Dos gêneros literários, um dos que mais aprecio é a
POESIA e, dentre estas, o “rondó” [1]– pai do soneto
que é bem mais moderno - é da minha especial admiração. Tomei esse gosto pela
proximidade que tive com o finado Valdemar Santos, seu pai e meu estimado e
saudoso padrinho. Dele, entre as muitas boas lembranças que guardo com muito
carinho, uma é, de certo modo, formidável em razão do seu desfecho cômico. É
que certa feita, estando todos nós numa rodinha de amigos que se reuniam, à boca
da noite, no banco público que ficava ao lado do armazém de Zé Camargos, a
certa altura o meu padrinho pôs-se a declamar o poema baixo, o que, aliás, ele o
sabia fazer com muita competência, graça e sabedoria. Acontece, porém, que no
meio de nós havia um ouvinte, muito atento, mas de poucas letras e muitos
complexos, que sofria enormemente com os achaques que lhe causavam os diversos calos
em seus pés, os quais o obrigava a andar como se estivesse pisando em ovos. E
como era de sua triste índole viver amargurado e não admitir qualquer tipo de
brincadeira e pilhérias, acreditando que aqueles versos estavam sendo a ele
dirigidos, queria partir para briga e começou a se esbravejar e a reclamar
daqueles supostos insultos. E, mesmo depois de contido em seus belicosos
ímpetos, não quis concordar com o conteúdo desse lindo trecho escrito por um
abade, que viveu mansamente lá do outro lado do Oceano Atlântico, ainda no
tempo das Caravelas:
O CRAVO
Tendes o cravo no peito,
O lugar impróprio é;
Pois se o tivésseis no pé,
Era o lugar mais perfeito:
Não julgueis, que o meu conceito
Vos faz a menor censura;
E só com doce brandura,
E sem vos fazer agravo,
Dar-vos pancada no cravo,
Sem tocar na ferradura.
Paulino António Cabral, Abade de Jazente - (séc. XVIII)
Vos faz a menor censura;
E só com doce brandura,
E sem vos fazer agravo,
Dar-vos pancada no cravo,
Sem tocar na ferradura.
Paulino António Cabral, Abade de Jazente - (séc. XVIII)
[1] Rondó - s.m. Poética - Poema de forma fixa, de origem francesa,
composto em versos de oito ou dez sílabas, em duas rimas, com a seguinte
estrutura: uma quintilha (rimas aabba); um terceto (rimas aab), ao qual se
ajusta, à guisa de refrão, a primeira ou primeiras palavras da peça; uma
segunda quintilha (rimas aabba), também seguida do mesmo refrão. Tal refrão não
se conta como verso, nem rima com qualquer dos versos anteriores. (Na
literatura de língua portuguesa, mormente no Brasil, esse tipo de poema lírico tem sofrido pequenas
modificações em sua forma).
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