domingo, 24 de julho de 2016

EVOCAÇÕES HISTÓRICAS - VICTOR FIGUEIRA DE FREITAS




EVOCAÇÕES HISTÓRICAS

(Victor Figueira de Freitas)



No ano de 1969 o autor acima lançou, pela EMIL- Editora Mimeográfica Ltda, o livro EVOCAÇÕES HISTÓRICAS, a meu ver uma publicação interessante, sui generis, - datilografada e mimeografada – (talvez uma pequena tiragem) - que contém preciosos relatos de um engenheiro de estradas que demonstra, além do zelo em pesquisar a história de seus antepassados, uma admirável capacidade de conduzir o seu texto com a qualidade vista apenas na redação dos bons escritores, dando-nos a melhor impressão de sua cultura e sensibilidade. É de se admirar, também, o seu grande esforço no sentido de pesquisar, com todo cuidado, paciência e segurança, todas as informações de que precisava para montar a sua “árvore genealógica”, percorrendo os lugares mais distantes onde viveram e trabalharam seus antepassados, a exemplo do que ocorreu com seu avô Dr. Francisco Lourenço de Freitas que, logo depois de chegar de Coimbra (Portugal), onde se bacharelou em direito com apenas 22 anos, seguiu imediatamente para a cidade mineira de Minas Novas, nomeado pelo Imperador para ali exercer o importante cargo de JUIZ DE FORA, tendo ali permanecido durante o período de 1825 a 1828. Ao buscar essas informações, contidas nos autos judiciais de cartórios e outros registros antigos que ele encontrou, fazendo minuciosas buscas nos arquivos da Comarca de Minas Novas, ele não se limitou apenas a coletar os dados sobre o que deixou documentado o seu ilustre avô, mas foi recompondo todo o ambiente histórico em que vivia o culto magistrado. E o fez de tal forma, como se estivesse usando uma objetiva focalizando-a através de uma “máquina do tempo”, que nos deixou nítido panorama de nossa cidade, daquela época.

O avô desse escritor era muito jovem,  embora culto, quando foi nomeado juiz, o segundo bacharel a comandar a Comarca de Minas Novas, logo depois que esta foi criada em 1809 (sendo que o juizado de fora foi criado por alvará de 22 de janeiro de 1810).

Em Minas Novas ele permaneceu solteiro e se dedicando exclusivamente à organização do serviço judiciário, a partir de 1825, permanecendo até 1828 quando o dito juiz Dr. Francisco Lourenço de Freitas foi transferido para a Vila de São Sebastião, sua terra natal, e com o mesmo cargo de juiz de fora, sucedendo ali ao seu contemporâneo na Universidade de Coimbra – Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marques de Paraná. Trata, então, casamento com sua prima – Anna Leopoldina de Oliveira – filha de Manoel Gonçalves de Oliveira e sua mulher, D. Anna Eufrosina de Sant’Anna Lopes.

Veja, a seguir, trechos do livro citado:






VIDA ACIDENTADA E EXEMPLAR DE JUIZ


A Capitania de São Paulo – que abrangia o território das ‘Minas do Ouro’ ou ‘Minas Geraes’ – só veio a se desmembrar da Capitania do Rio de Janeiro em 1709. Tal separação pode ser atribuída a uma das várias consequências – aqui em Minas – das ‘ordenanças’, instituídas principalmente para efetivarem em benefício da Metrópole, vale dizer da Coroa, a segurança nos caminhos e dos lugares de exploração do ouro.

Começava-se, desse modo, a dar a devida importância ao interior bravio depois que o Cap. Gal. Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho aqui estivera, como mandatário d’El Rei D. João V, nas terras do Rio de janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Pouco tempo mais permaneceu Minas ligada e sujeita a São Paulo, pois que em 1.720 separava-as a Metrópole para criar a Capitania das Minas Gerais. Era isso, por assim dizer-se, uma das conclusões indiretas, inevitáveis, da tese formulada na estrênua e prolongada “Guerra dos Emboabas”.

Uma região de Minas Gerais, no entanto – lindeira[1] à da Bahia – nunca pertenceu a São Paulo, nem mesmo logo após seu devassamento[2] em 1.727. E é essa justamente a que faz jus ao inicial exame para focalizar a personalidade a que se quer referir a epígrafe desta crônica.
Quase nas raias da Bahia e, de início, pouco abaixo do mais setentrional território mineiro urbanizado, Minas Novas desde a criação, em 1728, da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy, ora sob jurisdição total da Bahia, ora repartida – quanto aos foros civil, eclesiástico e militar – entre esta e Minas Gerais. Por fim, em 1760, integrou-se exclusivamente na jurisdição civil, eclesiástica e militar desta última.

Mas não pode negar Minas Novas, por suas mais entranhadas e longevas tradições, a grande influência que ali sempre foi exercida pelos paulistas. Primeiramente por parte dos bandeirantes: Fernão Dias Paes (que perlongou a região antes do devassamento), Domingos Rodrigues do Prado, Braz Esteves, Sebastião Leme do Prado (parente de Fernão Dias, o que faz supor tenha partido deste a sugestão de por ali se internar à frente da primeira leva que devassou o local da futura Vila), e seus acompanhantes: irmãos Francisco e Domingos Dias do Prado. E é de se assinalar que a principal artéria urbana da atual cidade de Minas Novas tem o nome de “Sebastião Leme do Prado”.

Depois do devassamento e já criada a “Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy”, fez-se ali sentir a influência – ora baiana, ora paulista – na sua vida comunitária, costumes e várias de suas manifestações.

O primeiro “juiz de fora” togado que para ali vai com a “vara branca” do cargo (os ordinários, locais, eletivos ou de vintena – usavam-na de cor vermelha) é de origem baiana – o Dr. Bartolomeu José Vahia; o segundo, cronologicamente, é um paulista vindo da Vila de São Sebastião e formado em Coimbra em 1824 – o Dr. Francisco Lourenço de Freitas.

E a influência ali das cousas ou fatos ligados a São Paulo, age de tal forma que ilustre mineiro de Piranga – Justiniano Coelho Duarte – pai do que viria a ser o patriarca de uma das famílias tradicionais de Minas Novas, adotou o sobrenome “Badaró” acrescentando-o aos de Coelho Duarte, desse modo agindo levado pelo sentimento patriótico nativista que lhe despertara o assassinato na capital paulista a 20 de agosto de 1830 do médico e jornalista italiano – Giovanni Líbero Badaró, Diretor do Observador Constitucional” – quando apoiava e estimulava o movimento nacionalista, precursor da Abdicação de D. Pedro I a 7 de abril de 1831. E, assim, irradiando de Minas Novas pelos seus descendentes para todo o Brasil, o culto perene à memória daquele mártir.

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Fica assim, linhas atrás, convenientemente explicado o interesse de um paulista integrado há mais de meio século na comunidade e família mineiras – como me prezo de estar- pelas cousas de Minas Novas, onde aquele que viria a ser meu avô paterno ali exerceu, de 1825 a 1828, a primeira função pública de magistrado. Lá deixou ele traços marcantes de sua vigorosa personalidade, despachando processos e autos, muitos dos quais vinham do tempo da Colônia e do Reino Unido, originários que eram alguns deles de muito antes de 1808.
Essa afanosa vida e o cenário onde ela transcorreu – primeiro aqui em Minas, antes de decorrer em nossa terra paulista – procurarei relatar em alguns lances incisivos, filiando-os à sua genealogia ancestral e nomeando-lhe os descendentes.

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Dois ramos diferente de “Freitas”, vindos de Portugal, chegaram ao litoral paulista em duas épocas próximas e ali mesmo radicaram-se os do segundo ramo, antes de irradiarem para o interior paulista, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O primeiro ramo, pouco mais anterior nessa vinda – os Nunes de Freitas – criaram raízes na Ilha de São Sebastião, na “Vila Bela da Princesa” ao depois de terem alguns deles exercido funções públicas na “Vila de São Sebastião”, no litoral a ela fronteiriço, onde João Nunes de Freitas, oficial de “Ordenanças” de S. Sebastião em 1727, é promovido ao posto de “Sargento-Mór da Vila de São Sebastião e seu Distrito”, cargo que exerce até o ano de 1733.

O segundo ramos, aportando em São Sebastião em meado do século XVIII, os Lourenço de Freitas, menos andejos e sempre avessos às especulações de ordem mercantil, traziam a tinêta avoenga – cultura, amanho do solo, e estudos de todas as letras, sagradas e profanas – mantendo e honrando a tradição herdada e vinda do Minho e de Coimbra.

O representante-padrão deste ramo de Freitas foi o Dr. Francisco Lourenço de Freitas cuja vida procurarei focalizar. Seu pai, Antônio Lourenço de Freitas – portugues, natural de “S. Miguel de Fontoura”, termo de Valença do Minho, arcebispado de Braga – era filho do casal José de Freitas e D. Luiz Lourenço, sendo J. de Freitas filho de Bento de Freitas e D. Marianna Ferreira, todos estes também da referida localidade: “S. Miguel de Fontoura, arcebispado de Braga”.

Antonio Lourenço de Freitas, nascido em 1758, casou-se em 1783 na Vila de S. Sebastião (onde adquirira prestígio, riqueza e posição social saliente como Sargento-Mór local) com D. Antônia Maria Pinheiro, Essa D. Antonia M. Pinheiro, ou D. Maria Antonia Pinheiro, era filha do Sargento-Mór Manoel Dias Barbosa e sua mulher D. Ignácia Gomes de Moraes. Teve o casal Antonio Lourenço de Freitas – D. Antonia Maria Pinheiro, os seguintes filhos com assentamento na “Genealogia Paulistana” de Silva Leme, Título Lemes, cap. 5º, pag. 483:

1-  Anna Josepha, casada em 1805
2-  Maria, casada com Antônio de Carvalho, da Praia Grande
3- Gertrudes, casada c/ seu primo Manoel Dias Barboza Sobrinho
4- Rita
5- Ignez
6- Antonio Lourenço
7- Manoel Lourenço
8- José Lourenço
9- Francisco Lourenço

Desses nove filhos, alcançaram maior projeção o 7º e o 9º. O 7º, nascido em 1795, ordenado sacerdote em S. Paulo, com processo “de genere” arquivado na Cúria Metropolitana, veio a ser, cronologicamente, o 13º Vigário da Vila de São Sebastião. Morava em sua companhia a irmã mais velha. Anna Josepha, que batizou com o capitão Domingos de Freitas o seu irmão mais moço, Francisco Lourenço de Freitas. Este último – aos 17 anos de idade – tendo já se preparado em instrução primária e secundária em S. Sebastião, foi mandado em 1819 por seu pai a Coimbra para lá se bacharelar, pois que não havia ainda no Brasil escola desse nível superior, o que viria a ser feito pela Lei de 11 de agosto de 1827, assinada pelo Visconde de S. Leopoldo, Ministro do Império, criando dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de S. Paulo, outro na de Olinda.

A 26 de junho de 1824 – contando 22 anos de idade – recebia ele seu diploma de bacharel pela Universidade, talvez a mais antiga da Europa, pois que – fundada em Lisboa em 1290 por El Rey D. Diniz, da Dinastia de Borgonha – fora transferida para Coimbra em 1308 pelo mesmo Rei.

Regressando de Coimbra para S. Sebastião, logo em seguida, 1825, segue para a Vila de N. Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahy – pouco antes desmembrada do foro civil da Província da Bahia – para desempenhar o encargo de Juiz de Fora. Nomeação essa provinda das autoridades judiciais do Império, na vigência do 3º Gabinete da então recente Monarquia, presidido por Estêvão Ribeiro de Resende, Marquês de Valença, sendo a pasta da Justiça ocupada por Clemente Ferreira França (Marquês de Nazareth).

Em Minas Novas pude encontrar – profusa e variada documentação de sua permanência naquela longínqua região, àquela época de difícil acesso, porém certamente mais importante, povoada e rica do que a que eu visitava, pelo que pude depreender vasculhando seus Cartórios e interpretando-lhes os documentos que examinei que pude merecer de dois intelectuais dos quais aproximei e tornaram-se meus amigos: o Dr. Antônio Mello Martins, Promotor de Justiça, e o Farmacêutico Agenor Santos.



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JUÍZES DE FORA

A origem do título “Juiz de Fora” e a própria função que lhe era atribuída, são antiquíssimas. Datam de 1352, como se poderá recordar.

D. Afonso IV – Rei de Portugal, da dinastia Borgonha, que em 1325 sucedeu a D. Diniz – foi quem principiou a mandar “Juízes de Fora” para residir em lugares do Reino durante um certo tempo. Vale dizer, juízes de fora permanentes e não ambulantes como os corregedores “por presumir o direito que, sendo estranhos, sem na terra terem parentes nem amigos, compadres, companheiros e bem ou malquerenças, ódios com outrem – podiam resistir às prepotências dos poderosos, castigar os seus excessos sem ficar expostos à vingança dos mesmos poderosos e, assim fazerem melhor justiça do que os naturaes das terras”. (Resumo este de sua Carta de Ley, datada de 1352).
Com a chegada desses juízes cessava a jurisdição dos juízes ordinários ou juízes eletivos. Para esses cargos de Juiz de Fora, principalmente para lugares de maior importância (e era tal o caso de Minas Novas em 1824) exigia-se expressamente que os nomeados fossem “leterados e entendudos”, como eram conhecidos os juristas.

A atual cidade de Juiz de Fora, demarcada em 1840 pelo engenheiro geógrafo Henrique Guilherme Fernando Halfed, homenageia essa magistratura de vara branca (os ordinários, eletivos, da terra, usavam-na de cor vermelha) pois que o lugar é a antiga povoação de “Santo Antônio do Parahybuna de Juiz de Fora”, elevada a Vila em 31 de maio de 1830 e a cidade a 2 de maio de 1856, com o nome resumido atual de Juiz de Fora.

A organização judiciária do Brasil ao tempo da Colônia e do Reino Unido, prevalecendo até quando se operou a Independência, compreendia os seguintes titulares: Desembargadores, Corregedores, Provedores, Julgadores, Juízes de Fora, Juízes Ordinários, Juízes de Vintena (espécie de Juízes de Paz), Alcaides, Ministros e Oficiais de Justiça e de Vintena;

Advogados formados em jurisprudência, poucos havia no interior do país, pois que raramente os vindos da Coimbra se disponham a se internarem pelos sertões. Supria-se-lhes, então, a falta com a prata da casa: os solicitadores “licenciados” – antecessores dos rábulas – e aqueles sapientíssimos reverendos versados em “Cânones”, que enxertavam o latinório, mais como prova de erudição do que mesmo para apoiar e reforçar os argumentos expendidos.

Os mais antigos papéis do foro, por mim pacientemente compulsados em Minas Novas, que fazem referência alguma a Juízes de Direito. Mas em grande número deles se lê que “o vereador mais velho, na forma da Ley, estava desempenhando atribuições de Juiz de Fora, distribuindo Justiça nas povoações do Termo e sujeitas à Vila”. Em certo processo encontrei também que o “Presidente da Câmara de Vereadores, na forma da Ley, estava desempenhando atribuições de Juiz de Fora em logares compreendidos no Termo”.

Vale a pena explicar que a denominação de “Vila” aplicava-se sob o ponto de vista administrativo; a de “Termo” correspondia à alçada judiciária; a de “Comarca” atendia a uma e outra dessas alçadas,administrativa e judiciária. “Diocese”, Freguesia” e Paróquia” eram divisões oficiais de âmbito eclesiástico e que intervierem, em parte, nas outras alçadas até que se separou a Igreja do poder civil, em 1891.

Grande, e por vezes ousada, a preponderância e indicativa desses magistrados de “vara branca”. Por exemplo depois da posse do primeiro Presidente da Província de São Paulo – Lucas Antônio Monteiro de Barros, Visconde de Congonhas – ocorreu em Taubaté a rebelião do seu Juiz de Fora, Cel. Manoel da Cunha Azevedo Coutinho Souza Chinchorro que proclamou na velha cidade (fundada pelo Sargento-Mór de Santos, Jaques Felix, em 1636) nada menos que o “regime absoluto”. E o mais interessante e típico do prestígio d autoridade rebelada contra a Constituição recém outorgada, a 25 de março de 1824, é que esse movimento foi acompanhado por algumas localidades da Província, próximas do Vale do Parahyba.

Juízes de Fora foram criados em Vilas de Minas Gerais antes de o serem para outras Vilas mais antigas de S. Paulo. Assim, na Vila de N, Snra. Do Bom Sucesso de Minas Novas do Araçuaí o juizado de fora foi criado por alvará de 22 de janeiro de 1810, ao passo que na Vila de S. Sebastião essa criação somente seria feita 7 anos depois, isto é, pelo Alvará de 9 de outubro de 1817. Releva notar-se que denotava isso ser a primeira mais importante e culta que a segunda e merecendo, portanto, maios cedo a presença daqueles “leterados e entendudos”. No entanto, S. Sebastião tinha nessa ocasião renda anual só inferior à das cidades de S. Paulo e de Lorena, e superior às de Taubaté e Itu. Mais ainda: Lorena, minha terra natal, a esse tempo era tão importante financeiramente que uma de suas artérias urbanas denominava-se “Rua dos Ourives”. Decorrência isso de seus opulentos fazendeiros de café, com suas residências na cidade e por isto necessitando de ornamentos para jaezes e seges de seus usos, ali fabricados pelos ourives.


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Curiosíssimo o que se nota em certos autos por mim folheados em Minas Novas: citações em latim por parte dos reverendos advogados e até dos solicitadores. Mas nos despachos, às vezes longos, do “Juiz de Fora” Dr. Francisco Lourenço de Freitas nunca precisou ele se apoiar nessa exibição de sabedoria. Num deles cita e comenta um “Ato de 1690”, evidentemente das “Ordenações do Reino”, e fulmina os arrazoados sapientes dos Reverendos, diplomados em Cânones.

Mais instrutivo ainda o que se depara em autos de Processo iniciado muito antes da Independência e vem por ali afora se arrastando até que, em 1826, esse mesmo Juiz de Fora remata o curso, que parecia interminável, da arenga (Querela) como era então chamada na linguagem forense. Tinha ela ido até à “Casa de Suplicação do Brazil, na Muy Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro” e de lá viera gastando, só de volta – com escala obrigatória pela Vila do Príncipe, sede da Ouvidoria, cerca de 10 meses – aí incluída a indispensável e rápida demora no Foro desta última.

E era característica da época e do meio rural o assunto versado na “falsa querela”, como a chamou o Rev. Advogado do acusado. Vinha a ser a imputação de roubo praticado por um graúdo a outro milhafre, seu vizinho, da sua esposa e mais 100 mil reis” em dinheiro de prata, afora fazenda seca avaliada em 200 mil reis”. Pareceu-me, da leitura dos autos, que o traído, abandonado esposo, teria dado mais apreço às “pratas” e {a “fazenda seca” do que propriamente à sua “cândida” esposa que não seria, por certo, fazenda tão seca. Teria ele, talvez, suas razões íntimas para tal juízo, conforme deixa discretamente transparecer o atilado Ver. Advogado do acusado.

Essa “Casa de Suplicação do Brasil” – precursora do atual Supremo Tribunal Federal, ora vegetando em Brasília reduzido no número de seus membros e de suas atribuições – já era uma unificação do que, em 1808, D. João VI aqui tinha encontrado com as duas “Relações”, a da Bahia e a do Rio de Janeiro, na Cúpula do aparelhamento judiciário do Reino Unido. Os órgãos da judicatura no Brasil, àquela época recuada eram: Corregedores de Comarca, Ouvidores Gerais, Provedores, Contadores de Comarca, Juízes Ordinários e de Órfãos (eleitos), Juízes de Fora, Jurados, Juízes de Vintena.

Tão acidentada e longa era a viagem para Minas Novas – ao tempo em que o Dr. Francisco Lourenço de Freitas foi ali servir como Juiz de Fora – que em pleno 14 de outubro de 1822 (pouco antes, portanto, da ida do juiz paulista para lá em 1825), que encontrei quando ali estive demoradamente em 1960, um Processo digno de menção interpretativa. Nele se diz – quando o Imperador D. Pedro I já tinha sido aclamado solenemente no Rio de Janeiro, a 12 de outubro de 1822 – a fls. 42 verso do mesmo: “Dom Pedro de Alcântara, Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves – Regente deste Reino do Brasil e nelle Lugar Tenente de El- Rey meu Senhor e Pae, etc.”. Isto assim era dito ingenuamente e assinado a 14 de outubro de 1822 na Vila do Príncipe, pelo “Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, em nome de sua Alteza Real, o Príncipe Regente do Brasil”.

A notícia da Independência só veio a chegar na Vila do Príncipe, sede da Comarca do Serro Frio, em abril de 1823 e em Minas Novas muito depois – entre agosto e outubro desse ano – isto é, quase um ano depois de 7 de setembro de 1822.

Talvez tenha havido cautela a respeito de boatos presumidamente falsos ou se tenha aguardado a rendição do General Madeira, na Bahia, a 2 de julho de 1823, pois que as distâncias do Rio de Janeiro à Vila do Príncipe e a Minas Novas, pelos caminhos então existentes – segundo o fidedigno padre Ayres do Casal – eram, respectivamente, de 99 e 135 léguas. E estas vencíveis a cavalo, àquela época, em 15 a 20 dias para a primeira e 38 a 40 dias para a segunda.
Para afirmar esta última assertiva, basta que se diga, por exemplo, que a notícia da Abdicação de D. Pedro I, no Rio de Janeiro, a 7 de abril de 1831, chegou à Vila do Príncipe na noite de 22 daquele mês e ano.


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MINAS NOVAS – TRADIÇÕES ORAIS – INFLUÊNCIA NO DESTINO DO “ALFERES DA LIBERDADE”.



Escritos de alguns, e escassos, cultores da história pátria trazem às vezes alguma luz sobre o passado de Minas Novas. O mais corrente, no entanto, é sair ele um tanto “confuzionado”, como acontece naqueles luxuosíssimos cartapácios editados pelo IBGE e redigidos pelos literatos ficcionistas da Estatística. É que em Minas Novas não há quase tradição, veraz, escrita conservada; o que prevaleceu sempre foi a tradição oral, moldada ao sabor dos que a transmitem, torcendo-a não raro, seja por ingenuidade seja por exagero enfático de apreciação regional.

A despeito disso, há ali elementos para ser reconstituído um passado de que nos devemos orgulhar. Naquela região se encontram os mais antigos devassadores dos nossos sertões; uns, vindos do sul – os paulistas – e outros, caminhando ao arrepio das correntezas do rio de S. Francisco e do Jequitinhonha – os nortistas. Trazendo os do sul – gado para engorda e alimento das levas andejas; os instrumentos; as ferramentas; a pólvora para os mosquetões – em troca com os do norte, do sal gema local; couros crus e mantimentos de cultivo regional.

Disputam entre eles, nem sempre em boa harmonia, e já preparam aquela grande confusão ainda não de todo esclarecida (Capão da Traição) na nossa História: a Guerra dos Emboabas.

O chamado “ciclo do couro” de que nos fala Capistrano de Abreu, deixou ali indeléveis traços de sua permanência: não só vestuário, chapéu, utensílios mas até mesmo em pertenças de fabrico de habitações. É que o minério de ferro não existia por ali naquelas alturas setentrionais e era o boi que o devia substituir; catres, alforjes, portas, cordas, sacos, cornetas, caxambus, tabaqueiras, tudo tinha que ser fabricado com auxílio do boi.

O saudoso Guimarães Rosa – grande observador das nossas cousas rurais – descreve cenas em que, nos vãos externos das habitações, couros crus esticados se ostentam, protegendo-as do vento e da chuva e ao mesmo tempo servindo de anteparo a balázios de visitantes inamistosos.

Mas o mais curioso pude eu ver em Minas Novas: Ali como em frente a Malhada, na margem direito do Rio de S. Francisco, lado de Minas, encontrei tiras de couro cru, juntando as ripas aos caibros e substituindo pregos que, tanto numa como na outras dessas regiões, não havia nem se podiam fabricar, por falta de minério de ferro. Chegou-se ao cúmulo de usar essas tiras de couro cru, ligando adobes como amarrilhos em paredes que lá estão no “Sobradão”, desafiando as intempéries. E o que permaneceu mais estável sempre no mesmo tom, foi a tradição de certas usanças e festejos: o “mutirão” (“puxirão” paulista); a “festa da capina”, a “festa do doce” no dia do Reinado. O “velório”, forma originalíssima de mutirão creio que ainda inédita em seu registro antes deste. O “velório”, genuinamente nortista-baiano, com cantigas – as “inselências” – dirigidas ao defunto exposto na entrada da habitação – exaltando-lhe os méritos e façanhas -- entremeadas de distribuição profusa de comida, de farofa de galinha e repetidos goles de cachaça servidos ao auditório – tudo para espantar o frio da noite tanto quanto o maior inimigo do tabaréu: o “tinhoso”, o “pé de pato”, o “chifrudo”.

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Não obstante ser um tanto demorada, vale bem a pena uma viagem a Minas Novas, a passeio. Existisse ali um bom hotel, diria eu mesmo que deveria ser estimulado o turismo histórico, para constatar muita coisa que não se vê em nenhuma outra cidade antiga de Minas ou da Bahia.

Não só o “Sobradão”, o mais alto edifício de adobes com pés direitos de esteios de madeira de lei que se levantou no Brasil àquela época, chama a atenção dos que ali chegam, O sobrado em que estão agora instalados os Correios e Telégrafos – grandioso como os vetustos prédios coloniais – com porta ampla na frente, trabalhada em almofadas salientes, característico do barroco, e ornada de aldrabas de ferro, vistosas e funcionais, para as pancadas de aviso e chamada – serviu de sede para a “casa dos contos” (ou dos “Quintos”) em que se avaliava a taxação do ouro a ser expedido para fora, para as “Casas de Fundição” onde seriam tornadas barras, com o respectivo timbre calcado em uma das faces.

Defronte quase desse sobrado, em rua estreita, está a Capela de São José, igreja diferente de todas as outras talhadas pelo risco antigo e ali apresentando linhas originais, não existentes em nenhum dos templos antigos das cidades coloniais de Minas Gerais e, mesmo, de todo o Brasil incluída a Bahia.

Lembrando, por fora tanto como por dentro – não obstante as modestas proporções do conjunto – as igrejas-catacumbas dos antigos cristãos ou, mais propriamente aquelas capelas de Portugal do tempo das pelejas com os Mouros, quando ainda não se cuidava do estilo barroco.

É que está ali magnificamente representado o estilo “copta”, trazido até Minas Novas pelos frades franciscanos e capuchinhos, que chegaram àquelas paragens nos albores de sua descoberta e se dedicaram à catequese dos índios “Botucudos” aguerridos, aldeiados no “Alto dos Bois”. A “galilé” da entrada da capela é típica e só ela seria bastante para caracterizar, identificando-o, o referido estilo de que está ali em Minas Novas, talvez, o único exemplar no país reproduzindo como que em miniatura, a Igreja Cristã de Alexandria.

Outro monumento que se impõe à nossa veneração, está ali no Largo da Matriz. Por sinal que a antiga Igreja de S. Pedro – Padroeiro de Minas Novas – não mais existe, pois foi vandalicamente demolida em 1922, sob o pretexto de ser ela de adobes e ter grandes peças de madeira de lei que poderiam ser empregadas na construção de ponte sobre o rio Fanado, o que veio a ser feito e levada a ponte por enchente do mesmo, pouco depois... O referido monumento é a pequena casa térrea no alinhamento da praça (àquela época casa de maiores proporções no lado trazeiro) onde se hospedou Joaquim José da Silva Xavier em 1768, quando lá esteve – tropeiro e “pixileiro” (funileiro) que era, a caminho da Bahia.

Ali naquele Largo, frente à casa modesta em que se hospedou, deu o futuro Alferes da Liberdade o primeiro testemunho de sua inconformação com a Tirania, protestando aos berros e, depois, agredindo a murros e pontapés um “comboieiro” de escravos que os trazia à venda e espancava-os naquele “Kaquende”.

Preso – em cadeia que não deixou vestígios para sua localização por mim tentada quando lá estive, levando-me supor ter sido detido em interior de capela, já desde há muito demolida – suportou ele a prisão durante cinco dias e viu-se depois reduzido à miséria por ser obrigado a vender a sua alimária e pertences, tais os ônus da “carceiragem” que teve de enfrentar para se ver solto.

Foi essa, afinal, a causa de ter ele, na sua volta para Vila Rica e de lá para o Rio de Janeiro, em 1769, com 22 para 23 anos de idade assentado “praça” no Esquadrão de Cavalaria da Guarda dos Vice-Reis, no Rio de Janeiro, onde serviu até junho de 1776.

E vem a propósito esclarecer que o futuro Alferes assentou mesmo praça de soldado ou anspeçada em 1768 e não como diz o Sr. Herculano G. Mathias em seu recente livro “Tiradentes através da Imagem” a pag. 12: “... sentando (sic) praça a 1º de dezembro de 1775, investido diretamente, nesse dia, na graduação de alferes”.

A casa em que se arranchara o “pixiliero” Joaquim J. da Silva Xavier era de propriedade do Capitão de Cavalaria Auxiliar – Domingos de Abreu Vieira – antigo vereador do “Senado da Câmara” de Minas Novas, o qual se não pôde livrar o seu arranchado da cadeia e das custas elevadas da “carceiragem”, ao menos deve ter influído na sua aproximação de círculos militares para posterior ingresso no aludido “Esquadrão de Cavalaria”. Fica assim mais aproximada da verdade – do que a referida no livro do Sr. Herculano Mathias, a pag, 12, em que palpita ter havido redução de soldos e expedição de convites para ingresso na Cavalaria Paga – a admissão de Joaquim José da Silva Xavier na carreira militar.

A amizade entre ele entabulada em Minas Novas veio a se estreitar e Domingos de Abreu Vieira, português de origem, já então Tenente-Coronel, seduzido pelas ideias de emancipação do Brasil pregadas pelo seu antigo hóspede, de quem se tornara amigo e admirador, veio a tomar parte saliente e atuante na “Conjuração Mineira”.

Pena é que se tenha prestado ao triste papel relatado no “Documento de Évora” em que ignominiosamente se assina, dirigindo-se ao Visconde de Barbacena: “... seu Humilde escravo”.

Mas isso não tira de Minas Novas o seu maior galardão cívico: o de ter propiciado o destino glorioso do “Alferes da Liberdade”.



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MINAS NOVAS E O PROBLEMA MÁXIMO DA REGIÃO EM QUE SE SITUA


Minas Novas, desde quando subordinava exclusivamente à Bahia, teve o seu grande problema posto em equação e não resolvido até os nossos dias: o da comunicação com o mar e com o resto do país, notadamente com a sede do governo da Província depois Estado, vale dize com a Belo Horizonte de agora.
Sua posição geográfica naquela latitude semelhante à de Guaicuí, no Rio das Velhas, mas sem o Rio de S. Francisco como estrada rolante; sua quase impenetrabilidade defendida por elevados divisores de águas, fizeram sempre da região um refúgio. O tema é digno de maior estudo sociológico: o que poderia explicar não terem ali imperado “mandões” armados de gatilho como os teve a região sanfranciscana. O tipo de devassadores, e a época relativamente recente dos descobertos, em parte explicam o fenômeno. Mas a própria falta de caminhos fáceis é que cabalmente esclarece tudo.

O que é fato é que aquele isolamento sempre impressionou os filhos ilustres da região. Recordemos alguns desses pronunciamentos.
“Em 1811 o Cel. Bento Lourenço Vaz de Abreu e Lima fez exploração de uma estrada pelo Vale do Mucury até S. José do Porto Alegre, pretendendo ligar o norte de Minas ao litoral”.

Esta exploração, como muito bem disse o Dr. Miguel de Teive e Argollo, em seu opúsculo – Viação Férrea do Norte de Minas – “attrahiu a atenção do ilustre ministro de D. João VI, o Conde da Barca, o qual mandou abrir uma estrada que de Minas Novas se dirigisse ao Oceano. E, para maior equilibrilidade de tão grandiosas ideias, mandou fundar pelo seu agente, Joaquim Marcelino da Cunha, em Caravellas, uma fazenda de culturas nas margens do Mucury, a 72 quilômetros acima de S. José de Porto Alegre, estabelecimento este que foi depois abandonado por causa dos ataques de índios, tendo-se também deixado de levar a efeito a estrada com a retirada do Conde da Barca para Portugal”. Das “Notas Históricas do Município de Theophilo Ottoni” por Reinaldo Ottoni Porto.

Mais tarde, 1836, o presidente da Província de Minas, Desembargador Antônio da Costa Pinto – mandou explorar as matas compreendidas pelos vales dos rios Mucury e Todos os Santos, no intuito de escolher um lugar em que pudesse estabelecer uma colônia de degredados e vagabundos. Era a velha mania de tentar a colonização rural e regeneração de malandros com os elementos indesejáveis nas cidades. O engenheiro Pedro Victor Renault, encarregado dessa exploração, apresentou um circunstanciado relatório, nele citando: “... o estado de decadência em que encontrou a Vila de Minas Novas e atribuindo-o ao esgotamento das terras de cultura e à obstrução das lavras de ouro, devido ao sistema obsoleto de “talho aberto”. Essa judiciosa e avalizada opinião viria a ser mais tarde reforçada, em fevereiro de 1851, pelo então engenheiro militar, então capitão, Inocêncio Veloso Pederneiras que atribuía o declínio das minerações de ouro de Minas Novas como consequência da melhor vantagem econômica da exploração de Assuruá, na Comarca de Xique-Xique, na Bahia. Essa iniciativa arrojada fora de Paulo de Frontin conforme pude recordar em conferência pronunciada por mim na Sociedade Mineira de Engenheiros, em 1960, ao ensejo do transcurso do 1º Centenário do seu nascimento. Nela relatei o detalhe significativo de ter Frontin, pessoalmente, dirigido a canalização d’água na extensão de 40 quilômetros, em caminha aberto na selva com extensão de mais de 400 quilômetros, a partir da última estação da estrada de Ferro.

O notável Relatório do Eng. Militar Inocêncio Velo Pederneiras, reproduzido no “Dicionário Geográfico do Brasil”- explicando-lhe a origem – do declínio do índice demográfico de Minas Novas em passado recente quando relata: “Sua população urbana intramuros apenas tocará 3000 almas, isto é, menor do que pode comportar o número de seus prédios, o que é, sem dúvida, uma justa expressão do decrescimento do seu comércio. Pouco tem a fazer o camponês em uma povoação onde não encontra mercado para o produto de sua lavoura, e não mais numerosos são os mercadores que queiram aceitar, em troca de suas fazendas, objetos que eles não podem entregar aos seus credores em satisfação aos seus compromissos”.

Tudo isso, no fundo, consequência forçada pelo declínio das minerações agravadas pela dificuldade de acesso àquelas paragens outrora florescente e povoadas.

Bem dizia o já citado Dr. Victor Renault: “Com a navegação do Mucury, o Governo poderá tirar da penúria a que está entregue a Comarca de Minas Novas”.

Sua exposição, apoiada pelos Srs. Cel. Honório Esteves Ottoni, Antonio Joaquim César, Francisco Fulgêncio Alves Pereira e Silvério José da Costa, foi enviada ao Palácio do Governo Provincial de Minas, em Ouro Preto, a 18 de maio de 1846 e naquela viagem sem volta e sem despacho, deve agora estar gozando a placidez do nosso venerando “Arquivo Público Mineiro”.

Não desanimaram, no entanto, os Ottoni e em 1847 segue-se a organização da “Companhia do Commercio e Navegação do Rio Mucury” dirigida por Theophillo Benedicto Ottoni. Datavam de 1841 os primeiros esforços empregados por ele na abertura de comunicações do norte de Minas Gerais com o mar. Entendia ele que seriam mais bem empregados os esforços e recursos para ligar, por estradas e navegação dos seus rios, o norte de Minas com o Rio de Janeiro e com a Bahia – nos portos de mar de Porto Seguro e Caravelas – do que para ligar Mariana e Ouro Preto ao Porto de Vitória pela “E. F. Victória a Minas” aquele mito que consumiu tantas verbas e deixou sem ligação vários trechos atacados.

E o algodão de Minas Novas, famoso desde antes da visita de Saint-Hilaire e por ele citado em admiração de 1818, só esse justificaria uma ligação mais para o norte, porque mais próxima dos centros de consumo europeu.
Hoje a situação não está radicalmente mudada: se não temos ali, como outrora, o algodão selecionado para exportar, tem a região pouco mais ao sul o abundante e excelente minério de ferro que mais economicamente se beneficiaria sendo exportado pelos aludidos portos.

A respeito da iniciativa de Teófilo Ottoni, relata Cristiano B. Ottoni: “... faz nascer e mostrou ser praticável uma ideia política, aceita pelo Marquez de Paraná, advogada por vários deputados, mui bem recebida pelas populações a quem interessava”.

Trata-se de criar uma nova Província contendo a comarca de Jequitinhonha e parte das do Serro e S. Francisco, em Minas Gerais, a de S. Matheus no Espírito Santo; as de Caravelas e Porto Seguro na Bahia. Facilitaria isso o roteamento de extensíssimas matas e daria à Província de Minas Gerais um porto de mar, libertando-a da alfândega do Rio de Janeiro.

Com tanta confiança se entregou Teófilo B. Ottoni à árdua tarefa que em 1853 se decide a fundar a cidade de “Philadelphia” (hoje Teófilo Ottoni) e desenvolve e acoroçoa ali a colonização de imigrantes alemães, e um engenheiro dessa nacionalidade é por ele posto à frente de vários empreendimentos: o Eng. Shloback. Um esforçado e culto engenheiro naval, então 1º Tenente, José Carlos de Carvalho (que viria mais tarde, em 1888, a se notabilizar pelo transporte até o Rio de Janeiro do meteorito “Bendengó”, caído em 1784 à margem do riacho Bendengó na “Villa de Monte Santo” do sertão da Bahia, também presta em 1853 seu concurso nos estudos e “reconhecimentos” da estrada de Santa Clara. Colaborando assim para a ligação de “Alto dos Bois” – a 10 léguas de Minas Novas – com a cidade de Filadélfia. Lutou Ottoni pela sobrevivência da Companhia por ele organizada e pela realização de seus patrióticos objetivos, mas o ministério de 1º de agosto de 1860 na pessoa do Conselheiro Luiz Pereira do Couto Ferraz, Ministro da Fazenda, fez-lhe guerra surda, que haveria de solapar aquele generoso programa apenas iniciado. Mas Teófilo Ottoni não cedeu desde logo. Sabendo que no regresso da viagem ao norte do Brasil o Imperador D. Pedro II passaria pelo Canal de Abrolhos, dirige-se até lá para recebê-lo e ao mesmo tempo solicita, por carta, às autoridades de Minas Novas, que o secundem...

Tudo, no entanto, debalde. E ele mesmo relataria depois: “As esperanças eram por demais lisonjeiras, mas desvaneceram-se todas na tarde de 25 de janeiro de 1860, na barra de Caravellas, e com mais presteza do que a fumaça dos navios da esquadra Imperial, que se desligou por aqueles mares e, rápida, desapareceu no horizonte deixando-nos descoroçoados”.


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Um outro homem ilustre daquela região – o Dr. Francisco Coelho Duarte Badaró, nosso antigo representante na Corte Pontifícia, em Roma, quando Senador estadual em 1919, no governo Arthur Bernardes, fez extensos comentários na Assembleia Estadual e estrenuamente trabalhou pela intercomunicação por estradas e pela ligação daquele norte mineiro – rico e isolado – com o litoral. Lembrava ele, com muito acerto: “Desatravancar um rio é mais econômico do que construir uma estrada de ferro”.

Não faltou, portanto, o concurso e a tenacidade da parte dos filhos daquela região para tirá-la do isolamento e do marasmo.

Depois, voltou o angustiante problema à baila e três modalidades de providências se impõem, hoje como outrora:

1º - Estradas de rodagem que permitem e incrementem o Turismo.

2º - Ligação com o porto de Caravelas, na Bahia, (tornado accessível aos navios de grande calado), no que só diminui a distância para o embarque do minério de ferro como o aliviaria nas taxas do transporte para os Estados Unidos e Europa. O excelente minério de ferro da zona de Itamarandiba (vastíssimos depósitos de hematita compacta, com 68,6 por cento de ferro, isenta praticamente de fósforo) só ele justificaria esse programa,

3º - Interligação da Vitória-Minas, Central do Brasil e Leste Brasileiro. Isso ao invés de extinguir a Bahia - Minas, deficitária porque justamente ali é que se processa um espantoso estrangulamento da economia da região centro-leste do país.

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NOTA DO EDITOR
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Tomei a iniciativa de compilar esse texto com o objetivo de levar ao conhecimento de meus conterrâneos um pouco da nossa história, escrita por um cidadão que foi movido tão somente pelo interesse de pesquisar a vida de um de seus ancestrais que, lá no final do século XIX, exerceu em nosso município o importante cargo de “juiz de fora”.

O autor dessas memórias históricas, para nossa felicidade, cumpre um grande serviço ao nosso município, descrevendo de forma espetacular um período do qual não se tem outros registros, como de resto quase nada se registrou a respeito de nosso passado, em razão do desleixo ou da omissão que bem caracteriza as nossas lideranças, que muito pouco ou quase nada fizeram no sentido de se preservarem os documentos que noticiassem à posteridade sobre os feitos que se realizavam no cotidiano de nossa comunidade.

Sendo assim, sem querer me apropriar de qualquer mérito que não seja o de ter realizado a pesquisa, deixo bem clara a minha intenção que é a de facilitar estudos, preservar nossa história, ao tempo que louvo a importância daquela autoridade judicial, pioneira de nossa Comarca, que muito honra nossa história, assim como devo registrar a grandeza de seu neto, como pesquisador, como historiador e, acima de tudo, como zeloso descendente que procurou – de forma exemplar e admirável – buscar na fonte os registros sobre a memória de seu digno ancestral, um homem digno de todo nosso respeito e elevada consideração.

Espero, desta forma, que este trabalho não esteja ferindo direitos de terceiros, mas que sirva de incentivo aos estudantes de meu município que queiram se dedicar à pesquisa e conhecer mais um pouco sobre a história de Minas Novas, um dos municípios mais antigos de Minas Gerais e que não tem merecido, por parte dos estudiosos em geral, a dedicação de maiores aprofundamentos na apuração de sua origem e de sua trajetória na formação cultural, política, econômica e social da vida brasileira.

Belo Horizonte (MG), novembro de 2015

Geraldo Magela Mota Coelho






[1]Lindeira Que está na divisa, confrontante.  - Imóvel lindeiro, aquele que confronta.
[2] - devassamento (substantivo masculino) - 1.ato ou efeito de devassar. 2. ato de penetrar no que está defeso e/ou espreitar o que aí se passa.


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