domingo, 17 de julho de 2016

CATÃO FANADEIRO


CATÃO FANADEIRO-
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Havia na Vila do Fanado um famoso burgomestre, versado em latinidades, que não se avexava de ser um autêntico vivaldino e larápio, surrupiando escandalosamente o erário do concelho. Por esta justa razão era designado pela plebe com o pejorativo epíteto de “Ratão”, abuso pelo qual ele nem mesmo se importava, de tão descarado era o seu caráter.
Sendo ele de índole muito safada, distribuía migalhas às mulheres às quais despudoradamente e amiúde assediava em suas proezas, indenizando-as assim para iludir aos cornos, prometendo para estes possíveis sinecuras.
Era frequentador assíduo das missas e nas procissões seguia à frente, ostentando sua fé e vestido de opa vermelha, quando piedosamente fazia questão de conduzir o pálio ou o turíbulo com o qual incensava as tradições do lugar.
Certa vez, estando no palanque junto do Bispo Diocesano, este o indagou da razão de estar o povo ovacionando-o ruidosamente e o chamando de “Ratão”. Ele, que sabia do defeito de audição naquele prelado, então já muito idoso, informou-o que, de fato, o povo gritava delirante mas o chamava de “Catão”, pois assim era conhecido em razão de suas virtudes.
E o Bispo, muito convencido e satisfeito, rendeu graças ao Criador, abençoou toda aquele boa gente tão leal e justa, enalteceu em sua homilia a ventura daquela honorável vila de ser governada por um homem tão probo, sensato, querido e bondoso.
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Mas na referida vila existia também um plebeu, criado na casa paroquial, filho de Donana do Vigário, que fora batizado com o nome de José Catão, nome que lhe fora escolhido pelo Cônego Barral, julgando assim abençoar o afilhado e garantir a seu pimpolho os mesmos méritos que adornavam o seu homônimo lá de Roma. No entretanto era esse Catão fanadeiro justamente o contrário daqueloutro, tão virtuoso e sábio. Não tendo qualquer ofício mais salutar, a lida diária deste Catão era com os anzóis, redes e tarrafas, pois conhecia como ninguém os sítios mais piscosos de toda região. E, em razão desse ócio, era ralhado pela boa mãe que o queria como sacristão, pelo que vivia ela sempre amargurada e contrariada vendo-o no triste encaminhamento da vadiagem. Com o firme intuito de vê-lo recuperado mandava-o, insistentemente, ir à missa. E de tanto pregar tais ladainhas e conselhos, certo dia, daquele mês e ano de Nosso Senhor Jesus Cristo que agora já se vai muito longe, naquela casa bendita, o Zé Catão anoiteceu no sábado mas não amanheceu no domingo, pois se escafedeu e ficou distante, por onde andara, por muitos e muitos anos sem mandar qualquer notícia de si. Voltou muito tempo depois, sabendo estar muito enferma sua pobre e venerável mãe que, ao vê-lo entrar pelo quarto do velho casarão de seu padrinho, a moribunda o indagou por quais paragens vadiava, ao que ele explicou que teria ido à missa, na Vila de Filadélfia, que ficava a mais de 50 léguas, de onde estava regressando com as mãos abanando e, depois de haver regressado, ali estava com uma delas na frente e a outra pelo detrás.
Este mesmo Catão, pobre como Jô, tendo esgotado todas as gerações de traíras que havia no leito, antes piscoso, do rio Fanado, por forca de suas falcatruas viu-se desamparado pela sorte quando não mais havia sua mãe e nem mesmo tinha a seu favor a boa-vida na Casa do Cônego Barral. Estava, pois, desacreditado e passava apertos em suas necessidades, as mais imediatas.
Certa vez, não vendo outro recurso, deliberou recorrer-se ao Dr. Ataliba, antigo freguês que muito apreciava seus peixes, desde aqueles bons tempos da fartura, principalmente sabendo serem laboriosos os argumentos que reservava a favor das traíras que ele negociava por confiança.
O sabido advogado, porém, sendo amante daquela aventura, muito menos para precaver-se das recorrentes tretas do vetusto malandro, mas pelo gozo já antecipado da percorrida, concordou que lhe pagaria o preço avençado mas, para se garantir, condicionou que ele próprio iria ao local onde o pescador afirmava existir a prenda, devendo indicar precisamente onde deveria estar o “troféu”, cujos cabedais e características prometia o biltre serem formidáveis.
Assim combinados, dirigiram-se ambos ao Fanado, até o famoso poço do cisqueiro e, em lá chegando o pescador apontou para o lugar exato da cama da imaginária traíra, mandando que o brilhante causídico acionasse o gatilho de seu rifle, cuja pontaria sempre fora muito certeira.
Ouviu-se o estampido e no meio da fumaça nada de a tal traíra boiar sobre as águas do grande poço, como sempre era de costume ocorrer em tais circunstâncias.
Enfurecido, vendo-se logrado, o doutor quis saber qual a razão de ser vítima daquele lascarino xixilado.
E o Zé Catão, já estando com os cobres no bolso, lá do alto do Morro da Contagem, assim gritava:
- “eu vi a tal bitela aí foi no ano passado... nas águas do ano passado ..." e tratou logo de ir passando sebo nas canelas, pois não queria levar uma chumbada nos traseiros, daquele temido cravinote do filho do Coronel Demóstenes César.
E, sendo o Dr. Ataliba homem de boas letras, refazendo-se do fiasco enfiou sua carabina no alforje e assim anotou nas bordas de seu vade-mécum, arrenegando a arte da pescaria e se propondo, a partir dali, seguir as recomendações do velho pai, que assim o aconselhava ser:
“Vibrante como Nabuco
Valente como Caxias
Certeiro com o Trabuco
Velhaco como Urias.”

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