RIVALIDADE ENTRE RELIGIÕES
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Mesmo nos dias atuais ainda é muito comum observar-se, principalmente nas pequenas comunidades, uma forte rivalidade entre líderes religiosos, de denominações diferentes, que tudo fazem no sentido de conquistar fieis para suas respectivas igrejas.
Em 1981 fui designado pelo Banco para prestar serviços no Posto Avançado que havia em Chapada do Norte-MG, sendo que, entre minhas atribuições, eu devia visitar as comunidades rurais daquele município, para a divulgação e a disseminação do crédito para custeio de lavouras aos pequenos produtores.
Para alcançar aqueles objetivos procurava sempre relacionar todas as lideranças, em cada localidade, identificando-as junto aos sindicatos, às associações, às escolas e às igrejas e, assim, marcávamos reuniões que coincidissem com seus eventos já programados, geralmente nos finais de semana que se transformavam em dias bem movimentados.
Certa vez fui procurado pelo delegado de polícia daquela pequena localidade que, para minha surpresa, solicitou-me que evitasse convidar, para aquelas reuniões, a figura de um líder comunitário que, segundo suas alegações, estava sendo inconveniente aos interesses sociais. Tratava-se, na verdade, de um dirigente escolar da comunidade de Cajamunum, o qual, até pouco tempo antes, era um fiel católico e que resolvera, de repente, converter-se para “a lei dos crentes”, sendo que naquele mesmo local havia a forte liderança de um cidadão, conhecido por Zé de Pileco, que era fervoroso católico, rezador de terços e que tinha fama de ser raizeiro, benzedor e curador, que não se conformava com aquela dissidência.
Com aquela conversa da “autoridade” fiquei um pouco na dúvida, mas achei que o melhor seria procurar não me envolver naquela situação e quando tivesse que comparecer naquela comunidade rural, o melhor seria ficar neutro. E assim, para não “dar prestígio” nem a um ou a outro líder, marcamos a reunião na casa de um pequeno produtor que fez o convite em nome do sindicato em que era associado. Mas, estando contrariados, nenhum deles compareceu ao evento.
Na segunda feira, pela manhã, quando cheguei para o expediente no referido Posto Avançado do Banco, notei que entre a fila de mutuários e aposentados estavam presentes os dois líderes de Cajamunum e, chegada a vez de cada um ser atendido, ambos vieram com suas reclamações pelo fato de terem sido desprestigiados, um alegando que as reuniões da comunidade sempre eram realizadas na “sua” Escola e o outro insistindo que o melhor lugar para os encontros era na Igrejinha Católica do lugar.
Eu tentei explicar-lhes sobre a minha neutralidade, mas creio que nenhum deles se convenceu.
Naquela época não havia, ainda, uma casa específica para a realização dos cultos e dos encontros programados pelos crentes, que faziam suas primeiras reuniões debaixo de um frondoso pau d’óleo, bem localizado no centro do povoado, justamente onde antes sempre ficavam amarrados ao tronco da árvore os diversos animais de montaria das pessoas que para ali se dirigiam.
Aconteceu que o dito professor e crente, havendo “agendado” com a Marisa Consuelo, coordenadora da Emater, a qual ainda não sabia das divergências em curso, que combinaram a realização de uma grande reunião naquele local, debaixo da dita árvore, aonde foram improvisados vários bancos com tocos e troncos de madeira.
Muito cautelosos e já prevendo alguma novidade naquele evento, quando estávamos seguindo para participar dessa reunião, fomos abordados, antes de chegar, ainda na estrada, por um emissário do “seu” Zé de Pileco, avisando-nos de que seria melhor que não comparecêssemos àquela reunião, convocada pelo professor Massú, pois estaríamos correndo risco de sermos atingido por um “castigo” que ali haveria de acontecer.
E foi assim que, pelo sim ou pelo não, tanto o delegado “seu” Maxêncio, como o vigário, padre Paulo Tofoletti, que seguiam num outro carro à nossa frente, deram sinal para ali pararmos e convenceram-nos de atrasarmos um pouco a viagem, com a desculpa de algum imprevisto com o motor ou o pneu, para ver o que de fato iria acontecer. E deixamos, pois, que o tempo transcorresse e quando estávamos atravessando o córrego na chegada do povoado, cruzamos com o fusquinha da Emater, vindo em alta velocidade, com alguém no seu interior gritando e gemendo de dor, em direção da cidade de Chapada do Norte, em busca de atendimento médico para os feridos.
E, logo depois, ao chegarmos a Cajamunum, ali deparamos com o desenrolar do tal “castigo”, que estava ainda acontecendo, pois havia um tremendo corre-corre das pessoas que fugiam, de um lado para outro da praça, correndo e em verdadeira debandada e pavorosa, todos se afastando daquela árvore, onde os animais amarrados se debatiam e relinchavam, atacados por uma imensa nuvem de terríveis marimbondos ferroando a todos que ali estavam.
Passado um bom tempo, depois de tudo voltar à calmaria e normalidade, a reunião acabou acontecendo dentro da igrejinha, para o mais completo desgosto do professor Massú, que dali se escafedeu sentindo na pele as ferroadas e no seu prestígio o poder do “feitiço” encomendado por alguém que não queria que a reunião acontecesse naquele local por ele escolhido.
A fama dos poderes secretos de Zé Pileco, que jurava de pé juntos nada ter com o incidente, mais ainda se espalhou e aumentava cada vez mais o grande respeito que todos tinham pela sua pessoa.
O mestre Massú, desmoralizado em Cajamunum, não teve outra opção, senão a de se mudar, de mala, cuia e bíblia para uma comunidade nova, localizada do outro lado do Córrego da Água Limpa, no município de Berilo, para onde se transferiu como professor.
Depois de algum tempo, certa manhã, chegou ao banco aquela figura esguia e simpática do nosso amigo Zé de Pileco, trajando seu terno de brim cáqui, chapéu de feltro, com seu semblante sempre muito alegre e prazenteiro, trazendo-me de presente uma forma do delicioso requeijão moreno, quando me convidou para comparecer ao “Terço do Senhor do Bonfim”, que faria realizar em sua residência, quando me esclareceu que os marimbondos já estavam amansados e “arranchados” em outro local mais distante e seguro e que o carretel de linha de nylon ele já estava utilizando para a sua principal finalidade que era a de pescar seus lambaris e cascudos lá no Rio Capivari que passava aos fundos de sua casa.
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