segunda-feira, 11 de julho de 2016

SÃO BENEDITO DOS NEGROS DE MINAS NOVAS

LENDAS E CAUSOS ANTIGOS DE MINAS NOVAS
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“O’ SÃO BENEDITO, OLHA LÁ, OCÊ ANDA COMIGO DEVAGAR”...


As lendas e os “causos” fazem parte da lembrança de um povo, principalmente quando se trata de uma cidade tão antiga, como é o caso de Minas Novas, onde a oralidade ainda presta um grande serviço à memória, possibilitando que os valores tradicionais sejam renovados e que jamais se perca o fio condutor de nossa cultura, a qual vem lá da remota era da mineração que, antes dos bandeirantes de origem paulista, aqui já era uma atividade amplamente exercida pelos nossos antepassados sefarditas, que mineravam o ouro em parceria com os escravos fugidos que na Vila do Fanado e na Vila de Santa Cruz buscavam abrigo e proteção contra os feitores e capitães do mato. E será, exatamente, dessa tradição judaica que, no decorrer dos tempos, de forma indelével resultou algum ranço que desde aquele tempo alimentava a “pirraça” entre cristãos e os “hereges” que somente muito tempo depois vieram a se converter ao catolicismo, pela força das circunstâncias e pelo temor que produzia a fogueira da “Santa Inquisição”.
Ouvi e guardei em meus registros muitos desses causos e lendas, que me foram contados pelas pessoas mais idosas de nossa cidade, com os quais eu convivi no meu tempo de criança, como meu bisavô Domingos Mota, minha bisavó Idalina Sena, além de meus tios José de Araújo, Aristides Cristianismo (casado com minha Tia Ritinha Barreiros Chagas), meu avô Durval Coelho e também primos de meu pai, como Zé de Aristides, Zé Branco e outros, todos que vinham de antiga linhagem de grandes figuras como o famoso Jacinto Acarajé, Ana Cirina, Cônego Barreiros, Padre Joaquim do Espírito Santo e outras figuras da maior importância em nosso passado fanadeiro, com os quais muitos deles foram contemporâneos. São casos e lendas, a meu ver fabulosos, mas que eram contados como verídicos e que causavam (e ainda causam) grande curiosidade e, em certas situações, levam-nos a reflexões sobre sua procedência e se na realidade contêm alguma verdade, tamanho o significado e a expressividade do conteúdo daquelas narrativas. São muitos os casos de milagres, de benções, de acontecimentos maravilhosos e ternos, mas também muitos de assombrações, de “visões e miragens” e, enfim, até de terríveis pragas, castigos com destruição, raios, ventanias, trovões, tempestades, enchentes, inundações, doenças, desastres e muitas mortes.
Contaram-me, certa vez, que lá pelos idos do final dos anos 1800, havia em nossa cidade um rico fazendeiro, de origem judaica (sefardita), que guardava no porão de seu sobrado um verdadeiro tesouro que vinha desde o tempo das minerações, o que lhe permitia uma vida de nababo, vivendo da usura, como agiota, e com o tráfico dos ex-escravos, que ele atraia para seu serviço de mineração, escravizava-os novamente e os revendia de forma sórdida e covarde. O sobrado que servia de residência da família ficava próxima à antiga Igreja Matriz de São Pedro, cujo campanário era composto de estridentes sinos e estes, durante a celebração em honra a São Benedito, ao ser bimbalhado para saudar a procissão que passava, fez afugentar a sua mula predileta de montaria, quando chegava de uma viagem, quando foi arremessado ao chão, de onde se levantou encolerizado e se arremeteu contra o andor que vinha pela rua, dirigindo impropérios e gestos acusatórios ao santo, provocando verdadeiro tumulto junto à multidão de fieis, de vez que era um coronel temido, chegando ao cúmulo da falta de respeito de propor ao cônego Pacífico Peregrino de Melo e Silva, que era o sacerdote que realizava a festa, que lhe vendesse, como escravo, “aquele negro arrogante que estava sendo venerado por um bando de desocupados”. Naturalmente que aquele saudoso vigário de nossa paróquia, um dos religiosos mais prestigiados de toda a Diocese, reagiu indignado com aquela demonstração de heresia e o ameaçou com o castigo da excomunhão, pelo que o dito cujo nem se preocupou e ainda desafiou o poder da igreja, afirmando que tudo faria no sentido de que aquele templo fosse colocado ao chão.
E, de fato, com seu poder econômico liderou o tal coronel, herege e vingativo, uma acirrada perseguição aos padres, daquela época, o que culminou com a derrocada do projeto que o cônego Pacífico acalentava de promover a paróquia em diocese, conforme estava tudo em andamento, obrigando que fossem espalhados pelas demais igrejas da cidade a vasta coleção de santos e alfaias.
Consta, porém, que toda a fortuna do dito nababo logo veio a sofrer a ruína, o que foi atribuído como um castigo divino, pois sua riqueza, antes composta de muitos imóveis, fazendas, numeroso plantel de animais de carga e montaria, uma das maiores tropas de toda região, tudo foi eliminado, não sobrando sequer uma cabeça de gado, nem colheitas das lavouras, que ficaram improdutivas.
O fazendeiro, vendo assim que o “feitiço estava voltando contra o feiticeiro”, arrependeu-se, embora tardiamente, e para aplacar a maldição e propôs doar a São Benedito todos os seus escravos – que eram mais de uma centena deles – mas o bom vigário, aceitando a oferta, condicionou que os cativos fossem imediatamente libertos (alforriados) e também admitidos como membros livres da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, isto ainda no ano de 1862, portanto 26 anos antes de ser promulgada a Lei Áurea, pela Princesa Izabel.
Eis aí, portanto, uma das origens da bicentenária Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas, da qual o milagroso SÃO BENEDITO é um dos mais festejados padroeiros.

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