quinta-feira, 7 de maio de 2015

FESTAS RELIGIOSAS TRADICIONAIS DE MINAS NOVAS

AS FESTAS RELIGIOSAS TRADICIONAIS DE MINAS NOVAS

 (Geraldo Mota)

Reunindo fé e tradição, a celebração da Festa de Pentecostes, em homenagem ao Divino Espírito Santo, todos os anos mobiliza a população de MINAS NOVAS, em Minas Gerais, quando se organiza o "séquito imperial" em desfile solene muito participativo de representantes de toda a população pelas principais ruas, lembrando a importância da Igreja e do clero na vida social e política dessa tricentenária cidade mineira.

O festeiro do Divino tem o título de "Imperador" e, até os meados do século passado, o "Império" era mantido durante todo o ano em uma ampla casa própria (já demolida), que se localizava no Largo das Cavalhadas (hoje Praça Dr. Badaró Junior), onde ficavam expostos permanentemente, para o "beijo" e a visita dos fiéis, o Trono, a Coroa, o Cetro, a Bandeira e as Armas do Santo Paráclito[i]. Era desse imóvel que, no sábado anterior - ou véspera da festa - saia o "cortejo imperial", seguindo até à Igreja do Rosário, trasladando a "Coroa" e a Bandeira, para que ali se fizesse a coleta das "espórtulas anuais". Dessa igreja, na manhã do Domingo de Pentecostes[1], iniciava-se novo cortejo levando, solenemente, o Imperador e família até à Igreja Matriz para a celebração da Santa Missa, seguida do sorteio e da posse do novo festeiro para o ano vindouro. Depois da missa, já na dita Casa do Império, servia-se o almoço festivo, em homenagem ao Novo Imperador, a quem era concedido, pela autoridade judicial da Comarca e segundo uma antiga tradição, o poder de "perdoar" um criminoso preso – geralmente alguém que já tivesse cumprido a maior parte de sua condenação – que o "imperador" podia escolher como o seu especial beneficiado. Além desse "privilégio", também o novo imperador poderia escolher seus auxiliares que, durante o ano em curso, teriam acesso à "casa do império"[2] com a finalidade de se preparar a próxima festa.

Tanto a "Semana Santa" como a "Festa do Divino" em Minas Novas continuam sendo celebradas com características litúrgicas (inclusive de calendário e de duração) bem marcantes que as diferenciam dos festejos realizados nas demais paróquias vinculadas à mesma diocese, o que se explica com razões históricas que remontam aos meados do século 19. Além daquelas festas, que continuam respeitando o mesmo rito original, na Paróquia de Minas Novas aconteciam muitos outros festejos religiosos que não mais se celebram, a exemplo da Festa da Sagrada Família[ii], o Dia de São Pedro Apóstolo, o Jubileu do Senhor do Bom Fim, o Dia de São Brás, os votos de São Gonçalo do Amarante e de Nossa Senhora da Saúde, a Festa da Conceição e a Exaltação da Santa Cruz, todas inspiradas nas tradições sefarditas[3] que foram legadas pelos Missionários Espanhóis liderados pelo Cônego José Pacífico Peregrino e Silva.

A paróquia de São Pedro do Fanado, uma das mais antigas de toda a região nordeste de Minas, por localizar-se em região mineradora de grande interesse estratégico desde o tempo da Coroa Portuguesa, tradicionalmente foi obrigada a guardar fiel articulação com as autoridades provinciais e com elas desenvolver ações que fossem estritamente no interesse político-administrativo, sendo que os religiosos daquela época se reportavam diretamente ao governo civil, mesmo que na hierarquia canônica fossem oficialmente vinculados à arquidiocese de Mariana[4] e depois, a partir de 1854, à recém-criada Diocese de Diamantina. Nessa época era a Paróquia do Fanado, igualmente à do Tejuco (Diamantina), ambas encravadas no hermético Distrito Diamantino, impedida de manter organizações regulares como conventos, escolas e hospitais – como era costume existir nas demais paróquias e regiões da província – onde os padres (com diversas freguesias localizadas nos distritos e vilas) eram todos "seculares" e podiam exercer atividades missionárias relacionadas à misericórdia, dedicando-se  livremente, como vigários colados, a outras atividades, como as de mestres de artes, ofícios e profissões e, paralelamente ao vicariato (circunscrição eclesiástica equiparada a uma igreja particular) a política, o comércio, a mineração, a agropecuária, além da alfabetização de crianças e catequese de índios, funções burocráticas de registros paroquiais de nascimento, casamento, óbitos, de  notas (escrituras de compra e venda de imóveis), de correspondências, de cobrança de taxas (tômbolas e pé de altar), de intimações e serviços gerais no interesse do governo (tanto na época colonial como no império) desde que não colidissem com a orientação dos intendentes, arrematadores e, mais tarde, com o mando dos coronéis. Destarte, pela grande influência que exerciam, foi-se organizando um cabido próprio, com o surgimento de vários religiosos que se enriqueceram nessas atividades, adquirindo "patentes religiosas", como as de cônego[5] e de monsenhor, tornando-se autoridades religiosas autônomas e independentes do bispado, às vezes causando rivalidades e atritos na administração da própria igreja.

Em Minas Novas, até o início do século 20, havia três importantes irmandades religiosas, sob as quais se organizavam os interesses coletivos de toda região.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento dos Homens Brancos, que ainda existe, naquela época congregava a elite ou classes dominantes, como as autoridades políticas e judiciais, os comerciantes, os fazendeiros, os serventuários, militares e funcionários públicos mais graduados, sendo estes os responsáveis pela administração da Câmara Municipal, da igreja matriz, da casa paroquial, do cemitério, da cadeia pública, da casa de misericórdia (ou casa de caridade), do curral do concelho, do rancho (mercado municipal), do corte (matadouro e açougue). Os congregados dessa Irmandade do Santíssimo Sacramento, eram os chamados "homens bons", obrigatoriamente casados, de bons costumes, com ofícios regulares, remuneração, rendimentos e boas posses, sendo os responsáveis, no segmento sagrado,  pela Exaltação da Santa Cruz, pela Sacristia da Igreja Matriz, pela Fábrica das Santas Espécies, pelos Paramentos Religiosos, pelas alfaias, pelas coletas das espórtulas e manutenção da  Lâmpada,  Óleos e  Cera,  pelos Vasos e Imagens Sacras. Ainda hoje são os "irmãos do Santíssimo", que organizam as Adorações, as Coletas, os giros de bandeiras e as principais festas religiosas como a Semana Santa, a Festa da Liga (Sagrada Família), Festa do Divino (Pentecostes), Corpus Christi, Ascensão e Natal.  

A extinta Irmandade de Nossa Senhora do Amparo dos Homens Pardos, congregava os bate-paus, quarteirões, tropeiros, mineradores, mascates, lavradores, oficiais de serviços gerais, assim como os bastardos[6], as viúvas pobres, os brancos analfabetos, os judeus convertidos, os forasteiros e os estrangeiros. No contexto profano, eram seus membros os auxiliares nos serviços de guarda, limpeza e iluminação pública, pela conservação e fiscalização dos logradouros, caminhos de tropa e estrada real, alimentação dos presos, socorro dos indigentes e pelos funerais (enterros). No sagrado, a eles competia festejar Nossa Senhora do Amparo e do Bom Sucesso, São Bento, São Brás, São Miguel, Santa Bárbara, São Sebastião, o Senhor do Bonfim e o Sagrado Coração de Jesus.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, que ainda existe, congregava as mulheres serviçais, os escravos (cativos) e os negros libertos ou forros (alforriados), sendo administrada por uma Mesa Ordinária formada por juízes maiores (brancos e remidos, com funções burocráticas, indicados pela Câmara) e uma Mesa de irmãos pretos de boa índole, a quem ficava o encargo de controlar a faiscagem (tipo de poupança secreta cuja guarda era entregue ao tesoureiro ou a alguma pessoa de confiança dos negros, com a finalidade de custear as cartas de alforria e assegurar assistência aos irmãos mais desvalidos, órfãos, doentes e idosos).

A Irmandade do Rosário ainda hoje é hierarquizada em guardas a quem compete realizar os candombi, os giros, os ternos, as novenas, os congados, os reisados, os mastros, os leilões, as coletas de anuais e esmolas, além das festas em homenagens a seus padroeiros Nossa Senhora do Rosário, São Domingos, São Gonçalo, Santo Antonio de Categeró, Santo Antônio de Lisboa, São João, São Benedito, Santa Rita e Santa Efigênia.

Toda essa rica tradição vem da antiga Missão Espanhola, que foi chefiada pelo Cônego José Pacífico Peregrino e Silva, cuja finalidade foi a de preparar a antiga paróquia, com sede na Matriz de São Pedro do Fanado (já demolida) para transformá-la na Sé Episcopal, conforme era a determinação apostólica do Papa Leão XIII, o que se inviabilizou por questões políticas que se arrastaram traumaticamente por décadas, até que o Papa Pio X, no início do século 20, (em 1913) decidisse pela instalação da Diocese na cidade de Araçuai, atendendo aos interesses do Bispo Dom Serafim Gomes Jardim (iii), em detrimento dos direitos canônicos do Cônego José Barreiros da Cunha, sucessor do Cônego Pacífico Peregrino e que há mais de 40 anos era o vigário geral da Paróquia de São Pedro do Fanado, determinando assim o encerramento da Missão Espanhola e o desmonte de todo o colossal projeto original que objetivava a instalação da Diocese em homenagem ao "Príncipe dos Apóstolos".


[1] - Domingo de Pentecostes - Pentecostes é o símbolo do Cenáculo, lugar citado na Bíblia, onde os Santos Apóstolos se reuniram, pela primeira vez, à espera do Espírito Santo. O Cenáculo, a partir, deste momento passa a ser considerado um simbolo de sacralidade na ótica cristã, pois até então era considerado pelos judeus apenas um lugar de reuniões. Atualmente celebra-se o 50.º dia após a Páscoa e é considerado pelos cristãos o dia de Pentecostes. Pentecostes na religião cristã foi, também, o dia da descida do Espirito Santo (Espirito de Deus) sobre os apóstolos. Tal experiência é chamada de batismo no Espírito Santo. Existem movimentos em toda a história do cristianismo, sendo enfatizado, especialmente, em meados do século XX com o surgimento da Renovação Carismática Católica (RCC).
 
[2] A "Casa do Império" curiosamente foi objeto de arresto judicial em processo de falência, em que foi alegada a falta de pagamento de impostos municipais. Nesse folclórico processo, cujos autos se encontram arquivados no Fórum de Minas Novas, o juiz do feito alegou, entre outras "pérolas", que era descabido o fato de se manter bens de um alegado império, em pleno regime republicano, decretando a extinção e a "hasta pública" dos bens remanescentes, os quais, por coincidência, por falta de interessados, foram todos arrematados pelo sogro do próprio magistrado.

[3] SEFARADITAS - Que Utilizam os usos, costume e a língua sefardi, também chamada "judeu-espanhol" ou "ladino", inclusive na segmentação litúrgica. (Também tem relações com os "cristãos-novos", que se tratava de judeus convertidos ao catolicismo para não serem punidos pela "Santa Inquisição" - Em alguns locais do Brasil eram bem acolhidos, em outras eram considerados cidadãos de segunda classe, tidos como "errantes".)

[4] JACOBINA (BA) Durante muito tempo a Vila do Fanado esteve vinculada à Província da Bahia, jurisdicionada na Comarca de Jacobina (até 1847, quando voltou a se vincular à Comarca do Serro Frio) razão pela qual era indefinida e conflituosa a situação, não somente quanto ao aspecto político-administrativo, como no segmento religioso, quando as autoridades locais, inclusive as do clero que ora se reportavam ao Bispado da Bahia, ora ao Bispado de Mariana.  

[5] CÔNEGOS - Eram religiosos seculares que viviam pelo mundo, como missionários indicados pelo Vaticano, servindo numa igreja catedral ou numa igreja colegial, sem vínculos à congregações ou a determinada diocese, mas reportando-se apenas aos governos provinciais..

[6] BASTARDOS geralmente eram pessoas (filhos ou filhas) que nasciam de relacionamentos extraconjugais, pois era muito comum que os homens de posses (coronéis) mantivessem casas em lugares afastados da "legítima esposa", com "mulheres e filhos particulares"



[i] PARÁCLITO (em latim: paracletus) significa "aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que revive; aquele que intercede em nosso favor como um defensor numa corte" . No cristianismo, o termo é utilizado para se referir ao Espírito Santo e o termo tem sido objeto de longo debate entre os teólogos, com diversas teorias sobre o assunto.

[ii] "A Sagrada Família", segundo o ritual antigo, adotado nas missões espanholas, era formada por São Joaquim, a Senhora Sant'Ana, Maria de Nazaré, São José Carpinteiro e o Menino Jesus, incluídas, ainda, as figuras de São Zebedeu, Santa Izabel e São João Batista.

(iii) Dom Serafim Gomes Jardim, que era natural de Olhos d"Água e foi o primeiro bispo da Diocese de Araçuai. Era dono de vários contratos de mineração, no interesse da Diocese de Diamantina, ao longo do Rio Jequitinhonha, atividade em que também exerciam grande influência os cônegos BARRAL (de Itacambira) e JOSÉ BARREIROS (de Minas Novas) que agiam com autonomia e, por esta razão, eram considerados como adversários. A instalação da Diocese na cidade de Araçuai foi uma forma de livrar a atividade mineradora (garimpo de diamante) do controle das autoridades de Minas Novas. Esta versão, embora combatida no meio eclesiástico que a abomina, se explica com o fato de que, tão logo houve a vacância da Sé Diamantinense, o Bispo Dom Serafim Gomes Jardim foi "promovido" como prêmio pelos bons serviços prestados na neutralização dos dois citados cônegos - que não gozavam da confiança dos citados bispos -  e que morreram sem realizar o sonho acalentado pela Missão, um antigo  projeto do Cônego Pacífico. Dom Serafim Gomes Jardim sucedeu o bispo Dom Joaquim Silvério de Souza, falecido em 1909, depois de uma obscura, turbulenta e prolongada vacância que durou 25 anos, um hiato até hoje inexplicado.


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