EVOCAÇÕES
HISTÓRICAS
(Victor
Figueira de Freitas)
No ano de 1969 o autor acima lançou,
pela EMIL- Editora Mimeográfica Ltda,
o livro EVOCAÇÕES HISTÓRICAS, a meu
ver uma publicação interessante, sui generis, - datilografada e
mimeografada – (talvez uma pequena tiragem) - que contém preciosos relatos de
um engenheiro de estradas que demonstra, além do zelo em pesquisar a história
de seus antepassados, uma admirável capacidade de conduzir o seu texto com a
qualidade vista apenas na redação dos bons escritores, dando-nos a melhor
impressão de sua cultura e sensibilidade. É de se admirar, também, o seu grande
esforço no sentido de pesquisar, com todo cuidado, paciência e segurança, todas
as informações de que precisava para montar a sua “árvore genealógica”,
percorrendo os lugares mais distantes onde viveram e trabalharam seus
antepassados, a exemplo do que ocorreu com seu avô Dr. Francisco Lourenço de
Freitas que, logo depois de chegar de Coimbra (Portugal), onde se bacharelou em
direito com apenas 22 anos, seguiu imediatamente para a cidade mineira de Minas
Novas, nomeado pelo Imperador para ali exercer o importante cargo de JUIZ DE
FORA, tendo ali permanecido durante o período de 1825 a 1828. Ao buscar essas
informações, contidas nos autos judiciais de cartórios e outros registros
antigos que ele encontrou, fazendo minuciosas buscas nos arquivos da Comarca de
Minas Novas, ele não se limitou apenas a coletar os dados sobre o que deixou
documentado o seu ilustre avô, mas foi recompondo todo o ambiente histórico em
que vivia o culto magistrado. E o fez de tal forma, como se estivesse usando
uma objetiva focalizando-a através de uma “máquina do tempo”, que nos deixou nítido
panorama de nossa cidade, daquela época.
O avô desse escritor era muito
jovem, embora culto, quando foi nomeado
juiz, o segundo bacharel a comandar a Comarca de Minas Novas, logo depois que esta
foi criada em 1809 (sendo que o juizado de fora foi criado por alvará de 22 de janeiro de 1810).
Em Minas Novas ele permaneceu
solteiro e se dedicando exclusivamente à organização do serviço judiciário, a
partir de 1825, permanecendo até 1828 quando o dito juiz Dr. Francisco Lourenço
de Freitas foi transferido para a Vila de São Sebastião, sua terra natal, e com
o mesmo cargo de juiz de fora, sucedendo ali ao seu contemporâneo na
Universidade de Coimbra – Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marques de
Paraná. Trata, então, casamento com sua prima – Anna Leopoldina de Oliveira –
filha de Manoel Gonçalves de Oliveira e sua mulher, D. Anna Eufrosina de
Sant’Anna Lopes.
Veja, a seguir, trechos do livro
citado:
“VIDA ACIDENTADA E EXEMPLAR DE JUIZ
A Capitania de São Paulo – que
abrangia o território das ‘Minas do Ouro’ ou ‘Minas Geraes’ – só veio a se
desmembrar da Capitania do Rio de Janeiro em 1709. Tal separação pode ser
atribuída a uma das várias consequências – aqui em Minas – das ‘ordenanças’,
instituídas principalmente para efetivarem em benefício da Metrópole, vale
dizer da Coroa, a segurança nos caminhos e dos lugares de exploração do ouro.
Começava-se, desse modo, a dar a
devida importância ao interior bravio depois que o Cap. Gal. Antonio de
Albuquerque Coelho de Carvalho aqui estivera, como mandatário d’El Rei D. João
V, nas terras do Rio de janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Pouco tempo mais
permaneceu Minas ligada e sujeita a São Paulo, pois que em 1.720 separava-as a
Metrópole para criar a Capitania das Minas Gerais. Era isso, por assim
dizer-se, uma das conclusões indiretas, inevitáveis, da tese formulada na
estrênua e prolongada “Guerra dos Emboabas”.
Uma região de Minas Gerais, no
entanto – lindeira
à da Bahia – nunca pertenceu a São Paulo, nem mesmo logo após seu devassamento em
1.727. E é essa justamente a que faz jus ao inicial exame para focalizar a
personalidade a que se quer referir a epígrafe desta crônica.
Quase nas raias da Bahia e, de
início, pouco abaixo do mais setentrional território mineiro urbanizado, Minas
Novas desde a criação, em 1728, da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de
Minas Novas do Arassuahy, ora sob jurisdição total da Bahia, ora repartida –
quanto aos foros civil, eclesiástico e militar – entre esta e Minas Gerais. Por
fim, em 1760, integrou-se exclusivamente na jurisdição civil, eclesiástica e
militar desta última.
Mas não pode negar Minas Novas, por
suas mais entranhadas e longevas tradições, a grande influência que ali sempre
foi exercida pelos paulistas. Primeiramente por parte dos bandeirantes: Fernão
Dias Paes (que perlongou a região antes do devassamento), Domingos Rodrigues do
Prado, Braz Esteves, Sebastião Leme do Prado (parente de Fernão Dias, o que faz
supor tenha partido deste a sugestão de por ali se internar à frente da
primeira leva que devassou o local da futura Vila), e seus acompanhantes:
irmãos Francisco e Domingos Dias do Prado. E é de se assinalar que a principal
artéria urbana da atual cidade de Minas Novas tem o nome de “Sebastião Leme do
Prado”.
Depois do devassamento e já criada
a “Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy”, fez-se
ali sentir a influência – ora baiana, ora paulista – na sua vida comunitária,
costumes e várias de suas manifestações.
O primeiro “juiz de fora” togado
que para ali vai com a “vara branca” do cargo (os ordinários, locais, eletivos
ou de vintena – usavam-na de cor vermelha) é de origem baiana – o Dr.
Bartolomeu José Vahia; o segundo, cronologicamente, é um paulista vindo da Vila
de São Sebastião e formado em Coimbra em 1824 – o Dr. Francisco Lourenço de
Freitas.
E a influência ali das cousas ou
fatos ligados a São Paulo, age de tal forma que ilustre mineiro de Piranga –
Justiniano Coelho Duarte – pai do que viria a ser o patriarca de uma das
famílias tradicionais de Minas Novas, adotou o sobrenome “Badaró” acrescentando-o
aos de Coelho Duarte, desse modo agindo levado pelo sentimento patriótico
nativista que lhe despertara o assassinato na capital paulista a 20 de agosto
de 1830 do médico e jornalista italiano – Giovanni Líbero Badaró, Diretor do
Observador Constitucional” – quando apoiava e estimulava o movimento
nacionalista, precursor da Abdicação de D. Pedro I a 7 de abril de 1831. E,
assim, irradiando de Minas Novas pelos seus descendentes para todo o Brasil, o
culto perene à memória daquele mártir.
*.*.*.*.*.*
Fica assim, linhas atrás, convenientemente explicado o
interesse de um paulista integrado há mais de meio século na comunidade e
família mineiras – como me prezo de estar- pelas cousas de Minas Novas, onde
aquele que viria a ser meu avô paterno ali exerceu, de 1825 a 1828, a primeira
função pública de magistrado. Lá deixou ele traços marcantes de sua vigorosa
personalidade, despachando processos e autos, muitos dos quais vinham do tempo
da Colônia e do Reino Unido, originários que eram alguns deles de muito antes
de 1808.
Essa afanosa vida e o cenário onde ela transcorreu – primeiro
aqui em Minas, antes de decorrer em nossa terra paulista – procurarei relatar
em alguns lances incisivos, filiando-os à sua genealogia ancestral e
nomeando-lhe os descendentes.
*.*.*.*.*.*
Dois ramos diferente de “Freitas”,
vindos de Portugal, chegaram ao litoral paulista em duas épocas próximas e ali
mesmo radicaram-se os do segundo ramo, antes de irradiarem para o interior
paulista, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O primeiro ramo, pouco mais anterior nessa vinda – os Nunes de Freitas –
criaram raízes na Ilha de São Sebastião, na “Vila Bela da Princesa” ao depois
de terem alguns deles exercido funções públicas na “Vila de São Sebastião”, no
litoral a ela fronteiriço, onde João Nunes de Freitas, oficial de “Ordenanças”
de S. Sebastião em 1727, é promovido ao posto de “Sargento-Mór da Vila de São
Sebastião e seu Distrito”, cargo que exerce até o ano de 1733.
O segundo ramos, aportando em São
Sebastião em meado do século XVIII, os Lourenço de Freitas, menos andejos e
sempre avessos às especulações de ordem mercantil, traziam a tinêta avoenga –
cultura, amanho do solo, e estudos de todas as letras, sagradas e profanas –
mantendo e honrando a tradição herdada e vinda do Minho e de Coimbra.
O representante-padrão deste ramo
de Freitas foi o Dr. Francisco Lourenço de Freitas cuja vida procurarei
focalizar. Seu pai, Antônio Lourenço de Freitas – portugues, natural de “S.
Miguel de Fontoura”, termo de Valença do Minho, arcebispado de Braga – era
filho do casal José de Freitas e D. Luiz Lourenço, sendo J. de Freitas filho de
Bento de Freitas e D. Marianna Ferreira, todos estes também da referida localidade:
“S. Miguel de Fontoura, arcebispado de Braga”.
Antonio Lourenço de Freitas,
nascido em 1758, casou-se em 1783 na Vila de S. Sebastião (onde adquirira
prestígio, riqueza e posição social saliente como Sargento-Mór local) com D.
Antônia Maria Pinheiro, Essa D. Antonia M. Pinheiro, ou D. Maria Antonia
Pinheiro, era filha do Sargento-Mór Manoel Dias Barbosa e sua mulher D. Ignácia
Gomes de Moraes. Teve o casal Antonio Lourenço de Freitas – D. Antonia Maria
Pinheiro, os seguintes filhos com assentamento na “Genealogia Paulistana” de
Silva Leme, Título Lemes, cap. 5º, pag. 483:
1-
Anna Josepha, casada em 1805
2-
Maria, casada com Antônio de Carvalho, da Praia Grande
3- Gertrudes, casada c/ seu primo
Manoel Dias Barboza Sobrinho
4- Rita
5- Ignez
6- Antonio Lourenço
7- Manoel Lourenço
8- José Lourenço
9- Francisco Lourenço
Desses nove filhos, alcançaram
maior projeção o 7º e o 9º. O 7º, nascido em 1795, ordenado sacerdote em S.
Paulo, com processo “de genere”
arquivado na Cúria Metropolitana, veio a ser, cronologicamente, o 13º Vigário
da Vila de São Sebastião. Morava em sua companhia a irmã mais velha. Anna
Josepha, que batizou com o capitão Domingos de Freitas o seu irmão mais moço,
Francisco Lourenço de Freitas. Este último – aos 17 anos de idade – tendo já se
preparado em instrução primária e secundária em S. Sebastião, foi mandado em
1819 por seu pai a Coimbra para lá se bacharelar, pois que não havia ainda no
Brasil escola desse nível superior, o que viria a ser feito pela Lei de 11 de
agosto de 1827, assinada pelo Visconde de S. Leopoldo, Ministro do Império,
criando dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de S. Paulo,
outro na de Olinda.
A 26 de junho de 1824 – contando 22
anos de idade – recebia ele seu diploma de bacharel pela Universidade, talvez a
mais antiga da Europa, pois que – fundada em Lisboa em 1290 por El Rey D.
Diniz, da Dinastia de Borgonha – fora transferida para Coimbra em 1308 pelo
mesmo Rei.
Regressando de Coimbra para S.
Sebastião, logo em seguida, 1825, segue para a Vila de N. Senhora do Bom
Sucesso de Minas Novas do Arassuahy – pouco antes desmembrada do foro civil da
Província da Bahia – para desempenhar o encargo de Juiz de Fora. Nomeação essa
provinda das autoridades judiciais do Império, na vigência do 3º Gabinete da
então recente Monarquia, presidido por Estêvão Ribeiro de Resende, Marquês de
Valença, sendo a pasta da Justiça ocupada por Clemente Ferreira França (Marquês
de Nazareth).
Em Minas Novas pude encontrar –
profusa e variada documentação de sua permanência naquela longínqua região,
àquela época de difícil acesso, porém certamente mais importante, povoada e
rica do que a que eu visitava, pelo que pude depreender vasculhando seus Cartórios
e interpretando-lhes os documentos que examinei que pude merecer de dois
intelectuais dos quais aproximei e tornaram-se meus amigos: o Dr. Antônio Mello
Martins, Promotor de Justiça, e o Farmacêutico Agenor Santos.
*.*.*.*.*.*
JUÍZES DE FORA
A origem do título “Juiz de Fora” e a própria função que lhe
era atribuída, são antiquíssimas. Datam de 1352, como se poderá recordar.
D. Afonso IV – Rei de Portugal, da dinastia Borgonha, que em
1325 sucedeu a D. Diniz – foi quem principiou a mandar “Juízes de Fora” para
residir em lugares do Reino durante um certo tempo. Vale dizer, juízes de fora
permanentes e não ambulantes como os corregedores “por presumir o direito que, sendo estranhos, sem na terra terem
parentes nem amigos, compadres, companheiros e bem ou malquerenças, ódios com
outrem – podiam resistir às prepotências dos poderosos, castigar os seus
excessos sem ficar expostos à vingança dos mesmos poderosos e, assim fazerem
melhor justiça do que os naturaes das terras”. (Resumo este de sua Carta de
Ley, datada de 1352).
Com a chegada desses juízes cessava a jurisdição dos juízes
ordinários ou juízes eletivos. Para esses cargos de Juiz de Fora,
principalmente para lugares de maior importância (e era tal o caso de Minas
Novas em 1824) exigia-se expressamente que os nomeados fossem “leterados
e entendudos”, como eram conhecidos os juristas.
A atual cidade de Juiz de Fora, demarcada em 1840 pelo
engenheiro geógrafo Henrique Guilherme Fernando Halfed, homenageia essa
magistratura de vara branca (os ordinários, eletivos, da terra, usavam-na de
cor vermelha) pois que o lugar é a antiga povoação de “Santo Antônio do
Parahybuna de Juiz de Fora”, elevada a Vila em 31 de maio de 1830 e a cidade a
2 de maio de 1856, com o nome resumido atual de Juiz de Fora.
A organização judiciária do Brasil ao tempo da Colônia e do
Reino Unido, prevalecendo até quando se operou a Independência, compreendia os
seguintes titulares: Desembargadores, Corregedores, Provedores, Julgadores, Juízes
de Fora, Juízes Ordinários, Juízes de Vintena (espécie de Juízes de Paz),
Alcaides, Ministros e Oficiais de Justiça e de Vintena;
Advogados formados em jurisprudência, poucos havia no
interior do país, pois que raramente os vindos da Coimbra se disponham a se
internarem pelos sertões. Supria-se-lhes, então, a falta com a prata da casa:
os solicitadores “licenciados” – antecessores dos rábulas – e aqueles
sapientíssimos reverendos versados em “Cânones”, que enxertavam o latinório,
mais como prova de erudição do que mesmo para apoiar e reforçar os argumentos
expendidos.
Os mais antigos papéis do foro, por mim pacientemente
compulsados em Minas Novas, que fazem referência alguma a Juízes de Direito.
Mas em grande número deles se lê que “o vereador mais velho, na forma da Ley,
estava desempenhando atribuições de Juiz de Fora, distribuindo Justiça nas
povoações do Termo e sujeitas à Vila”. Em certo processo encontrei também que o
“Presidente da Câmara de Vereadores, na forma da Ley, estava desempenhando
atribuições de Juiz de Fora em logares compreendidos no Termo”.
Vale a pena explicar que a denominação de “Vila” aplicava-se
sob o ponto de vista administrativo; a de “Termo” correspondia à alçada
judiciária; a de “Comarca” atendia a uma e outra dessas alçadas,administrativa
e judiciária. “Diocese”, Freguesia” e Paróquia” eram divisões oficiais de
âmbito eclesiástico e que intervierem, em parte, nas outras alçadas até que se
separou a Igreja do poder civil, em 1891.
Grande, e por vezes ousada, a preponderância e indicativa
desses magistrados de “vara branca”. Por exemplo depois da posse do primeiro
Presidente da Província de São Paulo – Lucas Antônio Monteiro de Barros,
Visconde de Congonhas – ocorreu em Taubaté a rebelião do seu Juiz de Fora, Cel.
Manoel da Cunha Azevedo Coutinho Souza Chinchorro que proclamou na velha cidade
(fundada pelo Sargento-Mór de Santos, Jaques Felix, em 1636) nada menos que o
“regime absoluto”. E o mais interessante e típico do prestígio d autoridade
rebelada contra a Constituição recém outorgada, a 25 de março de 1824, é que
esse movimento foi acompanhado por algumas localidades da Província, próximas
do Vale do Parahyba.
Juízes de Fora foram criados em Vilas de Minas Gerais antes
de o serem para outras Vilas mais antigas de S. Paulo. Assim, na Vila de N,
Snra. Do Bom Sucesso de Minas Novas do Araçuaí o juizado de fora foi criado por
alvará de 22 de janeiro de 1810, ao passo que na Vila de S. Sebastião essa
criação somente seria feita 7 anos depois, isto é, pelo Alvará de 9 de outubro
de 1817. Releva notar-se que denotava isso ser a primeira mais importante e
culta que a segunda e merecendo, portanto, maios cedo a presença daqueles “leterados
e entendudos”. No entanto, S. Sebastião tinha nessa ocasião renda anual
só inferior à das cidades de S. Paulo e de Lorena, e superior às de Taubaté e
Itu. Mais ainda: Lorena, minha terra natal, a esse tempo era tão importante
financeiramente que uma de suas artérias urbanas denominava-se “Rua dos
Ourives”. Decorrência isso de seus opulentos fazendeiros de café, com suas
residências na cidade e por isto necessitando de ornamentos para jaezes e seges
de seus usos, ali fabricados pelos ourives.
.*.*.*.*.*.*.
Curiosíssimo o que se nota em certos autos por mim folheados
em Minas Novas: citações em latim por parte dos reverendos advogados e até dos
solicitadores. Mas nos despachos, às vezes longos, do “Juiz de Fora” Dr.
Francisco Lourenço de Freitas nunca precisou ele se apoiar nessa exibição de
sabedoria. Num deles cita e comenta um “Ato de 1690”, evidentemente das
“Ordenações do Reino”, e fulmina os arrazoados sapientes dos Reverendos,
diplomados em Cânones.
Mais instrutivo ainda o que se depara em autos de Processo
iniciado muito antes da Independência e vem por ali afora se arrastando até
que, em 1826, esse mesmo Juiz de Fora remata o curso, que parecia interminável,
da arenga (Querela) como era então chamada na linguagem forense. Tinha ela ido
até à “Casa de Suplicação do Brazil, na Muy Leal e Heroica Cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro” e de lá viera gastando, só de volta – com escala
obrigatória pela Vila do Príncipe, sede da Ouvidoria, cerca de 10 meses – aí
incluída a indispensável e rápida demora no Foro desta última.
E era característica da época e do meio rural o assunto
versado na “falsa querela”, como a chamou o Rev. Advogado do acusado. Vinha a
ser a imputação de roubo praticado por um graúdo a outro milhafre, seu vizinho,
da sua esposa e mais 100 mil reis” em dinheiro de prata, afora fazenda seca
avaliada em 200 mil reis”. Pareceu-me, da leitura dos autos, que o traído,
abandonado esposo, teria dado mais apreço às “pratas” e {a “fazenda seca” do
que propriamente à sua “cândida” esposa que não seria, por certo, fazenda tão
seca. Teria ele, talvez, suas razões íntimas para tal juízo, conforme deixa
discretamente transparecer o atilado Ver. Advogado do acusado.
Essa “Casa de Suplicação do Brasil” – precursora do atual
Supremo Tribunal Federal, ora vegetando em Brasília reduzido no número de seus
membros e de suas atribuições – já era uma unificação do que, em 1808, D. João
VI aqui tinha encontrado com as duas “Relações”, a da Bahia e a do Rio de
Janeiro, na Cúpula do aparelhamento judiciário do Reino Unido. Os órgãos da
judicatura no Brasil, àquela época recuada eram: Corregedores de Comarca,
Ouvidores Gerais, Provedores, Contadores de Comarca, Juízes Ordinários e de
Órfãos (eleitos), Juízes de Fora, Jurados, Juízes de Vintena.
Tão acidentada e longa era a viagem para Minas Novas – ao
tempo em que o Dr. Francisco Lourenço de Freitas foi ali servir como Juiz de
Fora – que em pleno 14 de outubro de 1822 (pouco antes, portanto, da ida do
juiz paulista para lá em 1825), que encontrei quando ali estive demoradamente
em 1960, um Processo digno de menção interpretativa. Nele se diz – quando o
Imperador D. Pedro I já tinha sido aclamado solenemente no Rio de Janeiro, a 12
de outubro de 1822 – a fls. 42 verso do mesmo: “Dom Pedro de Alcântara,
Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves – Regente deste
Reino do Brasil e nelle Lugar Tenente de El- Rey meu Senhor e Pae, etc.”. Isto
assim era dito ingenuamente e assinado a 14 de outubro de 1822 na Vila do
Príncipe, pelo “Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, em nome de sua Alteza
Real, o Príncipe Regente do Brasil”.
A notícia da Independência só veio a chegar na Vila do
Príncipe, sede da Comarca do Serro Frio, em abril de 1823 e em Minas Novas
muito depois – entre agosto e outubro desse ano – isto é, quase um ano depois
de 7 de setembro de 1822.
Talvez tenha havido cautela a respeito de boatos
presumidamente falsos ou se tenha aguardado a rendição do General Madeira, na
Bahia, a 2 de julho de 1823, pois que as distâncias do Rio de Janeiro à Vila do
Príncipe e a Minas Novas, pelos caminhos então existentes – segundo o fidedigno
padre Ayres do Casal – eram, respectivamente, de 99 e 135 léguas. E estas vencíveis
a cavalo, àquela época, em 15 a 20 dias para a primeira e 38 a 40 dias para a
segunda.
Para afirmar esta última assertiva, basta que se diga, por
exemplo, que a notícia da Abdicação de D. Pedro I, no Rio de Janeiro, a 7 de
abril de 1831, chegou à Vila do Príncipe na noite de 22 daquele mês e ano.
*.*.*.*.*.*
MINAS NOVAS – TRADIÇÕES ORAIS – INFLUÊNCIA NO DESTINO DO “ALFERES DA
LIBERDADE”.
Escritos de alguns, e escassos, cultores da história pátria
trazem às vezes alguma luz sobre o passado de Minas Novas. O mais corrente, no
entanto, é sair ele um tanto “confuzionado”, como acontece naqueles
luxuosíssimos cartapácios editados pelo IBGE e redigidos pelos literatos
ficcionistas da Estatística. É que em Minas Novas não há quase tradição, veraz,
escrita conservada; o que prevaleceu sempre foi a tradição oral, moldada ao
sabor dos que a transmitem, torcendo-a não raro, seja por ingenuidade seja por
exagero enfático de apreciação regional.
A despeito disso, há ali elementos para ser reconstituído um
passado de que nos devemos orgulhar. Naquela região se encontram os mais
antigos devassadores dos nossos sertões; uns, vindos do sul – os paulistas – e
outros, caminhando ao arrepio das correntezas do rio de S. Francisco e do
Jequitinhonha – os nortistas. Trazendo os do sul – gado para engorda e alimento
das levas andejas; os instrumentos; as ferramentas; a pólvora para os
mosquetões – em troca com os do norte, do sal gema local; couros crus e
mantimentos de cultivo regional.
Disputam entre eles, nem sempre em boa harmonia, e já
preparam aquela grande confusão ainda não de todo esclarecida (Capão da
Traição) na nossa História: a Guerra dos Emboabas.
O chamado “ciclo do couro” de que nos fala Capistrano de
Abreu, deixou ali indeléveis traços de sua permanência: não só vestuário,
chapéu, utensílios mas até mesmo em pertenças de fabrico de habitações. É que o
minério de ferro não existia por ali naquelas alturas setentrionais e era o boi que o devia substituir; catres, alforjes, portas, cordas, sacos, cornetas,
caxambus, tabaqueiras, tudo tinha que ser fabricado com auxílio do boi.
O saudoso Guimarães Rosa – grande observador das nossas
cousas rurais – descreve cenas em que, nos vãos externos das habitações, couros
crus esticados se ostentam, protegendo-as do vento e da chuva e ao mesmo tempo
servindo de anteparo a balázios de visitantes inamistosos.
Mas o mais curioso pude eu ver em Minas Novas: Ali como em
frente a Malhada, na margem direito do Rio de S. Francisco, lado de Minas,
encontrei tiras de couro cru, juntando as ripas aos caibros e substituindo
pregos que, tanto numa como na outras dessas regiões, não havia nem se podiam
fabricar, por falta de minério de ferro. Chegou-se ao cúmulo de usar essas
tiras de couro cru, ligando adobes como amarrilhos em paredes que lá estão no
“Sobradão”, desafiando as intempéries. E o que permaneceu mais estável sempre
no mesmo tom, foi a tradição de certas usanças e festejos: o “mutirão”
(“puxirão” paulista); a “festa da capina”, a “festa do doce” no dia do Reinado.
O “velório”, forma originalíssima de mutirão creio que ainda inédita em seu
registro antes deste. O “velório”, genuinamente nortista-baiano, com cantigas –
as “inselências” – dirigidas ao defunto exposto na entrada da habitação –
exaltando-lhe os méritos e façanhas -- entremeadas de distribuição profusa de
comida, de farofa de galinha e repetidos goles de cachaça servidos ao auditório
– tudo para espantar o frio da noite tanto quanto o maior inimigo do tabaréu: o
“tinhoso”, o “pé de pato”, o “chifrudo”.
*.*.*.*.*.*
Não obstante ser um tanto demorada, vale bem a pena uma
viagem a Minas Novas, a passeio. Existisse ali um bom hotel, diria eu mesmo que
deveria ser estimulado o turismo histórico, para constatar muita coisa que não
se vê em nenhuma outra cidade antiga de Minas ou da Bahia.
Não só o “Sobradão”, o mais alto edifício de adobes com pés
direitos de esteios de madeira de lei que se levantou no Brasil àquela época,
chama a atenção dos que ali chegam, O sobrado em que estão agora instalados os
Correios e Telégrafos – grandioso como os vetustos prédios coloniais – com
porta ampla na frente, trabalhada em almofadas salientes, característico do
barroco, e ornada de aldrabas de ferro, vistosas e funcionais, para as pancadas
de aviso e chamada – serviu de sede para a “casa dos contos” (ou dos “Quintos”)
em que se avaliava a taxação do ouro a ser expedido para fora, para as “Casas
de Fundição” onde seriam tornadas barras, com o respectivo timbre calcado em
uma das faces.
Defronte quase desse sobrado, em rua estreita, está a Capela
de São José, igreja diferente de todas as outras talhadas pelo risco antigo e
ali apresentando linhas originais, não existentes em nenhum dos templos antigos
das cidades coloniais de Minas Gerais e, mesmo, de todo o Brasil incluída a
Bahia.
Lembrando, por fora tanto como por dentro – não obstante as
modestas proporções do conjunto – as igrejas-catacumbas dos antigos cristãos
ou, mais propriamente aquelas capelas de Portugal do tempo das pelejas com os
Mouros, quando ainda não se cuidava do estilo barroco.
É que está ali magnificamente representado o estilo “copta”,
trazido até Minas Novas pelos frades franciscanos e capuchinhos, que chegaram
àquelas paragens nos albores de sua descoberta e se dedicaram à catequese dos
índios “Botucudos” aguerridos, aldeiados no “Alto dos Bois”. A “galilé” da
entrada da capela é típica e só ela seria bastante para caracterizar,
identificando-o, o referido estilo de que está ali em Minas Novas, talvez, o
único exemplar no país reproduzindo como que em miniatura, a Igreja Cristã de
Alexandria.
Outro monumento que se impõe à nossa veneração, está ali no
Largo da Matriz. Por sinal que a antiga Igreja de S. Pedro – Padroeiro de Minas
Novas – não mais existe, pois foi vandalicamente demolida em 1922, sob o
pretexto de ser ela de adobes e ter grandes peças de madeira de lei que
poderiam ser empregadas na construção de ponte sobre o rio Fanado, o que veio a
ser feito e levada a ponte por enchente do mesmo, pouco depois... O referido
monumento é a pequena casa térrea no alinhamento da praça (àquela época casa de
maiores proporções no lado trazeiro) onde se hospedou Joaquim José da Silva
Xavier em 1768, quando lá esteve – tropeiro e “pixileiro” (funileiro) que era,
a caminho da Bahia.
Ali naquele Largo, frente à casa modesta em que se hospedou,
deu o futuro Alferes da Liberdade o primeiro testemunho de sua inconformação
com a Tirania, protestando aos berros e, depois, agredindo a murros e pontapés
um “comboieiro” de escravos que os trazia à venda e espancava-os naquele
“Kaquende”.
Preso – em cadeia que não deixou vestígios para sua
localização por mim tentada quando lá estive, levando-me supor ter sido detido
em interior de capela, já desde há muito demolida – suportou ele a prisão
durante cinco dias e viu-se depois reduzido à miséria por ser obrigado a vender
a sua alimária e pertences, tais os ônus da “carceiragem” que teve de enfrentar
para se ver solto.
Foi essa, afinal, a causa de ter ele, na sua volta para Vila
Rica e de lá para o Rio de Janeiro, em 1769, com 22 para 23 anos de idade
assentado “praça” no Esquadrão de Cavalaria da Guarda dos Vice-Reis, no Rio de
Janeiro, onde serviu até junho de 1776.
E vem a propósito esclarecer que o futuro Alferes assentou
mesmo praça de soldado ou anspeçada em 1768 e não como diz o Sr. Herculano G.
Mathias em seu recente livro “Tiradentes através da Imagem” a pag. 12: “...
sentando (sic) praça a 1º de dezembro de 1775, investido diretamente, nesse
dia, na graduação de alferes”.
A casa em que se arranchara o “pixiliero” Joaquim J. da Silva
Xavier era de propriedade do Capitão de Cavalaria Auxiliar – Domingos de Abreu
Vieira – antigo vereador do “Senado da Câmara” de Minas Novas, o qual se não
pôde livrar o seu arranchado da cadeia e das custas elevadas da “carceiragem”,
ao menos deve ter influído na sua aproximação de círculos militares para
posterior ingresso no aludido “Esquadrão de Cavalaria”. Fica assim mais
aproximada da verdade – do que a referida no livro do Sr. Herculano Mathias, a
pag, 12, em que palpita ter havido redução de soldos e expedição de convites
para ingresso na Cavalaria Paga – a admissão de Joaquim José da Silva Xavier na
carreira militar.
A amizade entre ele entabulada em Minas Novas veio a se
estreitar e Domingos de Abreu Vieira, português de origem, já então
Tenente-Coronel, seduzido pelas ideias de emancipação do Brasil pregadas pelo
seu antigo hóspede, de quem se tornara amigo e admirador, veio a tomar parte
saliente e atuante na “Conjuração Mineira”.
Pena é que se tenha prestado ao triste papel relatado no
“Documento de Évora” em que ignominiosamente se assina, dirigindo-se ao
Visconde de Barbacena: “... seu Humilde escravo”.
Mas isso não tira de Minas Novas o seu maior galardão cívico:
o de ter propiciado o destino glorioso do “Alferes da Liberdade”.
*.*.*.*.*.*
MINAS NOVAS E O PROBLEMA MÁXIMO DA REGIÃO EM QUE SE SITUA
Minas Novas, desde quando subordinava exclusivamente à Bahia,
teve o seu grande problema posto em equação e não resolvido até os nossos dias:
o da comunicação com o mar e com o resto do país, notadamente com a sede do
governo da Província depois Estado, vale dize com a Belo Horizonte de agora.
Sua posição geográfica naquela latitude semelhante à de
Guaicuí, no Rio das Velhas, mas sem o Rio de S. Francisco como estrada rolante;
sua quase impenetrabilidade defendida por elevados divisores de águas, fizeram
sempre da região um refúgio. O tema é digno de maior estudo sociológico: o que
poderia explicar não terem ali imperado “mandões” armados de gatilho como os
teve a região sanfranciscana. O tipo de devassadores, e a época relativamente
recente dos descobertos, em parte explicam o fenômeno. Mas a própria falta de
caminhos fáceis é que cabalmente esclarece tudo.
O que é fato é que aquele isolamento sempre impressionou os
filhos ilustres da região. Recordemos alguns desses pronunciamentos.
“Em 1811 o Cel. Bento Lourenço Vaz de Abreu e Lima fez
exploração de uma estrada pelo Vale do Mucury até S. José do Porto Alegre,
pretendendo ligar o norte de Minas ao litoral”.
Esta exploração, como muito bem disse o Dr. Miguel de Teive e
Argollo, em seu opúsculo – Viação Férrea do Norte de Minas – “attrahiu a
atenção do ilustre ministro de D. João VI, o Conde da Barca, o qual mandou
abrir uma estrada que de Minas Novas se dirigisse ao Oceano. E, para maior equilibrilidade
de tão grandiosas ideias, mandou fundar pelo seu agente, Joaquim Marcelino da
Cunha, em Caravellas, uma fazenda de culturas nas margens do Mucury, a 72
quilômetros acima de S. José de Porto Alegre, estabelecimento este que foi
depois abandonado por causa dos ataques de índios, tendo-se também deixado de
levar a efeito a estrada com a retirada do Conde da Barca para Portugal”. Das
“Notas Históricas do Município de Theophilo Ottoni” por Reinaldo Ottoni Porto.
Mais tarde, 1836, o presidente da Província de Minas,
Desembargador Antônio da Costa Pinto – mandou explorar as matas compreendidas
pelos vales dos rios Mucury e Todos os Santos, no intuito de escolher um lugar
em que pudesse estabelecer uma colônia de degredados e vagabundos. Era a velha
mania de tentar a colonização rural e regeneração de malandros com os elementos
indesejáveis nas cidades. O engenheiro Pedro Victor Renault, encarregado dessa
exploração, apresentou um circunstanciado relatório, nele citando: “... o
estado de decadência em que encontrou a Vila de Minas Novas e atribuindo-o ao
esgotamento das terras de cultura e à obstrução das lavras de ouro, devido ao
sistema obsoleto de “talho aberto”. Essa judiciosa e avalizada opinião viria a
ser mais tarde reforçada, em fevereiro de 1851, pelo então engenheiro militar,
então capitão, Inocêncio Veloso Pederneiras que atribuía o declínio das
minerações de ouro de Minas Novas como consequência da melhor vantagem
econômica da exploração de Assuruá, na Comarca de Xique-Xique, na Bahia. Essa iniciativa
arrojada fora de Paulo de Frontin conforme pude recordar em conferência
pronunciada por mim na Sociedade Mineira de Engenheiros, em 1960, ao ensejo do
transcurso do 1º Centenário do seu nascimento. Nela relatei o detalhe
significativo de ter Frontin, pessoalmente, dirigido a canalização d’água na
extensão de 40 quilômetros, em caminha aberto na selva com extensão de mais de
400 quilômetros, a partir da última estação da estrada de Ferro.
O notável Relatório do Eng. Militar Inocêncio Velo Pederneiras,
reproduzido no “Dicionário Geográfico do Brasil”- explicando-lhe a origem – do
declínio do índice demográfico de Minas Novas em passado recente quando relata:
“Sua população urbana intramuros apenas tocará 3000 almas, isto é, menor do que
pode comportar o número de seus prédios, o que é, sem dúvida, uma justa
expressão do decrescimento do seu comércio. Pouco tem a fazer o camponês em uma
povoação onde não encontra mercado para o produto de sua lavoura, e não mais
numerosos são os mercadores que queiram aceitar, em troca de suas fazendas,
objetos que eles não podem entregar aos seus credores em satisfação aos seus
compromissos”.
Tudo isso, no fundo, consequência forçada pelo declínio das
minerações agravadas pela dificuldade de acesso àquelas paragens outrora
florescente e povoadas.
Bem dizia o já citado Dr. Victor Renault: “Com a navegação do
Mucury, o Governo poderá tirar da penúria a que está entregue a Comarca de
Minas Novas”.
Sua exposição, apoiada pelos Srs. Cel. Honório Esteves
Ottoni, Antonio Joaquim César, Francisco Fulgêncio Alves Pereira e Silvério
José da Costa, foi enviada ao Palácio do Governo Provincial de Minas, em Ouro
Preto, a 18 de maio de 1846 e naquela viagem sem volta e sem despacho, deve
agora estar gozando a placidez do nosso venerando “Arquivo Público Mineiro”.
Não desanimaram, no entanto, os Ottoni e em 1847 segue-se a
organização da “Companhia do Commercio e Navegação do Rio Mucury” dirigida por
Theophillo Benedicto Ottoni. Datavam de 1841 os primeiros esforços empregados
por ele na abertura de comunicações do norte de Minas Gerais com o mar.
Entendia ele que seriam mais bem empregados os esforços e recursos para ligar,
por estradas e navegação dos seus rios, o norte de Minas com o Rio de Janeiro e
com a Bahia – nos portos de mar de Porto Seguro e Caravelas – do que para ligar
Mariana e Ouro Preto ao Porto de Vitória pela “E. F. Victória a Minas” aquele
mito que consumiu tantas verbas e deixou sem ligação vários trechos atacados.
E o algodão de Minas Novas, famoso desde antes da visita de
Saint-Hilaire e por ele citado em admiração de 1818, só esse justificaria uma
ligação mais para o norte, porque mais próxima dos centros de consumo europeu.
Hoje a situação não está radicalmente mudada: se não temos
ali, como outrora, o algodão selecionado para exportar, tem a região pouco mais
ao sul o abundante e excelente minério de ferro que mais economicamente se
beneficiaria sendo exportado pelos aludidos portos.
A respeito da iniciativa de Teófilo Ottoni, relata Cristiano
B. Ottoni: “... faz nascer e mostrou ser praticável uma ideia política, aceita
pelo Marquez de Paraná, advogada por vários deputados, mui bem recebida pelas
populações a quem interessava”.
Trata-se de criar uma nova Província contendo a comarca de
Jequitinhonha e parte das do Serro e S. Francisco, em Minas Gerais, a de S.
Matheus no Espírito Santo; as de Caravelas e Porto Seguro na Bahia. Facilitaria
isso o roteamento de extensíssimas matas e daria à Província de Minas Gerais um
porto de mar, libertando-a da alfândega do Rio de Janeiro.
Com tanta confiança se entregou Teófilo B. Ottoni à árdua
tarefa que em 1853 se decide a fundar a cidade de “Philadelphia” (hoje Teófilo
Ottoni) e desenvolve e acoroçoa ali a colonização de imigrantes alemães, e um
engenheiro dessa nacionalidade é por ele posto à frente de vários
empreendimentos: o Eng. Shloback. Um esforçado e culto engenheiro naval, então
1º Tenente, José Carlos de Carvalho (que viria mais tarde, em 1888, a se
notabilizar pelo transporte até o Rio de Janeiro do meteorito “Bendengó”, caído
em 1784 à margem do riacho Bendengó na “Villa de Monte Santo” do sertão da
Bahia, também presta em 1853 seu concurso nos estudos e “reconhecimentos” da
estrada de Santa Clara. Colaborando assim para a ligação de “Alto dos Bois” – a
10 léguas de Minas Novas – com a cidade de Filadélfia. Lutou Ottoni pela
sobrevivência da Companhia por ele organizada e pela realização de seus
patrióticos objetivos, mas o ministério de 1º de agosto de 1860 na pessoa do
Conselheiro Luiz Pereira do Couto Ferraz, Ministro da Fazenda, fez-lhe guerra
surda, que haveria de solapar aquele generoso programa apenas iniciado. Mas
Teófilo Ottoni não cedeu desde logo. Sabendo que no regresso da viagem ao norte
do Brasil o Imperador D. Pedro II passaria pelo Canal de Abrolhos, dirige-se
até lá para recebê-lo e ao mesmo tempo solicita, por carta, às autoridades de
Minas Novas, que o secundem...
Tudo, no entanto, debalde. E ele mesmo relataria depois: “As
esperanças eram por demais lisonjeiras, mas desvaneceram-se todas na tarde de
25 de janeiro de 1860, na barra de Caravellas, e com mais presteza do que a
fumaça dos navios da esquadra Imperial, que se desligou por aqueles mares e,
rápida, desapareceu no horizonte deixando-nos descoroçoados”.
*.*.*.*.*.*
Um outro homem ilustre daquela região – o Dr. Francisco
Coelho Duarte Badaró, nosso antigo representante na Corte Pontifícia, em Roma,
quando Senador estadual em 1919, no governo Arthur Bernardes, fez extensos
comentários na Assembleia Estadual e estrenuamente trabalhou pela
intercomunicação por estradas e pela ligação daquele norte mineiro – rico e
isolado – com o litoral. Lembrava ele, com muito acerto: “Desatravancar um rio
é mais econômico do que construir uma estrada de ferro”.
Não faltou, portanto, o concurso e a tenacidade da parte dos
filhos daquela região para tirá-la do isolamento e do marasmo.
Depois, voltou o angustiante problema à baila e três
modalidades de providências se impõem, hoje como outrora:
1º - Estradas de rodagem que permitem e incrementem o
Turismo.
2º - Ligação com o porto de Caravelas, na Bahia, (tornado
accessível aos navios de grande calado), no que só diminui a distância para o
embarque do minério de ferro como o aliviaria nas taxas do transporte para os
Estados Unidos e Europa. O excelente minério de ferro da zona de Itamarandiba
(vastíssimos depósitos de hematita compacta, com 68,6 por cento de ferro,
isenta praticamente de fósforo) só ele justificaria esse programa,
3º - Interligação da Vitória-Minas, Central do Brasil e Leste
Brasileiro. Isso ao invés de extinguir a Bahia - Minas, deficitária porque
justamente ali é que se processa um espantoso estrangulamento da economia da
região centro-leste do país.
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NOTA DO EDITOR
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Tomei a iniciativa de
compilar esse texto com o objetivo de levar ao conhecimento de meus
conterrâneos um pouco da nossa história, escrita por um cidadão que foi movido
tão somente pelo interesse de pesquisar a vida de um de seus ancestrais que, lá
no final do século XIX, exerceu em nosso município o importante cargo de “juiz
de fora”.
O autor dessas memórias
históricas, para nossa felicidade, cumpre um grande serviço ao nosso município,
descrevendo de forma espetacular um período do qual não se tem outros
registros, como de resto quase nada se registrou a respeito de nosso passado,
em razão do desleixo ou da omissão que bem caracteriza as nossas lideranças,
que muito pouco ou quase nada fizeram no sentido de se preservarem os documentos
que noticiassem à posteridade sobre os feitos que se realizavam no cotidiano de
nossa comunidade.
Sendo assim, sem querer me
apropriar de qualquer mérito que não seja o de ter realizado a pesquisa, deixo
bem clara a minha intenção que é a de facilitar estudos, preservar nossa
história, ao tempo que louvo a importância daquela autoridade judicial,
pioneira de nossa Comarca, que muito honra nossa história, assim como devo
registrar a grandeza de seu neto, como pesquisador, como historiador e, acima
de tudo, como zeloso descendente que procurou – de forma exemplar e admirável –
buscar na fonte os registros sobre a memória de seu digno ancestral, um homem
digno de todo nosso respeito e elevada consideração.
Espero, desta forma, que
este trabalho não esteja ferindo direitos de terceiros, mas que sirva de
incentivo aos estudantes de meu município que queiram se dedicar à pesquisa e
conhecer mais um pouco sobre a história de Minas Novas, um dos municípios mais
antigos de Minas Gerais e que não tem merecido, por parte dos estudiosos em
geral, a dedicação de maiores aprofundamentos na apuração de sua origem e de
sua trajetória na formação cultural, política, econômica e social da vida
brasileira.
Belo Horizonte (MG),
novembro de 2015
Geraldo Magela Mota Coelho
-
Lindeira -
Que está
na divisa, confrontante. - Imóvel
lindeiro, aquele que confronta.
-
devassamento (substantivo masculino) - 1.ato
ou efeito de devassar. 2. ato de penetrar no que está defeso e/ou
espreitar o que aí se passa.