segunda-feira, 25 de julho de 2016

LADINHO DE LELÊ


FIGURAS INOLVIDÁVEIS DA HISTÓRIA FANADEIRA
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LADINHO DE LELÊ
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Em Minas Novas é bastante conhecida a "façanha" da rosca enfiada no calção, que de fato aconteceu com o nosso saudoso amigo LADINHO DE LELÊ. E não foi um caso premeditado de "rompante" ou bravata, pois isto não era coisa de seu feitio, de vez que o nosso "herói" não dispensava sua peixeira bem afiada e uma boa garrucha 22, apetrechos que, por sorte de todos, ele não portava naquele dia de festa e de visita à cidade vizinha.
A tal rosca, na verdade, era uma "merenda" que ele – muito prevenido e tão econômico como seu finado pai – havia reservado para não precisar fazer despesas em alguma venda naquele dia de festa em Turmalina. E estando ele dançando naquele forró, de vez em quando tinha que "ajeitar" a rosca na cintura, para evitar que ela caísse no meio do salão, atitude que foi considerada suspeita pelos "milicos", que viam naquele gesto como algo ameaçador.
O "cabo Piquilé”, que naquele folclórico dia era o comandante daquele bravo esquadrão, por ser conhecido do suposto "meliante", foi imediatamente chamado para dar início às tratativas no sentido de, com muito cuidado, "desarmar" o conterrâneo brigador, no que o Ladinho entendeu que o amigo de infância - no seu jeito amistoso e conciliador - estava querendo era lhe tomar aquela merenda que, aliás, fora preparada pela tia e madrinha Zinha de Tião Brandão, cujas prendas culinárias eram bastante conhecidas de ambos, pois todos eram "crias" da casa daquela bondosa senhora que, felizmente, está viva e bem saudável e pode confirmar a veracidade desta história.
LADINHO sempre foi um rapaz muito trabalhador, honesto e dedicado às lides rurais, onde tudo fazia para ser tão produtivo e correto como seu pai, o igualmente saudoso Manezinho Venâncio, de quem havia herdado, não só os qualificados dotes acima relacionados, mas também a aparência física, os trejeitos e os cacoetes. Era ele um verdadeiro Xerox do pai, ao qual sempre foi fiel companheiro de todas as horas, em todas as pelejas da difícil vida de roceiro, de vaqueiro, de campeiro e de embates com animal bravo escapulido do pasto ou para buscar, na unha, uma vaca braba que estivesse arribada no angiquinho e na jurema. E com ambos nunca havia tempo ruim ou empreitada de serviço, por mais duída que fosse, que eles enjeitassem ou não dessem conta direitinho do recado.
O velho Manoel Venâncio, pai de Ladinho, que apesar de muito esclarecido e consciente em todas suas atitudes de ótimo pai de família, era completamente analfabeto e naquele tempo, antes da Constituição Cidadã de 1988, quem não soubesse ler e escrever não podia ser eleitor e, sendo, assim, uma das suas maiores frustrações era não poder votar, justamente ele que detestava a politicagem do lado dos “Badarós” e, mesmo assim, não podendo votar, participava ativamente das campanhas a favor dos candidatos da UDN que eram adversários do dito “coronel”. E isto ele fazia sempre, com tanto gosto, que até mesmo gastava dinheiro de sua própria algibeira para ajudar nos comícios do “contra”.
Ele, na sua “santa ignorância” – como entendiam os puxa-sacos do referido político – na verdade assim agia como um recôndito protesto contra aquele tipo de dominação política baseada no cabresto e no incentivo ao atraso e ao analfabetismo, que ele sofria na própria carne como um opróbrio, uma verdadeira humilhação que fazia questão de não esconder e contra ela lutar a seu modo. E esta condição de sofrimento ele não desejava para sua família, tanto que, mesmo diante de tantas dificuldades e de um regime que ele adotava de muito controle e de rigorosa economia, não media esforços no sentido de permitir que todos os seus filhos pudessem frequentar a escola e terem o melhor aproveitamento, para não ficarem analfabetos como ele ficou.
Toda a família morava e dava duro no trabalho, no sitio próximo da Barragem das Almas, mas os filhos não podiam faltar às aulas do grupo escolar e, para isto, diariamente e bem cedinho, vinham a pé e tocando os burrinhos nos quais traziam cargas de lenha, verduras, mandioca, frutas e litros de leite para entregar, de casa em casa, à freguesia da cidade, pois era a venda do que plantavam e produziam em suas vazantes e roçados, que se constituía como única fonte de renda da família.
Ladinho, dos meninos da família, era o filho mais velho, no entanto, sendo o braço direito do pai, preferia estudar à noite, no turno reservado ao ensino de adultos, embora fosse pouca sua idade a contrariar as normas escolares, absorvendo os ensinamentos daquele ambiente mais rude, resultando todo aquele seu jeitão de ser uma criança com “rompantes” e atitudes de gente grande. Destarte, eram os assuntos de que ele tratava, em qualquer círculo de conversa, sempre relacionado aos temas recorrentes de sua convivência muito próxima aos adultos, aprendendo com o próprio pai a negociar suas mercadorias, comprar e vender animais, discutir preços, pechinchar, pedir e conceder prazos e outras condições, sempre de forma segura e bem acreditada em todas as situações. Como o pai, não perdia a oportunidade de fazer críticas aos políticos de quem faziam renhida oposição, embora a oposição sempre ficasse em desvantagem em todas as eleições, o que não bastava para fazê-los desistir daquela implicância. Contudo, não se indispunham com ninguém e todos na cidade e redondezas os consideravam com o maior respeito e os levavam numa boa, como exemplos de trabalho e de união que a todos causavam admiração.
O ano todo era de muito trabalho e dedicação exclusiva aos serviços rurais, mas era só começar o movimento político na cidade que imediatamente o Manezinho e o filho se apresentavam para ajudar aos candidatos da oposição, mesmo sabendo que era uma luta perdida. E durante toda a vida foi assim, jamais tendo o prazer de ver algum candidato do contra sair vencedor na eleição, que o saudoso Manoel Venâncio faleceu sem exercer o prazer de votar mas, antes de morrer, pediu a seu filho Ladinho que lhe prometesse, sob jura, que jamais votaria nos candidatos que tivessem qualquer ligação com o antigo PSD. E foi assim que, passado algum tempo, depois de toda uma vida de derrotas políticas, a oposição em Minas Novas, até que enfim, pode ver a vitória de seu candidato a prefeito, com a eleição do Dr. Geraldo Coelho, em cuja campanha, depois de um acirrada pleito em que todos compareciam os comícios em qualquer lugar do município, destacando-se a presença animada e entusiasmada do Ladinho de Lelê. E foi uma festa como jamais houve outra igual, continuando aquele clima de alegria e de grande participação popular, durante e depois da apuração com toda aquela grande expectativa quanto à posse, sempre surgindo boatos que diziam que o prefeito da corrente derrotada não entregaria o cargo, que o candidato eleito não haveria de entrar na prefeitura, que as máquinas, os veículos e os bens mais valiosos da municipalidade seriam vendidos para pagar dívidas antigas e muitas outras bravatas que o povo de pouco instrução acreditava serem verdadeiras e que tomava como desaforos e muitos até passaram a organizar movimentos para impedir que todas aquelas ameaças se transformassem em realidade. O candidato eleito, vendo naquilo tudo um excesso de preocupação, procurava tranquilizar a todos, dizendo que eram boatos e que nada daquilo procedia e pudesse alterar o curso normal de sua posse, cuja data já se aproximava.
Mas a verdade é que os boatos se espalhavam e os eleitores que votaram no Dr. Geraldo começaram a ficar assustados e resolveram organizar uma comissão com o objetivo de lutar, da maneira que fosse possível, para não deixar que os bens da prefeitura fossem vendidos e inviabilizassem o sucesso do novo prefeito, uma boataria cada vez mais forte, reforçando o que estava sendo propalado. E com o objetivo de se prevenir contra os citados desmandos, um grupo mais exaltado se reunia, cada dia num local diferente, para traçarem as estratégias de defesa daquilo que imaginavam como uma real ameaça. E para que tudo corresse da forma desejada, resolveram infiltrar espiões nos serviços municipais, sendo que um deles descobriu, não se sabe como, que um dos caminhões da prefeitura, justamente o único que estava em boas condições de uso, já estava vendido a um fazendeiro de Capelinha e a entrega do mesmo estava para acontecer, naquele próximo final de semana, num local próximo à Lagoa Grande, para onde o veículo fora levado, às escondidas, e colocado no meio dos eucaliptos para ser repassado ao comprador, sem que ninguém da cidade ficasse sabendo. E, de fato, o referido caminhão estava naquele local, mas cedido para o serviço de uma pequena fábrica de óleos essenciais que havia por ali, sendo que “aquela descoberta” foi o estopim de uma revolta.
Naquele mesmo dia, num tempo recorde, reuniu-se um verdadeiro batalhão de eleitores do Dr. Geraldo, no Bar Cantinho da Amizade (que naquele dia não abriu suas portas), bem lá no fundo, foram divididas as tarefas de defesa, já estando na rua, em frente, aglomerando os diversos carros que levariam os revoltosos para resgatarem o “caminhão fujão”, todos determinados a “matar ou morrer”, e para tanto cada um se armou de faca, facão, pau de fumo, foice, pistola, garrucha de tudo que é calibre, espingarda, carabina e todo um arsenal que certamente nunca tinha saído do cabide desde o tempo da Guerra do Paraguai. A polícia foi alertada e, para evitar o confronto, imediatamente uma tropa de choque foi organizada e seguiu, junto do delegado que era do lado do prefeito derrotado, para o lugar onde estava escondido o dito caminhão.
E lá no local, no meio dos eucaliptos, os policiais fizeram um cordão de isolamento e um corredor no meio dos talhões, através dos quais o caminhão deveria sair para seguir o seu destino, rumo à suposta fazenda do comprador.
Quando os revoltosos começaram a chegar perto, o delegado se posicionou no meio da estrada e, com a mão espalmada, pediu que o carro parasse e se colocasse de lado. Foi quando de dentro da picape de Tião Labatu o Ladinho deu um pulo no pescoço da dita autoridade e gritou aos demais que avançassem. E foi aquele “deus nos acuda”, pois até os soldados – que no fundo, no fundo, eram todos favoráveis ao prefeito eleito, saíram correndo pra todos os lados e os revoltosos, uns dando tiros pra cima, com suas garruchas, outros correndo atrás dos policiais jogando pedras, gritando e vaiando, botaram todos para correr, subiram no caminhão “amarelinho” e obrigaram o pobre do motorista a seguir para a cidade, onde entraram em passeata, com buzinação, muito foguete e aquela multidão quase que carregando o “canarinho” – assim ficou conhecido o caminhão resgatado – como um verdadeiro troféu. Até hoje não sei se o comprador ficou no prejuízo, mas o certo que, todos os dias, o Ladinho de Lelê era o primeiro que chegava até o pátio da prefeitura para conferir se o caminhão estava lá estacionado e ainda chamava o motorista Jojó para saber dele se havia algum risco de haver novas “fugas”.
E em razão daquele resultado eleitoral, favorável ao desejo do Ladinho, causou-lhe tanto entusiasmo e alegria dele foi tão grande que, no dia da posse do Dr. Geraldo, o coração dele infelizmente não resistiu diante de tanta emoção e parou de funcionar, quando comemorava a posse, no meio da população em festa, ali bem próximo da Prefeitura Municipal.
LADINHO DE LELÊ foi uma pessoa muito humilde e morreu jovem, mas seu exemplo de trabalho, honestidade e de admirável dedicação à sua terra natal o faz merecer, portanto, ser honrado entre as FIGURAS INOLVIDÁVEIS DAS TERRAS FANADEIRAS.

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