quadrilha para
transformar em devolutas todas as terras da região e entregá-las a preço vil às
grandes empresas do Eucalipto, muitas que ainda atuam na degradação ambiental,
sob frequentes mudanças de titularidade, com a condescendência, a anuência e a
conivência das prefeituras e das lideranças que nada fazem a favor da
população. O padre Villy, em razão de seu trabalho em defesa dos sertanejos,
dos groteiros, dos migrantes e dos menos favorecidos pela lei, ele foi perseguido
por políticos de grande influência em todo o Vale do Jequitinhonha, foi suspenso
de sua ordem religiosa e proibido pelo bispo de Araçuaí de exercer suas funções
sacerdotais. Por várias vezes teve que comparecer ao Fórum de Minas Novas, onde
era humilhado e ameaçado. Contudo, jamais se deu por vencido e dizia sempre que
a implantação do eucalipto era a maior miséria que poderia acontecer em todo o
Vale do Jequitinhonha. Seu desejo maior era que o governo construísse diversas
barragens (como Irapé), para a geração de energia e implantação de pequenos
projetos de lavouras irrigadas, o que poderia transformar toda a Chapada de São
Domingos numa região de grande produção de alimentos (grãos e de frutas), a
exemplo da região do Jaíba.
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O mesmo
processo de perseguição foi orquestrado contra os saudosos Padres JUSTINO e
JOSÉ LÁVIA, cujos falecimentos prematuros têm características que levam à
evidentes suposições de terem eles sofrido constrangimentos psicológicos e
traumas de várias naturezas que resultaram em doenças graves e irreversíveis. E
também ambos deixaram documentos escritos em que revelam suas indignações, ao
tempo que conclamam o povo para melhor refletir sobre esses males que entravam
o progresso e o desenvolvimento de nossa região.
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Nunca houve, de fato, qualquer
“praga de padre”.
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Houve, sim, em grande quantidade, muita imprevidência e falta de
Inteligência por parte da população.
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E não foi por falta de boa orientação e de
alertas, por parte daqueles mesmos padres, os quais foram simplesmente
ignorados.
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E um
dos principais alertas, que ferem nossos ouvidos e doem em nossa alma, é contra
a nossa absurda impotência de reagir contra os desmandos e o pior, o de nada
podermos fazer para obrigar a SÃO PEDRO nos trazer bastante chuva para
revitalizar nossos rios, riachos, córregos e lagoas, de vez que, Infelizmente
não temos direito nem credibilidade, junto ao Santo Padroeiro de nossa Paróquia,
justamente porque preferimos, no passado, ultrajá-lo e deixar que nossas
antigas lideranças colocassem abaixo a sua gloriosa Igreja Matriz. Essa, sim,
talvez seja uma vingança ou uma praga, mais que justa e verdadeira, da qual só
o Bom Deus, quem sabe um dia, poderá nos livrar, a todos, de seus terríveis
efeitos.
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