Choque de realidade
Durante uma audiência criminal, a testemunha (um garoto de 15 anos), integrante da "classe penal" (pobre, morador da periferia da periferia, sem muita referência familiar), respondendo aos questionamentos do Promotor, passou a declarar que, à época dos fatos narrados na denúncia, quando tinha apenas 10 para 11 anos de idade, trabalhava de manhã e estudava de tarde.
Ao ouvir que o menino disse que trabalhava aos 11 anos, o Promotor, surpreso, questionou a este jovem com o que ele "trabalhava" nessa época e se era como menor aprendiz.
Diante do questionamento do MP, o menino disse que quando tinha 10/11 anos "mexia" com reparo de ventilador, tanquinho de lavar roupa, dentre outros, e que hoje, com 15 anos, trabalhava em uma marmoraria, como cortador de mármore.
Nesse momento, o Promotor, assustado com a "gravidade" do fato de o menor trabalhar em uma marmoraria, lhe questionou: "Mas você não sabe que isso (exercer a função de cortador de mármore como menor) é errado?"
A "criança", de pronto, sem pestanejar, retrucou: "Mas cê qué que eu faça o que?! Trafique? Mate os poliça?"
Silêncio na sala de audiência, o depoimento é encerrado e todos se olham, buscando entender aquele momento.
Tenho certeza que todos os que estavam nessa audiência guardarão a fala desse garoto para o resto da vida, tamanha a frieza com que aquele menino vomitou a realidade em nossa cara.
Estamos acostumados a criar nossos (pre) conceitos com base na nossa realidade (social/cultural/...), chegando a acreditar que tudo o que não é compatível com essa (nossa) realidade está errado.
Mas, quando entramos em contato (por mais que mínimo) com a realidade do outro, percebendo que existem coisas além do nosso campo de visão, levamos um choque, um choque de realidade.
E são choques como esses que possibilitam a modificação da forma como enxergamos o mundo.
Trabalhando em busca de um Direito para todos.
Capixaba, espírita, formado em Direito, atuante e sempre um estudante. Pós-graduado em Processo Civil e pós-graduando em Ciências Criminais. Por isso, o objetivo de levantar debates acerca das situações jurídicas (e da vida) que nos incomodam. Curriculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5664464113483902
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Belo texto! que estes "meninos" venham quem sabe um dia, mudar a realidade de nosso Brasil.
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Hoje tenho 52 anos de idade e também  comecei trabalhar aos 11 anos.
  Sou advogado formado desde 1990 e para que isso se tornasse uma realidade tive  que trabalhar duro.
  Porém, o que mais me ajudou durante todos esses anos de luta foi a educação que  os meus pais me deram.
  Aqueles que tem desvio de conduta, não necessariamente são pobres, mas são  aqueles que faltam uma educação familiar. O caráter do individuo é moldado  dentro de casa através dos exemplos dos seus pares. 
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O Promotor deveria responder: sim é isso que eu e todo o governo queremos. Pois se você e todos os pobres não virarem bandidos nós BUROCRATAS IMBECIS do ESTADO MASTODÔNTICO não seremos mais necessários!
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A questão e que nossas leis trabalhistas tampouco se adequam a realidade, são difíceis de cumprir, engessam relações de trabalho e impedem o crescimento do país e a geração de emprego e renda para seus cidadãos. Um menino de quinze anos que trabalha em uma marmoraria deveria frequentar uma escola em paralelo, ainda que fosse uma escola técnica, para lhe dar um ofício mais para frente (como de marceneiro eletricista, que é extremamente necessário e cada dia mais bem-remunerado, nesse país de excesso de bacharéis, muitos formados em faculdades de péssima qualidade, o que serve apenas para inchar o mercado, desvalorizar a prática da advocacia e prejudicar o próprio andamento da Justiça e garantias dos direitos do cidadão ). A realidade é que muitos menores de dezoito anos precisam trabalhar, muitas vezes para ajudar nos custos do lar. Que o façam então com segurança e limites, visando ao seu bem-estar, desenvolvimento pleno, tempo para o lazer, desenvolvimento que possibilite-o ter uma vida melhor para si e seus familiares, para que possa sobreviver de seu sustento de forma digna.
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Obrigado!
  Tomara Deus! 
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Concordo em gênero, número e grau, Davi!
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Parabéns Davi Moreira, seus pais e sua família foram ótimas referências, coisas que hoje carecemos tanto. Quisera Deus que todos recebessem a mesma educação, o amor e os exemplos que herdou.
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Trabalhar nunca fez mal a ninguém! Este menino é um exemplo a ser seguido. Quem quer mudar a própria realidade, se esforça.
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Com a devida vênia, o cerne deste artigo trata justamente sobre a realidade de nossa sociedade, e o impacto perante a resposta do garoto. Agora, acreditar que essa "realidade", ou seja, uma criança ter sua infância tolhida e massacrada pela desigualdade social e achar que isso é um exemplo, não deixa de ser, de certa forma, uma banalização do mal. Por todos os lados que vejo, não consigo enxergar isso como "exemplo". Se somente o esforço mudasse a realidade, os cortadores de cana, assim como inúmeros brasileiros que laboram no serviço braçal, seriam os maiores ascendentes econômicos deste país.
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Concordo plenamente! parabéns pelo artigo!
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O senhor Mateus e o senhor Giuliano  se são advogados deveriam defender a lei, no caso, o ECA que não permite o  trabalho infantil, por todas as razões que nele são explicitadas por pessoas  que compreendem o problema melhor, teoricamente. No entanto, jogam o seu  juramento pro buraco.
  Sou professor em escolas publicas e lido com a questão da pobreza, da miséria e  da falta de motivação em casa pelos estudos, problema que a escola não vai  resolver, apenas conviver com eles. Esse tema é muito profundo e deveria ser  colocado à nivel politico e tratado de maneira séria com pessoas  verdadeiramente sensiveis ao assunto e não por legisladores fracos de moral,  ética e de baixo poder intelectual, pois não conseguirão tomar decisões  adequadas por pura falta de conhecimento e estudo. Não nos esqueçamos que é na  formação da criança que teremos homens melhores, que deverão construir uma  sociedade que desejamos. Talvez os senhores em algum momento se perguntem sobre  o que está acontecendo hoje no Brasil e quais as perspectivas para o futuro. Se  ajudar comecem a analisar a questão do menor, mas não sejam simplistas olhando  a questão da maioridade e a criminalização. Se fizerem uma boa pesquisa com  embasamento científico podem ter algumas surpresas e, quem sabe acrescentar  coisas novas aos seus discursos. E so para lembra-los a lei pode até ser ruim,  mas é para ser cumprida, até por advogados. 
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Claro,  Mateus.
  Por isso que afirmei que esse "causo" não vai ser esquecido, com  certeza. 
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André, talvez possamos usar o menor  do caso como exemplo por ter escolhido nesse momento o caminho mais difícil,  que é o trabalho "honesto". Ele poderia muito bem ter optado por  traficar, pois dá muito mais dinheiro, de forma rápida, e ainda ganha  "status" na comunidade.
  Mas, sabiamente, escolheu o trabalho ("ilícito") de cortador de  mármore. 
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André, Com a devida vênia... Concordo  com Mateus. Trabalhar dignifica o homem, faz a criança aprender a dar valor as  coisas conquistadas E NÃO as que são dadas ou mesmo roubadas!! O exemplo a ser  seguido é da inteligencia desse menor em ter a capacidade RACIONAL de mostrar  com poucas palavras que existe MUITA gente hipócrita nesse País. De mostrar que  não é com o "trabalho braçal" que se vence, e sim, com inteligência e  valores.
  Desculpe, mas sua justificativa: "Se somente o esforço mudasse a  realidade, os cortadores de cana, assim como inúmeros brasileiros que laboram  no serviço braçal, seriam os maiores ascendentes econômicos deste país",  ESTÁ EQUIVOCADA. A criança tem que aprender o VALOR DAS COISAS e não apenas seu  PREÇO. 
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Acredito que o problema não é estar  trabalhando, mas sim estar trabalhando em uma atividade penosa que é por lei  vedada a menores de 18...
  
  Conseguir as coisas com esforço é legal, trabalhar é sempre louvável, mas temos  que ter muito cuidado ao levantar essa bandeira sem ressalvas! Outro dia vi um  post no facebook ( li só a manchete) sobre um rapaz bem pobre que passou pra  juiz lendo 200kg de resumos usados e desatualizados.
  É claro que é um ser humano admirável, e é claro que valorizo o feito  fantástico que ele valorizou, mas seria muito mais certo e mais justo que ele  tivesse acesso a educação e dinheiro pra pagar pelo menos apostilas, pra  competir com o mínimo de igualdade. 
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É mais fácil olhar o outro  enfatizando suas atitudes "erradas" ou fora do padrão, do que lançar  um olhar mais humanitário, que procure desvendar a realidade de sua vida; o  porquê de suas ações. Coisas de seres humanos!
  Ótimo texto Dr. Pedro. 
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Fabíola,  valeu pelo elogio.
  Essa é uma das razões que tanto gosto do Direito Criminal,  a convivência com a realidade social, a verdade da rua, nua e crua.
  As maiores "injustiças" penais estão nessa desigualdade entre quem é  acusado e quem julga/acusa/defende/estagia... 
Maria Tereza da Cruz Cunha Braz
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Sessenta anos atrás  essa era a realidade no rincão do Brasil de onde eu venho:
  Os meninos trabalhavam e todos os que eu conheci desde então, tornaram-se  homens de bem, pais exemplares, a maioria bem-sucedidos,
  profissional e financeiramente.
  Espero que o "choque de realidade" acorde promotores, juízes,  juristas, legisladores.
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Sabe qual é um grande problema que eu vejo, Maria, e não consigo entender? Estamos criando nossos filhos, educando-os, de uma forma diferente daquela como fomos criados (educados).
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Sou do Interior do Espirito Santo,da roça, radicado em São Paulo desde 1972. Não sou de uma Familia rica, más não miseraveis,aos 5 anos de idade eu Trabalhava, Minha Mãe fazia um buraco na sombra de um pé de café, colocava folhas de bananeira seca para forrar o buraco para se transformar em um Leito confortavel para minha Irmã que no maximo completara 3 meses de idade,com ramos do próprio café eu espantava pernilongos e outros para não sugar minha irmãzinha,e com cuidado para nada acontecer . Minha Mãe estava liberada para ajudar meu Querido Pai no labor do Dia a Dia. Agradeço a DEUS pela Familia que ele me confiou, eu e Irmãos aprendemos desde muito cedo a ser responsaveis,aprendemos que a Vida tem um custo,caso eu não supra este custo estou sendo pesado para alguem. Toda a Familia São pessoas de Bem, sabe como Educar os seus Filhos, claro que hoje com muito mais dificuldade porque as Crianças, nossos Jovens são bombardiados com tudo que não presta, é só ligar a TV. Com respeito aos que pensam ao contrario.
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Um  promotor pergunta se uma criança de 10 ou 11 anos trabalhara de menor aprendiz?  Depois dos 14 anos sim.
  Esse é um exemplo de que nem sempre somos produtos do meio, assim como foi dito  acima, esse adolescente fez o inverso: ele criou seus próprios conceitos diante  de uma realidade que julgara incompatível com seu caráter.
  Isso é assunto para a Ética, ou seja, criar algo novo com a condição de que  esse algo não cause malefícios a outrem cuja prova está em praticar esse algo  novo tendo a nós mesmos como alvo. 
2 dias atrás Responder Reportar
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